377 anos depois da revolta contra o Iberismo e o
Projecto de Castela.
Perguntem aos Galegos, Catalães, Bascos e Andaluses o
que pensam da nossa Tenacidade…
Portugal Sempre, numa Europa regida sobre o Princípio
da Unidade em Diversidade
OVOODOCORVO
Nos 377 anos
do 1º de Dezembro, uma viagem pela História e pela tenaz identidade de um
pequeno país ibérico
MANUELA
GOUCHA SOARES
RUI CARDOSO
Quando
Portugal e Espanha aderiram à CEE, dizia-se em Bruxelas, que “Portugal pediu
para aderir à Europa, mas os espanhóis pensam que foi a Europa que pediu para
aderir à Espanha”. Salvaguardadas as devidas diferenças entre o tamanho e a
capacidade negocial dos dois países ibéricos, a blague bruxelense retrata com
humor algumas diferenças entre os dois povos, espécie de gémeos falsos que se
acicatam entre si.
A
estratégia de negociação portuguesa foi marcada por um “acentuar das diferenças
entre os objetivos de Portugal e os da Espanha no processo negocial”, diz ao
Expresso o embaixador João Rosa Lã, que à época era o funcionário da nossa
legação diplomática em Bruxelas responsável pelas relações com a Espanha: “Em
meados de 1984, Mário Soares, que esperava que Portugal aderisse antes da
Espanha, deu instruções para não aproximar” a nossa argumentação da do grande
país vizinho.
TRÁGICOS OU
QUIXOTESCOS?
A adesão à
CEE mudou para sempre a relação entre portugueses e espanhóis, e quase que
acabou com o velho ditado “de Espanha nem bom vento, nem bom casamento”. Com o
alargamento do número de [países] parentes, de 1986 para cá, os falsos gémeos
deixam de funcionar no espaço ibérico para dialogarem num “quadro multilateral,
em que [até] passam a ter uma relação diferente em termos de política de
defesa”, diz Rosa Lã.
Para Miguel
Real, “a Europa matou o iberismo; não faz sentido defender uma região na
Europa” que mais não é do que um espaço/região maior: “Não deixamos de ser
europeus por termos uma identidade histórica como povo ibérico, ou uma outra
que passa pela afirmação contra a Espanha”.
Basta
lembrar que o poeta e ensaísta “Miguel de Unamuno falava no tragidismo
português, no Portugal país suicida, referindo que quando colocados perante a
mesma situação dos espanhóis, os portugueses entristecem melancolicamente e têm
uma expressão trágica, enquanto o espanhol transforma a tragédia na ironia
quixotesca”, lembra o filósofo e escritor Miguel Real.
O PARTO DA
IDENTIDADE
Tudo
começou em 1128 quando os partidários do príncipe Afonso e de sua mãe D. Teresa
se enfrentaram em São Mamede, ainda que ambos protagonizassem projetos de
rutura com o reino de Leão. A diferença é que, como nos ensina José Mattoso,
Afonso previa a expansão à custa do mouro, com base na nobreza minhota e nas
gentes da fronteira, mais aptas para esta guerra do que a nobreza galega, que
daí em diante se veria privada de possibilidade de expansão para sul, e
condenada a prazo a ser absorvida por Leão e Castela.
Durante a
crise de 1383/85 D. João de Castela esteve a milímetros do trono português,
fosse pela via jurídica (casamento com D. Beatriz, filha de D. Fernando), fosse
pela via militar. Mas, como lembra o historiador e docente da Faculdade de
Letras de Lisboa, Pedro Gomes Barbosa, “este cenário resultara do envolvimento
de D. Fernando nas disputas dinásticas castelhanas em três guerras, todas
perdidas e com consequências cada vez piores”.
Apesar da
vitória de Aljubarrota (14 de agosto de 1385), “houve guerra com Castela até
1411, ainda que nos últimos anos fosse mais paz podre que conflito”, lembra
Barbosa.
Com D. João
I, surge a aliança com os ingleses e uma nova dinastia, que viria a ter um fim
trágico; e, em 1580, surge também um novo rei espanhol com legitimidade e força
militar para disputar a sucessão de D. Sebastião, dando assim início à chamada
monarquia-dual, mais conhecida por domínio filipino .
