Imagens do
Dia / OVOODOCORVO
“Dizem que o novo proprietário tem planos para
transformar o bairro em alojamento para turistas.”
Nas imagens
vêm-se nítidamente textos exprimindo explícitamente “FUCK TURISMO”.
OVOODOCORVO
Na escarpa
das Fontainhas, a vista é já uma saudade
Boa parte dos
poucos moradores que ainda vivem no Bairro da Tapada já sabem que terão de sair
dali, após a compra das casas por uma empresa do ramo imobiliário.
ANDRÉ VIEIRA 17 de Dezembro de 2017, 7:46
Nas
Fontainhas, numa manhã fria, mas solarenga, uma das moradoras da primeira linha
de casas da escarpa situada na freguesia da Sé estende a roupa acabada de lavar
no varal montado no varandim da casa onde vive. Está num segundo piso com vista
folgada para o rio Douro e para a zona ribeirinha de Gaia. Ao lado, sentado
numa cadeira, o marido, a quem foi diagnosticado Alzheimer, aproveita os raios
de sol que ajudam a equilibrar a temperatura. Dali conseguem ver uma espécie de
retrato emoldurado pelas pontes de ferro - D. Luís e D. Maria Pia. Já
reformados, são dois dos cerca de 50 moradores que habitam no Bairro da Tapada,
comprado há dois meses por uma empresa de investimentos imobiliários.
Como
acontece com o resto dos vizinhos temem que o negócio ponha em risco a
permanência das três dezenas de famílias que lá vivem. Sair daqui é uma questão
que querem afastar como hipótese. Dizem que o novo proprietário tem planos para
transformar o bairro em alojamento para turistas. Mais abaixo, no bairro Maria
Vitorina, na mesma escarpa, já começaram a sair moradores. Só sete das 20 casas
é que ainda estão ocupadas. Na Tapada luta-se por um destino diferente e contra
o despovoamento de uma das zonas mais carismáticas do Porto.
Muitas das
famílias nasceram aqui ou vivem aqui desde sempre. É o caso de Maria Alice
Sousa, que aqui chegou com um mês de idade. Vai fazer 74 anos em Janeiro e
outros tantos como residente. O bairro, diz, terá cerca de 150 anos, “pelo
menos”. Faz as contas com base no número de gerações que por lá passaram.
Quando
ainda era “menina” as casas não tinham casas de banho no interior. Para isso
existia um espaço partilhado, que ainda lá está. Actualmente só três é que
continuam a não ter. A que ela arrenda com o marido de 77 anos, e que já era
arrendada pelos pais, está equipada com casa de banho. Teve o casal que a
construir. “A senhoria nunca fez obras”, diz que só “tratava” dos telhados.
Todas as obras feitas pelos inquilinos saíram do orçamento pessoal de cada um.
“Gastei aqui muito dinheiro”, conta.
Maria
Alice, “há uns anos”, foi operada a um joelho. A casa, cujo contrato foi
alterado há 28 anos para o nome do cônjuge, que diz ter uma “doença
degenerativa”, está num segundo piso. Impossibilitada de subir escadas arrendou
há quatro anos outra habitação num piso inferior. Está a pagar por duas casas.
“Quando fui para lá estava toda podre”, diz. Teve que fazer obras. No total
gastou “à volta de 20 mil euros”. Na outra, também já tinha investido dinheiro
das suas finanças pessoais.
Mensalmente,
paga pelas duas casas cerca de 100 euros. A média do valor dos arrendamentos no
bairro varia entre os 50 e os 100 euros, embora alguns contratos mais recentes
cheguem perto dos 200 euros. Maria Alice Vive com uma reforma de
aproximadamente 300 euros.
Um bairro
inteiro vendido
A 15 de
Novembro, como aconteceu com todos os outros moradores, recebeu por correio uma
carta que dava conta da compra do bairro por uma empresa de investimentos
imobiliários, a Porto Baixa. No dia 24, representantes do novo proprietário
dirigiram-se à Tapada para falarem com os moradores.
É aí que os
moradores começam a temer pelo futuro. Afirma quem esteve presente na reunião
que lhes foi dito que os contratos com prazo não seriam renovados. Quem não
estivesse em cumprimento com as rendas seria igualmente convidado a sair. Aos
mais antigos terá sido dito que permaneceriam no bairro. Programadas estarão
obras de remodelação nas habitações com cerca de 25 metros quadrados. Os
moradores dizem que lhes foi dito por quem lá foi que o plano será transformar
o bairro em alojamento local para turistas.
Nascidos no
bairro, contratos recentes
Maria Alice
tem um contrato antigo, mas tem também outro recente da casa onde investiu
dinheiro em obras. “Se tiver que sair daqui pego num martelo e mando tudo
abaixo”, diz. Foram as poupanças de uma vida. “Não me imagino a morar noutro
sítio. Não quero ir para uma casa da câmara”, desabafa. E acrescenta: “Isto é a
Sé. Isto é histórico”.
A completar
63 anos no próximo mês, Delfina Ribeiro é “nascida e criada” na Tapada. Conta
que já se ouvia uns “zunzuns” de que algo semelhante pudesse acontecer: “Há
anos que se diz que o bairro vai abaixo”. Da senhoria, garante, não recebeu
qualquer informação sobre o negócio que estava a ser feito.
