segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Roubos a turistas (e não só) são cada vez mais frequentes no Castelo e em Alfama

 Imagens de OVOODOCORVO

 “Nas zonas do Castelo de São Jorge e de Alfama, ouvem-se com cada vez maior insistência queixas sobre o crescimento dos roubos, praticados sobretudos por indivíduos ou grupos provenientes do leste europeu.”
É impossível publicar esta notícia sem a contextualizar de forma associativa a outra publicada no DN a 15 de Deazembro de 2017:
SEF arquivou auditoria que detetou indícios de vistos ilegais e corrupção
15 DE DEZEMBRO DE 2017
Valentina Marcelino
(…) “A auditoria, ordenada pela anterior diretora, Luísa Maia Gonçalves (que se demitiu em conflito com a ex-ministra Constança Urbano de Sousa), contou com uma equipa especial de investigação e reuniu informação que encheu um total de 15 volumes, entre a qual se incluem diversas provas documentais sobre as ilegalidades.
Em causa estão milhares de vistos de residência passados, principalmente em 2015, ao abrigo do artigo 88 que, na altura, permitia, a título excecional, conceder estas autorizações a estrangeiros que demonstrassem ter uma ligação laboral no nosso país há mais de um ano, e provassem ter entrado legalmente em território nacional. Alegadamente por acordo entre os responsáveis do SEF e algumas associações de imigrantes, que criticavam a excessiva burocracia e a dificuldade de muitos imigrantes, já a trabalhar em Portugal, em conseguir a prova de entrada legal, este requisito foi suspenso. Nesse ano, os pedidos de visto, com base nesta exceção mais que duplicaram (de 5800 em 2014 para 12 200 em 2015), com um crescimento "substancial", admitiu o SEF, das "nacionalidades hindustânicas" , registando um "efeito de chamada" de imigrantes "em situação irregular" noutros países.
Quando tomou posse, no início de 2016, Luísa Maia Gonçalves foi confrontada com a avalanche de pedidos e em março assinou um despacho a revogar todas as orientações à margem da lei, embora com uma análise caso a caso para casos humanitários, que foram legalizados. "O que se tornou mais difícil foi a regularização de cidadãos que vivem ilegalmente noutros países e que eram trazidos para Portugal por redes criminosas só para obterem a autorização de residência, sendo explorado por estas redes na angariação de mão-de-obra ilegal e tráfico de seres humanos em situação de quase escravatura", justificou o SEF.”





Roubos a turistas (e não só) são cada vez mais frequentes no Castelo e em Alfama
POR SAMUEL ALEMÃO • 18 DEZEMBRO, 2017

A existência de carteiristas sempre foi uma realidade nas zonas mais turísticas e centrais da cidade. O aumento exponencial do número de visitantes da capital portuguesa, nos últimos anos, tornou, porém, mais apetecível a actividade dos respigadores de bens alheios. Nas zonas do Castelo de São Jorge e de Alfama, ouvem-se com cada vez maior insistência queixas sobre o crescimento dos roubos, praticados sobretudos por indivíduos ou grupos provenientes do leste europeu. De mapa da cidade em punho, muitos fazem-se passar por turistas e demonstram especial agilidade a subtraírem o que não lhes pertence. São muitos os relatos sobre o fenómeno. Até o presidente da junta já apanhou um indivíduo com a mão dentro da mochila de um turista japonês. “Fazem isto com uma limpeza e os turistas não se apercebem de nada”, diz a dona de uma loja de recordações, junto ao Miradouro de Santa Luzia, de onde observa muitos dos furtos.

 Texto: Samuel Alemão

 Um vulto sobre o ombro, enquanto se preparava para entrar no Elevador do Castelo, junto à Rua da Madalena, e descer até à Rua dos Fanqueiros, fez Inês Bernardes perder, por momentos, a concentração na conversa telefónica com o pai. “Notei alguém a rondar, mas não liguei muito. Há sempre gente a chegar para entrar”, rememora a funcionária de 24 anos de um posto de informação turística privado, situado mesmo junto ao Castelo de São Jorge. Há cerca de duas semanas, quando voltava de mais uma jornada de trabalho, ao início da noite de uma segunda-feira, tentaram assaltá-la. “Estava quase a entrar no elevador e percebi que um indivíduo tinha mexido na minha mala. Por sorte, como a carteira é grande, senti qualquer coisa e reagi de pronto”, conta. Assustado com a reacção de Inês, o homem fugiu sem concretizar o seu intento. Com desfechos parecidos ou distintos, relatos como este multiplicam-se por estes dias no Castelo e em Alfama.

 Visitantes, mas também residentes e trabalhadores naqueles dois barros de grande afluência turística, têm vindo a sentir-se acossados, nos últimos meses, por um fenómeno que não é novo, mas se tem intensificado. Indivíduos, agindo sozinhos ou em pequenos grupos, tentam furtar quem se lhes assemelha como um alvo apetecível. O acumular de relatos sobre situações destas moldou um quadro que oscila entre a apreensão e a resignação. “Carteiristas? Isso é o que mais aí há, cada vez mais”, diz a O Corvo um merceeiro que explora um estabelecimento junto ao Miradouro de Santa Luzia. “Fazem isto com uma limpeza e os turistas não se apercebem de nada. Ou, quando reparam, já é tarde de mais. Alguns entram aqui já com a mochila aberta e ficam a perceber o que lhes aconteceu”, relata Paula, numa loja de recordações turísticas situada ao lado.

