Ideal
monárquico está a seduzir simpatizantes do Bloco e do PCP
O
pretendente ao trono D. Duarte e o filho, D. Afonso |
ORLANDO ALMEIDA/GLOBALIMAGENS
01 DE DEZEMBRO DE 2017
01:36
João Céu e Silva
O feriado
de hoje traz uma novidade: há muitos militantes de esquerda dos principais
partidos a frequentar as academias de formação monárquica e deputados que
defendem a família real no protocolo de Estado
O atual
Presidente da República foi nomeado administrador [vitalício] da Fundação da
Casa de Bragança; Rui Moreira, entregou o cartão para ser autarca do Porto, tal
como Miguel Albuquerque, presidente do governo regional da Madeira; Paulo
Portas suspendeu a militância monárquica para ir para o governo; há socialistas
partidários do referendo à monarquia no Parlamento; os comunistas convidam
frequentemente D. Duarte para visitar as autarquias e há militantes do Bloco de
Esquerda a frequentar os encontros da Juventude Monárquica...
O que se
passa com os ideais republicanos e o que ganham os defensores da monarquia com
a descrença dos portugueses num sistema político democrático em que os
escândalos surgem em catadupa no Portugal que hoje volta a comemorar pela
segunda vez o feriado da Restauração da Independência depois de o PSD e o CDS o
terem abolido na anterior legislatura, um país em que D. Duarte quer ser
entronizado como chefe de Estado e propõe substituir-se aos presidentes da
República na qualidade de rei.
Quando se
pergunta a Dom Duarte se a alteração da chefia de Estado não é ir longe de
mais, responde assim: "O que não compreendo é que não se autorize numa
democracia acabar com o sistema democrático." Deveria esta questão fazer
parte de uma próxima revisão constitucional? D. Duarte acha que sim: "Não
é honesto não fazer a pergunta aos portugueses, até porque a República foi
proclamada por golpe militar e nunca foi referendada."
Se é óbvio
que D. Duarte desejaria que a monarquia que representa e lidera voltasse a ter
um papel tutelar na organização política portuguesa, o mesmo não se esperaria
dos republicanos, principalmente de militantes dos partidos mais à esquerda.
Não existindo números oficiais sobre os que olham com tolerância um regresso a
uma governação monárquica ao nível mais alto, D. Duarte acena com um argumento:
"Há uma sondagem feita por altura do centenário da República que ficou na
gaveta porque não interessava revelar as suas conclusões: 40% disseram que não
são republicanos. Se com a atual situação, 40 % já perceberam que o sistema
republicano de chefia de Estado não é boa para Portugal, estou convencido que
se houvesse informação sobre o sistema monárquico essa percentagem iria
aumentar com certeza. Basta ver os bons exemplos de países europeus."
D. Duarte
vai mais longe ao considerar que o comportamento do Presidente Marcelo Rebelo
de Sousa "é semelhante ao que seria o de um rei" e que por via desta
atuação política fica mais fácil aos portugueses comparar os dois regimes. Por
isso alerta: "Não se sabe quem se seguirá depois dele. Pode não ter este
perfil, como alguns dos seus antecessores, que desagradaram a grande parte da
população e preocuparam-se mais em favorecer o partido de onde vinham."
Para que não fiquem dúvidas sobre a comparação entre rei e Presidente, recorda:
"Quem mais claramente tentou agir como um rei enquanto Presidente foi o
general Eanes."
Projeto
político falhado
Não é
preciso investigar muito para confirmar que os ideais monárquicos sempre
seduziram bastante os que em Portugal votam CDS, ligeiramente menos os do PSD e
um pouco os do PS, mas o que surpreende é que atualmente militantes de esquerda
se interessem pelos ideais monárquicos: do PCP e do Bloco de Esquerda, por
exemplo. Uma realidade política que pode parecer inacreditável quase cento e
dez anos após a implantação da República e apesar de todo o esforço com que os
republicanos baniram os representantes da dinastia de Bragança e confiscaram os
seus bens, mas que nos últimos tempos se deleitam com as reportagens do
casamento de Dom Duarte com Isabel de Herédia, ou ainda, no fim de semana
passado, com o relato do baile de debutantes em Paris que apresentou a filha
Maria Francisca à sociedade, na companhia dos irmãos Afonso e Dinis.
Ao fim de
quatro décadas de democracia, pode dizer-se que a tentativa dos representantes
e simpatizantes da monarquia em obterem um papel político através das eleições
falhou. Essa solução surgiu com a formação de uma estrutura partidária, o
Partido Popular Monárquico (PPM), que teve em Gonçalo Ribeiro Telles um dos
principais impulsionadores, mas as divergências com D. Duarte levaram a um
quase desligamento do partido e à pouca representação eleitoral.
A deputada
do PPM na Assembleia Municipal de Lisboa, Aline Gallasch-Hall de Beuvink, uma
das duas deputadas que foram eleitas em coligação com o CDS, insiste nas
virtualidades da chefia real do Estado enquanto defende o partido que
representa: "O pouco peso político do PPM não é problema. Temos 43 anos de
história e preconizámos várias ideias que só 20 anos depois foram tomadas. Se
acham que a monarquia é retrógrada é porque não percebem que é algo presente no
quotidiano de vários países da Europa. Sempre dos mais avançados e com melhor
nível de vida."
