As péssimas
explicações de Miguel Frasquilho
Frasquilho
não pode safar-se assim. Ou se explica muito melhor, ou passa a merecer que o
classifiquemos como mais um ex-assalariado de Ricardo Salgado tristemente
amnésico.
João Miguel Tavares
26 de Dezembro de 2017, 6:19
Nada faria
mais pela higiene do regime do que o conhecimento de cada um dos beneficiários
da Espírito Santo Enterprises. Em tempos, o Expresso levantou a hipótese de
haver uma lista de jornalistas avençados, que nunca apareceu. Mas, pelo que se
vai sabendo da actividade do BES, listas não devem faltar, e tudo indica que
não se resumam a jornalistas. Na sua última edição, o Expresso adiantava mais
um nome que recebeu transferências do famoso e omnipresente saco azul do BES:
Miguel Frasquilho. Recorde-se que Frasquilho era director de uma empresa do
grupo Espírito Santo (a Espírito Santo Research) ao mesmo tempo que se mantinha
como deputado e vice-presidente da bancada do PSD – nada de ilegal, a
legislação portuguesa permitia. Só que, em paralelo ao seu ordenado oficial,
usufruiu de algumas transferências oficiosas via ES Enterprises – o que já é
duvidoso que a legislação portuguesa permitisse, até por ser pouco provável que
esse dinheiro tenha sido declarado ao fisco.
Essas
transferências foram o motivo da notícia do Expresso, em relação às quais
Miguel Frasquilho apresentou péssimas explicações. Digamos que na escala de 0 a
100 da implausibilidade, em que no 100 se encontra a justificação “Carlos
Santos Silva é apenas um amigo de infância”, as justificações de Miguel
Frasquilho ficam ali nos 90. São muito implausíveis, mesmo. O valor total das
transferências em causa – seis, entre 2009 e 2011 – somou 54 mil euros, o que é
naturalmente uma gota de água no mar do saco azul. Mas Frasquilho admite não só
ter recebido esse dinheiro, como esta estranhíssima particularidade: as
transferências não foram feitas para contas suas, mas para contas de familiares
próximos. Justificação de Miguel Frasquilho: “tinha dívidas a saldar com os
meus familiares directos referidos”. Donde, em vez de resolver o problema
directamente com eles, pediu à sua “entidade patronal” para transferir o
dinheiro para as contas de pais e irmão.
Faz
sentido? Nem por isso. Se eu devo dinheiro a um irmão ou a uma mãe vou pedir ao
meu patrão que seja ele a saldar a dívida? É óbvio que não. Seria absurdo andar
a partilhar com o DDT aspectos da minha vida financeira privada apenas para
evitar o espectacular trabalho de fazer uma transferência a partir de uma
conta-ordenado. E existe ainda este problema acrescido: a Espírito Santo
Enterprises não só era uma offshore, como não fazia sequer parte da estrutura
do grupo BES. Ou seja, a “entidade patronal” de Frasquilho não pagou coisa
alguma aos seus familiares. Quem pagou foi uma empresa oculta que andou a
distribuir dinheiro por Zeinal Bava, Henrique Granadeiro ou Hélder Bataglia, em
processos de muito duvidosa legalidade, como todos sabemos.
Como se
isto não fosse já suficiente, a notícia do Expresso não explica, por um lado, a
que se devem tais pagamentos (ou seja, o que fez o actual chairman da TAP de
tão relevante para merecer um complemento de ordenado), e Miguel Frasquilho não
explica, por outro, que tipo de dívidas tinha para com irmão, pai e mãe. O que
ele faz é manter-se num regime de explicações mínimas e de invocação de
ignorância (nunca tinha ouvida falar na ES Enterprises; não faz ideia se o BES
declarou os referidos rendimentos ao fisco, e por aí fora) que nós tão bem
conhecemos de outros lugares. Frasquilho não pode safar-se assim. Ou se explica
muito melhor, ou passa a merecer que o classifiquemos como mais um
ex-assalariado de Ricardo Salgado tristemente amnésico.
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