 Há quem prefira não falar do assunto ou o desvalorize, porque “isso acontece há anos”. Mas mesmo essa sensação de uma certa normalização do fenómeno dos furtos a turistas, sobretudo, tem dado que falar nas redondezas e está a preocupar parte de uma comunidade onde a receita deixada pelos visitantes é tudo menos menosprezável. “Temos reiteradamente transmitido essa preocupação às autoridades policiais. Mas é importante referir, e mesmo sublinhar, que isto acontece no âmbito de um fenómeno internacional. Não é apenas aqui. Estamos a falar, na sua maior parte, de grupos organizados de cidadãos estrangeiros que se dedicam a essas actividades”, explica a O Corvo o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), alertando para a necessidade de uma abordagem cautelosa do fenómeno para que não se crie uma “falsa percepção de insegurança”.

 O autarca admite, contudo, a persistência dos assaltos e considera que “é precisa uma intervenção mais eficaz por parte da polícia”. Até porque uma das zonas mais sensíveis é, precisamente, a da passagem pedonal entre a Rua da Madalena e o acesso superior ao Elevador do Castelo, ao lado da qual se situa a sede da junta de freguesia. O mesmo sítio onde Inês Bernardes ia sendo assaltada. “Eu mesmo já agarrei um sujeito com a mão dentro da mochila de um turista japonês”, relata Miguel Coelho. O expediente é, aliás, bem conhecido. Quase sempre, um ou dois indivíduos fazem-se passar por turistas, envergando um mapa de Lisboa e fingindo estar em busca de alguma referência, e aproveitam para se aproximar dos genuínos visitantes, abrindo-lhes a mochila. “Isso acontece mais com os turistas, alguns deles mais idosos. Mas não de agora, é algo que vem acontecendo nos últimos dois ou três anos”, conta José Guedes, 56 anos, residente no Largo do Contador Mor desde 1975.

 “Quando há muitos turistas, eles vêm mais para aqui. Fazem-se passar por outros. Muitas vezes, são dois casais e um matulão a vigiar”, conta Rogério Amado, empregado do café Muralha de São Jorge, onde está há anos suficientes para perceber como operam ali os respigadores de bens alheios. De trás do balcão, tem vista privilegiada sobre parte da fila de espera para a entrada no Castelo. “Aqui dentro, não fazem nada, que a gente já os topa. Mas, olhando lá para fora, apercebemo-nos das coisas. E, quando aqui não está a dar, eles vão mais ali para a zona do elevador do Pingo Doce”, diz, referindo-se ao segundo dos elevadores que asseguram um mais rápido acesso ao muito procurado monumento nacional. Instalado no antigo Mercado do Chão do Loureiro, e fazendo a ligação entre o Largo do Chão do Loureiro e a Rua da Costa do Castelo, é um dos “pontos negros”.

 Um cidadão holandês, residente na Rua da Costa do Castelo, foi assaltado e agredido, há três semanas, junto à sua casa, tendo-lhe sido roubado o telemóvel. “Era de noite e dois tipos apareceram de repente no escuro, pois esta zona não é muito bem iluminada, e encostaram-me à parede. Disseram-me para lhes dar o telemóvel e a carteira, mas, como resisti, começaram-me a puxar pelo casaco e a bater”, conta Thomas (nome fictício), 26 anos, a O Corvo. “Comecei a gritar o mais alto que pude, para alertar a vizinhança, mas eles conseguiram fugir, com o meu telemóvel”, explica o residente, salientando que, para além disso, ficou com uma pequena lesão no ouvido, onde foi atingido por um murro, e uma escoriação no nariz. “Os vizinhos dizem-me que, nos últimos três meses, se tem registado alguns incidentes do género”, diz, lamentando que a polícia tenha demorado um hora a chegar. “Tiveram de vir a pé porque, explicaram, não tinham nenhum carro disponível”.

Outro dos sítios onde se têm verificado muitos furtos é o já referido Miradouro de Santa Luzia, bem como o seu vizinho Miradouro das Portas do Sol, pontos de enorme afluência turística. O Corvo pôde testemunhá-lo no momento em que ali esteve, durante a hora de almoço de um dia a meio da semana, quando se deparou com um casal de reformados espanhóis a quem tinham acabado de lhes roubar um telemóvel. “Meteram a mão no bolso do casaco e tiraram-me o telefone. Só me apercebi pouco depois”, lamentava a mulher, que, juntamente com o marido, e acompanhada por uma agente da PSP, se deslocava para a esquadra policial mais próxima, situada na Baixa. A agente confirmou que situações destas são cada vez mais comuns. Paula, a dona da tal loja de recordações, diz ser frequente haver carteiras dentro das papeleiras e caixotes do lixo, para os quais são atiradas após lhes ser retirado o dinheiro.

Existe, porém, quem desvalorize o suposto quadro de insegurança. É o caso de Hermínio Sousa, dono da mercearia Estrela do Castelo, situada no Beco do Recolhimento. “Não sinto que haja nada de especial. É claro que existe sempre um ou outro carteirista, mas não mais do que havia já”, diz, enquanto vai atendendo clientela. Entre ela conta-se um polícia que costuma estar de serviço junto à entra principal do monumento. “Aqui para dentro do arco, não há carteiristas, que eu não deixo. Apanho-os logo. Agora, ali para baixo, já não sei”, diz, sugerindo que os problemas podem até existir na Rua do Chão da Feira, sem que ele tenha capacidade de resposta. Os turistas que aí se concentram, em romaria para o castelo, têm sido alvo de muitas investidas.


 O Corvo contactou a Polícia de Segurança Pública (PSP), a 11 de dezembro, questionando o gabinete de relações públicas sobre a ocorrência de tal fenómeno, naquela zona da cidade, e sobre as medidas que a PSP terá entretanto desenvolvido para o enfrentar. Até ao momento da publicação desta reportagem, porém, não foi recebida resposta.

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