Moradores
de Alfama não perdem vistas com novo condomínio, assegura CML
POR SAMUEL
ALEMÃO • 22 DEZEMBRO, 2017 •
A
construção do condomínio de luxo no Palácio de Santa Helena, em Alfama, não vai
afectar o sistema de vistas do espaço público envolvente, assegura o vereador
do Urbanismo Manuel Salgado. As justificações da Câmara Municipal de Lisboa
(CML) surgem depois do Fórum Cidadania de Lisboa ter apresentado uma queixa
junto da Provedoria de Justiça, na qual questiona as condições em que foi
aprovado aquele projecto com impacto urbanístico relevante. Os críticos da
obra, que tem gerado alguma polémica no bairro, contestam sobretudo essa
alegada a violação do sistema de vistas, o qual está salvaguardado pelo PDM. Um
responsável do Fórum Cidadania de Lisboa diz a O Corvo que Manuel Salgado
exclui, nesta resposta antecipada, os ângulos de visão obtidos a partir do Largo
do Outeirinho e dos miradouros das Portas do Sol e de Santa Luzia. Um dos
vereadores do PCP, Carlos Moura, assegura que “não está a ser feita uma leitura
integral do monumento” e diz: “Isto tem de ser levado a tribunal”.
Texto: Sofia Cristino
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) garante que
a construção de um condomínio de luxo no Palácio de Santa Helena não vai
afectar o sistema de vistas dos moradores de Alfama, negando assim o que os
críticos da obra consideram ser o “ponto fulcral da ilegalidade” da mesma. A
explicação da autarquia chegou no passado dia 15 de dezembro, depois do Fórum
Cidadania Lisboa ter apresentado uma queixa junto da Provedoria de Justiça, na
qual questiona a ilegalidade das condições em que foi aprovado o projecto de
transformação do imóvel. Antes da Provedoria se pronunciar sobre a denúncia,
Manuel Salgado, vereador do Urbanismo, avançou com uma resposta ao Fórum
Cidadania, na qual começa por se mostrar surpreendido por não ter recebido
nenhum pedido de esclarecimento por parte da plataforma cívica.
“Não tendo sido dirigida qualquer petição ou
pedido de esclarecimento à Câmara Municipal de Lisboa, quanto ao assunto em
causa, muito se estranha que, sem sequer existir possibilidade de resposta por
parte desta autarquia, tenha sido solicitada, desde logo, a intervenção da
Provedora de Justiça”, lê-se na resposta do vereador, na qual diz, ainda, ter
sentido necessidade de responder por terem sido levantadas “questões concretas
quanto ao cumprimento das normas aplicáveis pelo projecto de arquitectura”.
Tal com o O Corvo noticiou a 13 de dezembro, o
Fórum Cidadania de Lisboa endereçou um email à Provedora de Justiça, em
novembro, questionando-a por que não foi feita uma discussão pública,
obrigatória por lei em obras de grande impacto, para avaliar a pertinência da
intervenção. Paulo Ferrero, membro fundador do grupo, nessa missiva alegava,
ainda, que a empreitada viola claramente as regras do Plano Director Municipal
(PDM), ao não prever o direito de defesa das vistas dos espaços públicos
envolventes. Segundo o vereador Manuel Salgado, contudo, “não existe qualquer
incumprimento no tocante ao sistema de vista estabelecido pelo PDM considerando
os ângulos de visão dos pontos dominantes definidos no PDM”.
Na resposta agora enviada ao Fórum Cidadania,
Manuel Salgado não nega, ainda, a ilegalidade das construções existentes no
logradouro, explicando, contudo, que estas “não relevaram para a aprovação do
projecto de arquitectura, designadamente no que se refere à admissibilidade das
novas construções”. “Com efeito, o Palácio de Santa Helena é considerado um
edifício especial, sujeito a observar um indicie de permeabilidade de 0.3 nos
termos dos artigos 27 e 54 do PDM, não sendo aplicável uma regra que limite a
ocupação às áreas já impermeabilizadas”, lê-se.
Ouvido novamente por O Corvo, na sequência da
resposta de Salgado, Paulo Ferrero defende que os “ângulos de visão dos pontos
dominantes” aos quais o vereador se refere excluem outros que estão previstos
no PDM e que são “o ponto central da discussão” – como é o caso da vista do rio
e da zona ribeirinha obtida a partir do Largo do Outeirinho e dos miradouros
das Portas do Sol e de Santa Luzia. “Penso que a CML só se está a referir ao
ponto de vista acima do muro, o que não faz sentido”, explica.
Carlos Moura, vereador do PCP, que se tem
debatido contra o avanço da empreitada, juntamente com o colega de partido João
Ferreira, considera a resposta do vereador Manuel Salgado “agreste”. “Não está
a acontecer uma leitura integral do monumento. A construção em altura das
cavalariças, por exemplo, provoca um assombramento comprovado na casa de
habitações vizinhas, durante o Outono e o Inverno”, afirma.
No PDM, pode-se ler que o regulamento
municipal salvaguarda a “valorização de um Sistema de Vistas formado pelas
panorâmicas e pelos enfiamentos de vistas que, a partir dos espaços públicos,
nomeadamente os miradouros, jardins públicos, largos e praças e arruamentos
existentes, proporcionam a fruição das paisagens e ambientes urbanos da cidade
de Lisboa”. As “relações visuais com o rio e o Estuário do Tejo” também estão
previstas neste ponto.
Tal como o Corvo noticiou a 13 de Dezembro, a
Associação do Património e População de Alfama (APPA) e os moradores do bairro
continuam a reunir elementos para travar a obra e avançarem com uma providência
cautelar, anunciada no passado do mês de outubro. Está a circular um
abaixo-assinado, desde o dia 10 de dezembro, entre os moradores do bairro de
Alfama, para a recolha de assinaturas de todos aqueles que se dizem afectados
pela requalificação do imóvel do século XVII.
Mas há quem acredite que a via judicial será
bem mais eficaz. “Impedir o avanço da obra vai ser um processo complicado, mas
acho que vai ser possível. Isto tem de ser levado a tribunal para serem apresentadas
as medições que comprovam a violação do sistema de vistas”, acredita Carlos
Moura.
Paulo Ferrero diz, por seu turno, ter ficado
surpreendido com a resposta do vereador Manuel Salgado. “Enviamos, muitas
vezes, questões ao vereador Manuel Salgado sobre outras obras e não respondeu.
Agora achou que devia responder a algo que nem lhe foi pedido. O vereador tem
de se justificar à provedoria, não é a nós. A provedoria pode emitir
recomendações sobre o que já foi feito e é isso que esperamos que aconteça”,
concluí.
O projecto
desenhado para o edifício do século XVII, que será transformado em 20
apartamentos de luxo, não foi levado a discussão pública. Os moradores têm-se
manifestado insatisfeitos com a obra – a qual consideram ter um impacto urbanístico
relevante, tendo ainda na mesma sido encontrados vestígios históricos do
período islâmico -, por acreditarem que perderão a vista sobre o rio Tejo e
Alfama inteira. Continuam a tentar, por isso, juntamente com a APPA, avançar
com a providência cautelar anunciada em outubro.
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