Quando
recebeu a carta diz ter entrado em “pânico”. Apesar de três gerações da sua
família terem vivido no bairro, e de sempre ter morado aqui, tem contrato novo
por força de ter mudado para outra casa. Uma advogada foi contratada pelos
moradores. “Viu o meu contrato e disse que estava feio”, conta. “Estou agora
sujeita a ser das primeiras a sair”.
Reformada,
assume não ter possibilidades para arrendar outra casa. “Ganho 375 euros, se
for para uma casa de 300 euros que dinheiro é que eu tenho para pagar água e
luz?”, questiona.
Na mesma
situação está Ricardo Pereira. Tem 38 anos e vive na Tapada desde sempre. Já lá
viviam os avós. Dentro do bairro foi saltando de casa em casa. Saiu da casa dos
pais quando casou há 15 anos e há quatro mudou-se para outra quando teve o
segundo filho. Paga uma renda de 170 euros. Só em despesas totais da casa “não
chega um ordenado”. Também investiu em obras.
Já em Março
a empresa comprou um terreno contiguo ao bairro. Até há 17 anos, este terreno
era parte do bairro até uma das habitações ter cedido. Por questões de
segurança esse sector do bairro, que na altura tinha 88 casas, foi demolido.
Actualmente há lá um descampado. Diz Ricardo que a empresa terá dito na reunião
que será lá construído alojamento para turistas. “Deram a entender que é o que
também vão fazer aqui”, conta.
Ajuste das
rendas poderá afastar inquilinos
Ainda que o
contrato de arrendamento que assinou seja de termo indeterminado, Ricardo teme
que seja um dos que corre risco de sair. “É difícil imaginar morar noutro
sítio. Estamos habituados a isto. Aqui todos se conhecem”, frisa. Recorda-se de
aquela zona ser movimentada e ter outra vida: “Agora está a ficar abandonado.
Parece um deserto. Vão passando uns turistas para tirar fotografias”.
Lurdes
Pereira, 64 anos, também mora aqui desde que nasceu. Está também agora noutra
casa e por isso fez novo contrato há dois anos. Quando foi notificada da venda
do bairro dirigiu-se ao escritório da imobiliária. Lá, ter-lhe-ão dito que
ninguém ficaria sem casa e que iam apenas remodelar o bairro. No dia em que
aqui vieram disseram-lhe que os novos contratos não seriam renovados, garante.
“Se eles
dizem que é para remodelar, fazem o que querem aqui e depois fazem novo
contrato com valores mais elevados. É uma maneira de não voltarmos. Foi o que
aconteceu na Rua Escura ou no Souto, onde agora estão lá as casas vazias”, diz.
Futuro pode
ou não passar pelo turismo
Contactado
pelo PÚBLICO, Pedro Soares, sócio-gerente da Porto Baixa nega “redondamente”
que os inquilinos serão despejados. Confirma que o bairro foi comprado há dois
meses e que adquiriram um terreno contíguo em Março. Afirma que o complexo será
remodelado e que os contratos de arrendamento estão a ser analisados.
O gestor
garante que os contratos serão cumpridos, contudo, assume que quem estiver em
falta com o pagamento de rendas será convidado a sair. A compra do bairro foi
realizada tendo como finalidade a sua rentabilização e, nesse sentido, as
rendas serão ajustadas aos valores do mercado “de acordo com a lei”, explica.
A Porto
Baixa admite não estar ainda numa posição em que possa adiantar qual o aumento
que os arrendamentos vão sofrer, mas garante serão “os justos” e na perspectiva
de rentabilizar o investimento. Existe a intenção de construir no terreno
contíguo, mas nega que esteja definido “hoje” que, tanto as novas construções
como as habitações do resto do bairro, sejam exploradas para alojamento para
turistas. E no futuro? O investidor responde que não pode prever o que
acontecerá mais tarde.
No Maria
Vitorina sobram sete inquilinos
Metros mais
abaixo do bairro da Tapada, no Maria Vitorina, parece não existir vivalma. No
bairro com 20 casas, só sete estão ocupadas. O PÚBLICO encontrou um morador,
Alexandre Silva, 55 anos, que mora aqui há 44 anos, e há dois na casa actual.
Tem novo contrato que acaba em Março. Só quatro dos sete inquilinos é que têm
contratos antigos.
Como todos
os outros vizinhos com contratos recentes recebeu uma notificação do senhorio.
Os contratos não serão renovados. Todos os outros notificados já abalaram daqui
para fora. Manuela Mota, que se junta à conversa, está na mesma situação.
Diz-nos que além do si e de Alexandre há mais um inquilino com ordem de marcha.
“Vão sobrar quatro no bairro”, contabiliza.
Alexandre
diz haver rumores de que o bairro já foi comprado. Porém, as rendas ainda as
tem pago ao mesmo senhorio. Conta que desde que aqui mora nunca assistiu a
tanto interesse nas Fontainhas. Começou a acontecer na altura em que inicia a
construção do hotel que abriu em 2016 onde acaba a escarpa, já na Avenida
Gustavo Eiffel, junto ao rio.
Adivinha
qual será o seu destino, mas vai lutar para não sair: “Mesmo que receba uma
indemnização, não há dinheiro que pague as memórias que tenho daqui”.
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