Tudo por
Centeno, nada contra Centeno
Ele
[Centeno], com as cativações orçamentais, conseguiu até burlar os parceiros da
geringonça.
Por Eduardo
Cintra Torres|00:30
Folheando a
imprensa e dedilhando as redes sociais, sente-se o leitor constrangido a
juntar-se ao exército dos adoradores de Centeno, empurrado para elogiar o
ministro das Finanças eleito presidente do informal Eurogrupo pelos seus pares.
É o regresso da parolada do ‘cá dentro’ e do ‘lá fora’. ‘Cá dentro’ podemos
dizer o que quisermos sobre as nossas coisinhas; ‘lá fora’ nunca — até porque
‘eles’, os estrangeiros, sabem mais do que nós. Junta-se um nacionalismo tosco
a um sentimento de inferioridade. A nossa santa terrinha é nossa, mas é uma
terrinha. Se a este caldo paradoxal juntarmos um atávico desprezo nacional pela
liberdade de expressão dos outros, fica completa a sopa de pedra afascitada em
que o ‘tudo pela nação, nada contra a nação’ se transforma, 43 anos depois do
dia inicial, e inteiro, e limpo, & etc., em ‘tudo pelo Centeno, nada contra
o Centeno’. O PS, que é agora mais de Afonso Costa do que de Mário Soares,
exerce já naturalmente esta coacção comunicacional nas declarações políticas,
em artigos e nos comentários exclamatórios dos seus soldados nas redes sociais.
Em termos de comunicação, o PS de Afonso-António Costa é mais leninista do que
o PCP e, talvez por isso, anda a recolher votos da massa comunista, como
mostraram as autárquicas e sondagens. As tácticas leninistas tornaram-se uma
condição natural da parte do PS no poder, que cala a outra parte, empurrada
para debaixo do mesmo manto de silêncio com que o PS de Afonso-António tenta
cobrir quaisquer vozes críticas. Um bom crítico é um crítico calado, como
António José Seguro, há dois anos sem pio. Deveríamos ser todos como ele.
Aceitar a linha justa: contra os Barrosos e os Arnauts, marchar, marchar, mas,
por Centeno, tudo pela nação, nada contra a nação. E lá vai Centeno presidir a
um grupo ‘informal’, com reuniões de que se não fazem actas, um grupo criado
para tomar decisões sem escrutínio democrático e público, quer dizer, decisões
típicas de ministros das Finanças — contra os cidadãos europeus, enganando os
cidadãos europeus. O que viram os seus colegas em Centeno? Que ele, com as
cativações orçamentais, conseguiu até burlar os parceiros da geringonça,
maridos enganados que aceitaram a traição como o da canção francesa: "je
suis cocu, mais content". E, com os aumentos dos impostos indirectos —
arma secreta do ardil em democracia há mais dum século —, enganou o país
inteiro. Os colegas viram nele o homem certo para o cargo da ‘nova’ política
financeira europeia: dar um rebuçado com uma mão para, com a outra, rapar
rendimentos dos cidadãos até ao osso. A austeridade parece uma festa.
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