Carnide ganha
sempre o Orçamento Participativo? “Somos bons a mobilizar!”
POR O CORVO
• 5 DEZEMBRO, 2017 •
Já é
difícil não reparar. Todos os anos, a freguesia de Carnide acaba por ver
projectos seus vencerem o Orçamento Participativo (OP) de Lisboa. Se antes
apenas o conseguia com propostas de nível local, nas últimas três edições do OP
viu sempre as suas ideias de investimento em “projectos estruturantes” para a
cidade serem beneficiadas pelo voto popular. Uma hegemonia baseada na
capacidade de motivar o envolvimento da população com as propostas
apresentadas. É isso que explica a hegemonia da freguesia na hora de votar,
assegura Fábio Sousa (PCP), o presidente da Junta. Tanto que existe quem
considere que os princípios base do OP estarão a ser desvirtuados e peça uma
mudança das regras. Enquanto tal não acontece, há já quem peça conselhos a
Carnide sobre como garantir uma proposta vencedora.
Texto: Samuel Alemão Fotografias: Líbia Florentino
Tornou-se uma rotina, nos últimos anos. A cada
cerimónia de anúncio dos vencedores do Orçamento Participativo (OP) de Lisboa,
surge como inevitável o nome de Carnide. Seja nos projectos considerados
estruturantes, no qual podem ser gastos até meio-milhão de euros, ou nos de
âmbito local, com um valor máximo de 150 mil euros, a freguesia tem estado
sempre na lista dos ganhadores, desde 2013. A edição deste ano, cujos
resultados foram divulgados a 28 de novembro, não foi excepção.
Tal como nas duas anteriores, em 2017 voltou a
receber o maior número de votos (5.925) numa proposta apresentada na categoria
principal, a dos projectos estruturantes, através do “Pólo Cultural de
Carnide”. Mas a “Casa das Artes de Carnide” (1954 votos) e o “Parque Infantil
do Bairro da Horta Nova” (3393 votos) foram ideias que também beneficiaram de
simpatia popular, nos projectos locais. “Isto tem muito que ver com a nossa
perspectiva de gestão participada da freguesia”, diz a O Corvo Fábio Sousa
(PCP), presidente da Junta de Freguesia de Carnide, recém-eleito para um
segundo mandato.
Desde que o
autarca assumiu a liderança da única junta da capital detida pelos comunistas,
em Outubro de 2013, a freguesia tem conhecido uma taxa de sucesso invejável na
apresentação de propostas ganhadoras do OP Lisboa. Tanto que nas três últimas
edições (2015, 2016 e 2017) deste programa de democracia participativa –
iniciado em 2008 e através do qual a Câmara Municipal de Lisboa (CML) consigna
2,5 milhões de euros do seu orçamento para ideias votadas pelos cidadãos -,
Carnide teve sempre uma proposta vencedora na categoria de projectos
estruturantes. Em 2015, a “Melhoria da Mobilidade na Avenida Cidade de Praga”
obteve 4221 votos e em 2016 foi a “Missão Pavilhão Carnide” a obter as
preferências de 8666 votos. Às duas, tal como à vencedora deste ano, foi
atribuída uma dotação de meio-milhão de euros dos cofres municipais para serem
concretizadas.
E este sucesso na categoria de projectos
estruturantes, que no máximo distingue duas propostas por ano, pois tem uma
verba global prevista de um milhão de euros, estende-se também à categoria dos
projectos locais – com a qual a CML apoia ainda ideias avaliadas até 150 mil
euros, num total de 1,5 milhões de euros, distribuídos por cinco unidades
territoriais da cidade: Centro, Centro Histórico, Norte, Oriental e Ocidental.
Se este ano foram os já referidos “Casa das
Artes de Carnide” e o “Parque Infantil do Bairro da Horta Nova” a vencer nessa
categoria, em 2016, o projecto “Carnide Acessível Para Todos” também colheu
simpatias, ao receber 6147 votos. Em 2015, “Uma Rua para Todos” teve 3545 votos
e “Carnide Somos Nós!” recebeu 1007 votos. Já em 2014, a “Reabilitação do Largo
do Coreto de Carnide” foi votada 2226 vezes. Em 2013, uma proposta do então
ainda futuro presidente Fábio Sousa, a “Implementação do Parque Infantil na
Quinta das Camareiras”, teve 754 votos.
No conjunto das últimas cinco edições do OP
Lisboa, a freguesia garantiu um total de investimentos na ordem dos 2,2 milhões
euros. Algo que assegurará a satisfação de quem mora em Carnide, como é
compreensível. Mas também deixará um pouco intrigados e até, de certa maneira,
irritados os munícipes das outras 23 freguesias da capital. Há quem comece a
comentar, denotando algum desconforto, a recorrência na vitória de uma só
circunscrição territorial, que até nem é das mais populosas de Lisboa.
