A culpa é do
tesoureiro
João Galamba
e Daniel Oliveira demoraram mais anos a perceber quem era José Sócrates e até
agora não reportaram coisa alguma.
João Miguel Tavares
19 de Dezembro de 2017, 6:35
O final da semana passada foi marcado por dois
acontecimentos bizarros, e muito típicos de uma certa indignidade que polui o
espaço público português há demasiado tempo: o ataque aos tesoureiros da
Raríssimas e à jornalista Ana Leal por falhas deontológicas no exercício das
suas denúncias; e a sentença do caso Bárbara Guimarães-Manuel Maria Carrilho,
onde a juíza declarou para a posteridade que uma mulher que se diz independente
não apanha do marido sem abandonar o lar e não anda pelas revistas cor-de-rosa
a dizer que se sente feliz quando colecciona nódoas negras. Esta espécie de
moralismo descabelado e de exigência extrema dirigida aos queixosos e aos
denunciantes, considerando inadmissível que não tenham denunciado melhor e se
queixado com mais competência, mostra duas coisas: 1) uma lastimável
compreensão da natureza humana, e 2) um enorme talento para proteger trafulhas,
agressores, corruptos e ladrões.
Comecemos pelo caso Raríssimas noticiado pela TVI, mas
deixando para próxima oportunidade as acusações à jornalista Ana Leal por ter
violado a vida privada do pobre secretário de Estado e por não ser capaz de
reconhecer o que é “alta-costura”. Prefiro centrar-me nas acusações aos tesoureiros que deram a cara na
reportagem. Segundo João Galamba e Daniel Oliveira, tais senhores tiveram um
comportamento vergonhoso: fizeram as denúncias com vários anos de atraso e
quando já lá não estavam. Escreve o cronista do Expresso, protegendo de caminho
o ministro Vieira da Silva: “A Assembleia Geral só poderia conhecer esses
abusos se o tesoureiro os reportasse. Esperou seis anos, em que colaborou com a
trafulhice, para o dizer. Não à Assembleia Geral, como era seu dever, mas à
TVI.”
Eu diria,
só para começar, que João Galamba e Daniel Oliveira demoraram mais anos a
perceber quem era José Sócrates e até agora ainda não reportaram coisa alguma —
e tanto que teriam para nos contar. Olhar para um caso destes e concluir que o
tesoureiro esteve mal é o mesmo que olhar para a prisão de Totò Riina e
declarar que os arrependidos que o entregaram não deviam ser mafiosos. Quando
Galamba e Oliveira optam por criticar as pessoas que deram a cara para fazer
uma denúncia em vez de criticarem os que nunca viram nada, ou se viram nunca se
atreveram a abrir a boca, estão a escolher o seu campo — o que não chega a ser
surpreendente, mas não deixa de ser triste.
O caso
Bárbara-Carrilho é distinto, na medida em que a presunção de inocência foi
feita para os tribunais: se a juíza achou que não existiam provas inabaláveis
para condenar Carrilho há que respeitar e aguardar pelo recurso. Contudo,
certas afirmações que constam da sentença, como “Bárbara Guimarães é uma mulher
destemida e dona da sua vontade, pelo que não é plausível que na sequência das
agressões tenha continuado com o marido em vez de se proteger a si e aos
filhos”, são de tal forma ignorantes do que é a violência doméstica e a pressão
social de uma figura pública que fazem duvidar da sua sensatez.
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