SINTRA
Estado tenta
demolir palacete ilegal há 15 anos e o caso está longe do fim
A história é
muito antiga, mas continua sem solução. Ex-presidente da Câmara de Sintra
perdeu mais uma batalha pouco antes de morrer, mas o recurso dos herdeiros
ainda não foi decidido.
JOSÉ
ANTÓNIO CEREJO 11 de Dezembro de 2017, 7:58
O ex-autarca
ergueu na Quinta do Pombeiro uma moradia com dimensões muito superiores às
permitidas
O Tribunal
Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF) deitou por terra mais uma tentativa de
um ex-presidente da câmara local, João Justino, para evitar a demolição
parcial, ordenada pelo Ministério do Ambiente há 15 anos, de uma enorme moradia
construída ilegalmente pelo antigo autarca na Serra de Sintra. A sentença
valida a decisão da Câmara de Sintra que indeferiu, em 2010, o pedido do
ex-autarca e empresário, falecido no Verão de 2014, para que a moradia fosse
legalizada e encontra-se em apreciação no Tribunal Central Administrativo Sul
(TCA), na sequência de um recurso dos herdeiros do proprietário.
Embora a
decisão do TAF date já de Março de 2014, a notícia só agora foi conhecida
porque o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), através
da sua mandatária no processo, se opôs em 2012 a que os autos pudessem ser
consultados por jornalistas, apesar de não estarem em segredo de justiça. O TCA
não reconheceu agora o argumento do ICNF de que o processo não se revestia de
interesse público e autorizou a consulta.
A decisão
do TCA, onde o recurso dos herdeiros se encontra pendente desde Fevereiro do
ano passado, não colocará, porém, um ponto final neste litígio que se arrasta
há 21 anos. Com efeito, foi em 1996, quatro anos depois de Justino ter deixado
a Câmara de Sintra, para a qual foi eleito em 1989 nas listas do PSD, que o
então Instituto Português do Património Cultural inviabilizou a primeira
tentativa do ex-autarca erguer na Quinta do Pombeiro, junto à estrada que liga
Colares à aldeia do Penedo, uma moradia com dimensões muito superiores às
permitidas pelos regulamentos em vigor.
Sem prazo
para ser proferida, a decisão do TCA, caso confirme a sentença do TAF, poderá
dar origem a novas reclamações e recursos dos actuais proprietários,
designadamente para o Supremo Tribunal Administrativo e mesmo para o Tribunal
Constitucional.
Mas quando
este processo ficar encerrado, com o trânsito em julgado da decisão final, o
desfecho do caso poderá ter de esperar ainda muitos anos. Isto porque, só após
o trânsito em julgado dessa decisão é que o TAF de Sintra se pronunciará, em
primeira instância, sobre o processo que ditará o destino do casarão de
Colares.
Trata-se de
um processo que data de 2007 e no qual João Justino reclama a anulação do
último despacho governamental, de 2006, que ordena a demolição da moradia. Este
processo estava quase concluído no início de 2014, mas o tribunal resolveu, com
o acordo das partes, não proferir a sentença até que a justiça determine, em
definitivo, se as obras feitas ilegalmente podem ou não ser legalizadas pela
autarquia.
E ainda que
a sentença do TAF surja pouco tempo depois do trânsito em julgado do processo
que se encontra no TCA, o diferendo poderá ter ainda longa vida. Isto porque
desta nova sentença, sobre a validade do despacho que ordena a demolição,
poderão ser interpostos sucessivas reclamações e recursos.
Já lá vão
25 anos
O princípio
desta longa história já foi contado muitas vezes, mas vale a pena recordá-lo.
Datam de 1992, meses depois de ser destituído das funções de presidente da
Câmara de Sintra pelo Supremo Tribunal Administrativo, as primeiras diligências
do comendador João Justino para obter a licença de construção de uma moradia
com uma área total de 890 m2, que pretendia erguer na Quinta do Pombeiro.
Depois de
ver rejeitada essa pretensão em 1996, o ex-autarca avançou com um novo projecto
de dimensões mais modestas (578 m2), o qual acabou por ser aceite pelo IPPAR e
pelo Parque Natural de Sintra-Cascais (PNSC) e licenciado pela autarquia em
2000.
Dois anos
depois, a Câmara de Sintra embargou as obras em curso por não respeitarem o
projecto aprovado. Ainda em 2002, o secretário de Estado do Ordenamento do
Território determinou a demolição do palacete cuja área quase que triplicava a
que tinha sido licenciada. Sem nunca acatar os embargos das entidades
competentes, o proprietário submeteu à autarquia, nesse mesmo ano, um projecto
de alterações com vista a legalizar as obras ilegais efectuadas e terminadas em
2003.
Paralelamente
intensificou a batalha judicial iniciada anos antes, devido à execução de
outras obras ilegais na mesma propriedade, impugnando todas as decisões que
punham em causa o seu objectivo. Embora perdesse a maior parte desses
processos, conseguiu, pelo menos, ganhar tempo.
Dez anos
depois do pedido de legalização da moradia ser apresentado e quatro anos depois
de o PNSC ter emitido um parecer desfavorável e vinculativo acerca do mesmo, a
Câmara de Sintra acabou por indeferi-lo, já em 2010. Inconformado, João Justino
desencadeou no TAF de Sintra mais uma acção judicial, desta vez com vista à
anulação da decisão camarária. Foi esse indeferimento camarário que o tribunal
confirmou em 2014, levando os actuais proprietários a recorrer para o TCA.
Pelo meio,
o ministro do Ambiente proferiu em 2006 uma nova ordem de demolição que sanava
alguns erros processuais detectados no despacho emitido quatro anos antes com o
mesmo objectivo. Mais uma vez, o ex-autarca optou por não respeitar a decisão
governamental, impugnando-a junto do TAF de Sintra, onde os autos aguardam pelo
trânsito em julgado do processo que se encontra no TCA.
Os
argumentos das partes
Na sentença
do TAF de 2014, que foi depois confirmada por acórdão de um colectivo de juízes
do mesmo tribunal, na sequência de uma reclamação dos proprietários, o tribunal
conclui o seguinte: “A construção pelo autor de quatro pisos, prefazendo três
desses quatro pisos uma área total de construção de 1407 m2 (…) não pode ser
legalizada por clara violação do Regulamento do Plano de Ordenamento do PNSC”,
nos termos do qual “só era permitido construir um máximo de dois pisos acima do
solo e uma área total de construção não superior a 500 m2”. O volume de
construção licenciado, sublinha também o tribunal, era de 1502 m2 “e passou sem
licença para 4.222”.
No recurso
que interpuseram para o TCA, os proprietários advogam a existência de
inconstitucionalidades na decisão da primeira instância e alegam que a mesma
viola “o conteúdo essencial do direito de propriedade privada dos recorrentes,
sem que tal restrição tenha subjacente a salvaguarda de outro direito ou
princípio constitucional”. Por outro lado, sustentam que “as alterações
realizadas na obra pelos recorrentes em nada afectam o equilíbrio dos sistemas
ecológicos e biofísicos em presença naquela área, nem colidem com os objectivos
de manutenção e valorização das características excepcionais do local”.
A Câmara de
Sintra, por seu lado, resume assim a sua posição nas contra-alegações entregues
em Outubro de 2015: “Torna-se óbvio que o intuito dos recorrentes é apenas o de
atrasar a decisão final do processo, conseguindo assim prolongar a utilização
de uma construção ilegal e insusceptível de legalização.”
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