O aumento
dos simpatizantes monárquicos, contudo, não aparece do nada. Há mais de uma
década criaram-se as Reais Associações em todos os distritos portugueses e, com
a organização madura, surgiu a Causa Real. Um movimento em torno de D. Duarte,
que o inspirou também, onde se reúnem os ativistas monárquicos, mas também os
simpatizantes que existem espalhados pelo país e que votam - com exceção das
eleições presenciais em que a maioria se recusa a escolher um presidente - nos
partidos que mais os atraem.
Sedução à
esquerda
O que
surpreende é que o modelo de governação em vigor em Portugal já seja preterido
por milhares de portugueses que veem numa chefia de Estado protagonizada por D.
Duarte a melhor solução. Uma surpresa que cresce quando se podem contabilizar
algumas dezenas de militantes de esquerda, vindos do Partido Comunista
Português e do Bloco de Esquerda, sempre presentes nas sessões em que se reúnem
monárquicos mais tradicionais.
Uma das
estruturas monárquicas que tem recebido mais apoios esquerdistas é a Juventude
Monárquica. O presidente da organização, Gonçalo Martins Silva, confirma que
pelo menos duas dezenas de esquerdistas vão regularmente aos encontros da
organização na região de Santarém: "Há muita gente nova e cada vez mais
pessoas aparecem regularmente, independentemente dos quadrantes políticos
habituais." Especifica: "Além do CDS e do PSD, temos tido bastantes
inscrições de jovens que vêm da Juventude Socialista, uma dezena do PCP e,
surpreendentemente, do Bloco de Esquerda também. Estes são a grande
novidade."
Questiona-se como pode ter a certeza da origem
dos novos simpatizantes virem da esquerda? "Sabe-se de onde vêm porque na
ficha de inscrição existe um espaço para dizer a que organizações pertencem.
Posso dizer que é muito diferente de há uns anos, quando havia apenas uma ou
duas inscrições. Nos últimos tempos é mais tão notório e surpreendente porque
têm uma natureza republicana que nos surpreendeu." Acrescenta: "Estou
muito contente, porque são pessoas que não nos costumavam apoiar!"
O
responsável da Juventude Monárquica refere que as reuniões monárquicas que
atraem os simpatizantes de esquerda não se preocupam apenas em debater os
ideais monárquicos: "Não somos uma juventude partidária, fazemos parte da
Causa Real e quem frequenta estas Academias são jovens em que o denominador
comum é apoiar D. Duarte."
Poder-se-ia
achar que é só ao nível de jovens de esquerda, mas o presidente da Causa Real,
António de Sousa-Cardoso, esclarece: "Temos cada vez mais simpatizantes e
um enorme aumento de curiosidade sobre o movimento devido à perda de
referências e de identidades das populações." Quando se lhe pergunta
quantos são os filiados, aponta "cerca de dez mil associados" e faz
questão de deixar claro que "temos pessoas de todos os partidos representados
na Assembleia da República", militantes que assinaram a "petição para
acolhimento de D. Duarte no protocolo de Estado".
Vamos à
questão da esquerda nas fileiras monárquicas. Existem personalidades do PS?
"Existem vários simpatizantes sim." E do PCP? "Sim, temos
registo de que existem do PCP." E do Bloco de Esquerda? "Sim, mesmo
sendo mais recente como partido."
Para
justificar a atração de comunistas dá dois exemplos: "No PCP, são os
próprios dirigentes que insistem mais nas visitas de D. Duarte e D. Isabel às
suas autarquias." Recorda também que o facto de Juan Carlos ter autorizado
o regresso do Partido Comunista Espanhol deverá ter alguma importância no caso
destes simpatizantes, pelo menos dos que "leem bem a história e percebem o
mudar dos tempos".
Ter um rei antes de morrer
O presidente da Real Associação de Lisboa, João Távora, faz
questão de destacar a transversalidade partidária dos novos simpatizantes,
mesmo que avise que "a questão monárquica não é partidária e que a
legitimidade da monarquia é histórica". No entanto, confirma: "Vou a um congresso do CDS ou do PSD e não
faltam monárquicos. É certo que têm empregos com ligação ao regime porque estão
integrados no sistema. Aliás, no CDS são uma grande maioria."
Quais as
razões desta adesão aos ideais monárquicos? João Távora aponta: "Gostam da
nossa bandeira e há uma grande simpatia por D. Duarte e D. Isabel por
considerarem que o topo da pirâmide governativa deve estar fora e isenta da
luta política e dos jogos de interesse para se chegar à chefia do Estado, bem
como dos recursos económicos que os partidos precisam para a sua
atividade".
Para
Gonçalo Martins Silva, a sedução dos mais jovens vem do facto de "os
países mais democráticos da Europa serem monarquias. Isso chama a atenção dos
jovens que participam nas academias de formação monárquica e demonstra que a
República tudo tem feito para induzir o pensamento único próprio da democracia.
Essa fixação impede muitos portugueses de compreenderem a monarquia e querem que
se confunda com o absolutismo. O que não é a verdade".
Apesar
desta onda monárquica que começa a invadir a esquerda, nenhum dos entrevistados
espera ver D. Duarte como rei durante a sua vida. Nem o próprio,
diga-se.
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