DIVÓRCIO
IBÉRICO
No dia 1 de
Dezembro de 1640, “Portugal deixou de ter uma identidade ibérica, ao contrário
do que aconteceu nos reinados de D. João II, D. Manuel, D. João III” e
posteriormente no período da monarquia-dual, diz Miguel Real, referindo-se “à
espécie de importação dos costumes da corte: escritores como Camões, Gil
Vicente ou Sá de Miranda escreviam em castelhano e português, e existiam
hábitos que eram como que mimetizados da corte” de Castela. Com a Restauração,
“Portugal liberta-se do domínio de Madrid, e o modelo comportamental da corte
passa a ter como referências Paris e a corte de Versailles. Este novo modelo
prolonga-se até ao século XVIII; a construção do Palácio de Queluz, uma pequena
Versailles é apenas um exemplo da mimetização de costumes”.
Certo é que
após a separação das duas coroas ibéricas em 1640, não voltou a haver momentos
de perda iminente da independência a não ser durante as Invasões Francesas, nas
quais as tropas espanholas foram aliadas de Napoleão, chegando a ajudar Junot a
ocupar Portugal entre 1807 e 1808.
QUEM MANDA
MAIS?
Durante o
século XIX, liberais e absolutistas atravessarão várias vezes a fronteira para
ajudar os seus correligionários mas as coisas ficaram-se sempre por aí em
termos militares. O iberismo surge com a monarquia constitucional; Oliveira
Martins e Teófilo Braga advogam este projeto. Anos depois, na I República, o
reino espanhol ajudará, mas não muito, as guerrilhas monárquicas de Paiva
Couceiro.
Na segunda
metade do século XIX, após a revolução de 1868 que expulsou de Espanha a rainha
Isabel II e sua família, e perante a ameaça da proclamação da república, a
coroa de Espanha foi oferecida a D. Luis, rei de Portugal, que a recusa; os
espanhóis tentam encontrar uma nova solução política em Portugal, oferecendo a
coroa ao viúvo da rainha D. Maria II — que entretanto casara em segundas
núpcias com a condessa de Edla. Este não recusa de imediato, e põe duas
condições para aceitar: que as duas coroas nunca pudessem reunir-se numa só
cabeça (evitando assim a repetição do cenário da monarquia-dual), e que a sua
segunda mulher fosse rainha. Como lembra a historiadora Margarida de Magalhães
Ramalho (autora do livro “900 Anos a Irritar os Espanhóis”), uma passagem do
diário de Thomaz Mello Breyner (médico e amigo de D. Carlos), sugere que dificuldades
no reconhecimento da condessa como rainha terão pesado na recusa de D.
Fernando. Por trás do convite estava uma ideia de união ibérica que o próprio
rejeitava.
Em março de
1939 quando os franquistas entraram vitoriosos em Madrid; parte da Falange pediu
a Franco que invadisse Portugal. Seria um exercício de cinismo, porque ao longo
da guerra civil o salazarismo foi retaguarda logística do franquismo. Mas se
nos lembrarmos de que o trabalho feito por Franco para ascender ao generalato
tinha o sugestivo título “Como invadir e ocupar Portugal em 72 horas”, talvez
se perceba a pressa com que Salazar despachou o embaixador Theotónio Pereira
para Madrid e a contenção com que falou na Assembleia Nacional sobre a vitória
franquista: “Ganhámos, eis tudo…”
Começada a
II Guerra Mundial, Portugal foi neutro mas a 11 de novembro de 1940 Espanha
aderia ao Pacto de Aço com Alemanha e Itália. Franco negoceia com Hitler um
ataque a Gibraltar (Operação Felix) e prepara um ataque preventivo, para evitar
um desembarque inglês em Lisboa. Em 2009 o historiador espanhol Manuel Ros
Agudo desenterrou dos arquivos o Plano de Campanha nº 1 (34) que o previa. Os
voluntários da Divisão Azul mandados por Franco para a frente russa ao lado dos
nazis em 1941 saíram de Madrid a cantar: “Só esperamos a ordem/ que nos dê o
nosso general/ para apagar a fronteira/ entre Espanha e Portugal…”
Livres de
Franco e de Salazar os dois países seguiram finalmente os caminhos. “Se os
espanhóis conhecessem de facto a História de Portugal, seriam eles a comemorar
o 1º de Dezembro por se terem visto livres de nós”, diz Pedro Gomes Barbosa.
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