Quatro
perguntas (mais uma) sobre a Santa Casa e o Montepio
Joaquim
Miranda Sarmento
A entrada
da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no Montepio revela a falta de
'accountability' em Portugal. E justifica quatro perguntas, mais uma, sobre
este negócio.
A entrada
da Santa Casa no Montepio tem gerado bastante polémica e discussão (muito do
que podia ser dito foi o aqui pelo António Costa). Na realidade, entendo que a
decisão foi tomada a nível político, por razões que nada têm a ver com a defesa
do interesse comum ou da instituição “Santa Casa”. Mas infelizmente, mais uma
vez, em Portugal tomam-se decisões sem promover um debate sério e informado,
sem que o governo disponibilize a informação necessária. Mais uma vez, Portugal
tem um baixo nível de accountability nas decisões públicas. Trata-se de um jogo
de sombras entre a Santa Casa, o Montepio, a Associação Mutualista e o Governo.
Assim,
creio que para avaliar a entrada da Santa Casa no Montepio devemos seguir um
curso de quatro perguntas (mais uma):
A primeira
pergunta é se 10% do Montepio valem 200 M€? Ou seja, se o valor do Montepio é
de dois mil M€? E note-se que com 10% a Santa Casa não adquire o controlo da
instituição (pelo contrário, esse controlo permanece na Associação Mutualista),
pelo que nem sequer se pode falar de um prémio pelo controlo, que faria o preço
do Montepio subir.
Olhando ao
relatório de 2016 do Montepio, vemos que o capital do banco ronda os 1.4 mil
M€, sendo que os rácios Tier1 são de 8.8% e 6.6%. A margem financeira foi de
250 M€ (o que coloca a avaliação do banco num múltiplo de 8). O resultado
líquido foi negativo em 85 M€. Os resultados operacionais antes de imparidades
foi de 90 M€ (o que coloca a avaliação num múltiplo de 22).
Quando
olhamos ao BPI, vemos que o banco valia em bolsa, a 31-12-2016 (para ser
comparável), cerca de 1.7 mil M€. Ou seja, o Montepio “valerá” mais que o BPI,
apesar de o BPI ter cerca de três vezes a quota de mercado do Montepio. Sendo
que o BPI em 2016 apresentou um lucro de 300 M€ (enquanto que o Montepio como
vimos apresentou um prejuízo de 85 M€). Os capitais próprios do BPI valiam
cerca de 3 mil M€. A margem financeira do BPI foi de 410 M€ (ou seja, uma
avaliação de múltiplos de 4, contra a avaliação de múltiplos de 8 do Montepio).
Os resultados operacionais antes de imparidades foram de 220 M€ (uma avaliação
de múltiplos de 8, contra uma avaliação de múltiplos de 22 do Montepio).
Já o
Millennium BCP valia em bolsa a 31-12-2016 cerca de 2.8 mil M€ (um banco que é
4x maior que o Montepio): O BCP apresentou lucros de 150 M€ e os seus capitais
próprios valiam 5.3 mil M€. A margem financeira do BCP foi de 1.3 mil M€ (uma
avaliação de múltiplos de 2.2, que compara com os 8 do Montepio) e os
resultados operacionais antes de imparidades foram de 1.2 (uma avaliação de
múltiplos de 2.2, que compara com os 22 do Montepio).
Ora,
parece-me evidente (sem mencionar todas as notícias nos últimos anos que
refletem problemas graves no Montepio), que o banco não vale 2 mil M€.
A segunda
pergunta é se a entrada da Santa Casa no Montepio faz sentido?
Têm-se
agora falado da necessidade de um banco social e houve até quem avançasse com
as boas experiencias a nível Europeu. Parece-me uma desculpa de “ultima hora”,
procurando justificar um negócio que não se enquadra na atividade da Santa Casa
e que não estava no plano estratégico aprovado há pouco mais de um ano. Além
que reforço que a Santa Casa não vai ter o controlo do Montepio, mantendo-se
este no domínio da Associação Mutualista. Além de que a Santa Casa não tem
experiencia de gestão bancária e a única vez que teve um banco correu mal (a
Caixa Económica Açoriana, que foi à falência).
Podemos
pois concluir que comprar 10% do Montepio não faz parte da estratégia da Santa
Casa. E nem é preciso ver atas para perceber que foi uma decisão do governo
(mas já lá iremos).
Assim,
temos a terceira pergunta: Mas o investimento, do ponto de vista financeiro, é
equilibrado e racional?
Apesar de o
valor estar empolado, dado que o Montepio não vale dois mil M€, há que
considerar outro aspeto, que é o balanço da Santa Casa. Em 2016, a Santa Casa
tinha um ativo de 750 M€. Ou seja, o investimento no Montepio representa cerca
de 25% do ativo total da instituição. Mas mais grave é que desses 750 M€ de
ativos, a parte de investimentos financeiros representa cerca de 200 M€. Ou
seja, a Santa Casa prepara-se para colocar todo o dinheiro que tem numa única
aplicação financeira. Isto não vos recorda nada? A mim faz-me lembrar a PT e a
aplicação em papel comercial na Rioforte. Isto é um disparate e viola os
princípios básicos de gestão de portfolio que se aprende nas primeiras aulas de
Finanças. Além disso, os 200 M€ representam um ano inteiro de receita dos jogos
que a Santa Casa recebe.
Concluímos
assim que não faz sentido este investimento, nem pelo preço, nem pela gestão de
portfolio da Santa Casa.
A quarta
pergunta é se a Santa Casa está preparada para ser um acionista de longo prazo
no Montepio?
Não falo
apenas das competências de gestão, mas sobretudo de futuros reforços de
capital. Sejamos claros, da forma como a supervisão bancária foi construída nos
últimos anos, é provável que nos próximos anos os bancos Portugueses venham a
precisar de mais capital. Se assim for, está a Santa Casa disponível para continuar
a investir no Montepio, mesmo sem retornos? Ou verá a sua posição diluir-se e
tornar-se irrelevante?
A quinta
(disse que eram quatro mais uma) pergunta é a mais relevante de todas: a quem
serve esta entrada da Santa Casa no Montepio?
É um aumento
de capital do banco? Se sim, qual a razão, dado que os rácios do banco estão
acima do exigido? Há problemas no banco ainda por reconhecer e é usada a Santa
Casa para “limpar” esses problemas? Ou é para o Montepio “investir” e mais
tarde reconhecer imparidades?
Ou, e aqui
chegamos ao ponto crítico, a Santa Casa vai comprar 10% do Montepio à
Associação Mutualista e isto tudo é para resolver problemas na Associação
Mutualista? A Associação Mutualista continua a ser um segredo que ninguém sabe
muito bem o que se passa. Mas temos a noção que tem 600 mil aforradores e que
vive numa situação financeira muito difícil.
Em 2014 a
Associação tinha 600 M€ de capitais próprios. Em 2016 tinha 180 M€. As receitas
baixaram de mil M€ em 2014 para 500 M€ em 2016. O grau de cobertura das
responsabilidades era em 2016 de 100% (um valor muito baixo). Só nos últimos 2
anos a Associação perdeu cerca de mil M€ em aplicações financeiras.
Em síntese,
um péssimo negócio para a Santa Casa: um preço elevado, uma decisão contra a
estratégia da instituição, uma gestão de portfolio errada e futuras
necessidades de mais capital. A somar a isso, uma decisão coberta por uma
nublosa, sem informação pública. E que visa pura e simplesmente não deixar a
Associação Mutualista “estoirar” em 2018.
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