Em diversos
fóruns nas redes sociais e em blogues, existe mesmo quem considere que as
regras do Orçamento Participativo estarão a ser desvirtuadas. Conclusão a que
chegam ao observarem o registo histórico recente do OP, que acaba por revelar
desfechos das votações – as quais permitem a cada votante escolher a ideia
preferida em cada uma das duas categorias (“local” e “estruturante”) – muito
pouco equitativos, uma vez que estas premeiam sempre os mesmos.
“Ao contrário do que a Câmara Municipal de
Lisboa diz, isto não é a democracia a funcionar, e os lisboetas a escolherem
melhor o destino das verbas”, criticou, na semana passada, um dos autores do
blogue do grupo cívico Fórum Cidadania Lisboa, propondo então uma alteração da
metodologia da votação: cada lisboeta deveria, por exemplo, escolher as 5 ou 10
ideias preferida, seriando-as pelo grau de importância atribuída. “Os
vencedores seriam bem mais consensuais. Para uma ideia ganhar não bastaria ter
o voto de 200 pessoas organizadas, seria preciso o apoio de uma percentagem
maior dos participantes”, escreve o mesmo autor. O que vai de encontro a uma
alegação já ouvida outras vezes: a de que existe uma espécie de “sindicato de
voto” a favorecer Carnide.
A fama da notável capacidade ganhadora dos
projectos emanados daquela freguesia, quase todos patrocinados pela junta, tem
vindo a crescer. Tanto que existe quem queira copiar o modelo, como seria de
esperar. O Corvo sabe, por exemplo, que uma outra proposta vencedora da
categoria de projectos estruturantes na edição de 2017 – a qual levará à
construção de um monumento com a palavra “Lisboa”, em que cada uma das suas
seis letras representará um objecto considerado icónico da cultura nacional –
recorreu ao aconselhamento de pessoas ligadas aos processos de candidatura
realizados por Carnide. Mas, afinal, que segredo é esse?
“Mobilizamo-nos muito, somos bons nisto! Somos
muito bons, há que assumi-lo. Há freguesias que se distinguem mais por outras
razões, como o desporto, a mobilização sénior ou até as marchas populares. Mas
nós temos esta capacidade de mobilização, faz parte do nosso ADN enquanto
freguesia”, explica Fábio Sousa a O Corvo, confessando compreender a admiração
e mesmo o desconforto que as vitórias sucessivas de Carnide no OP de Lisboa
provocam noutras freguesias.
E o autarca
até reconhece a existência de um certo desequilíbrio no que diz respeito aos
resultados da votação dos projectos de âmbito local, cujas regras impõem a
distribuição de um bolo de 1,5 milhões de euros pelas cinco unidades
territoriais em que a CML divide Lisboa. Carnide faz parte da Unidade
Territorial Norte. “Admito que Benfica e Lumiar tenham razões de queixa”, diz.
Mas o problema, como já se viu, é que a hegemonia estende-se também à categoria
de “projectos estruturantes”, lembra-lhe O Corvo. Ante tal facto, o autarca
concede estarmos perante um caso especial. Algo que, diz, tem muito que ver com
a tal capacidade mobilizadora da junta por si liderada.
Fábio não tem problemas em explicar como
funciona: “Há um conjunto de dinâmicas agregadas a isto. Antes de mais, a nossa
perspectiva de gestão participada leva-nos a ir aos bairros apresentar a nossa
proposta de orçamento geral da junta para cada ano. Aproveitamos esses momentos
para recolher contributos da população sobre o que gostavam também de ver
levado a OP. As pessoas acabam por perceber que estamos ali para as ouvir”,
afirma o edil, salientando que, nessas ocasiões, faz um apelo directo ao voto
nas propostas patrocinadas pela junta. Algo que não será difícil de conseguir,
garante, pois tenta-se o mais possível candidatar ideias que correspondam “ao
que as pessoas realmente querem”.
O trabalho de recolha de opiniões e de
envolvimento da população é, de facto, metódico. Além das referidas sessões
onde existe uma sincronia entre a apresentação do exercício financeiro do ano
seguinte e a discussão das propostas a levar a OP, a junta de freguesia
dinamiza ainda dois tipos de encontros com a população: um conjunto de 14
sessões em cafés da zona, sob o mote “Venha beber um cafezinho connosco”, e os
grupos de discussão comunitária, realizados todas as quartas-feiras à noite. Fábio Sousa salienta também o facto
de, nas escolas básicas da freguesia, a participação cívica e comunitária ser
ensinada às crianças da mesma forma que a reciclagem do lixo. “Sabemos
mobilizar. Somos conhecidos como a freguesia da participação”, assevera.
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