ASSEMBLEIA
DA REPÚBLICA
O Natal dos
partidos políticos (é à grande)
Alexandre
Homem Cristo
25/12/2017,
0:031.333
Os partidos
(PS, PSD, PCP, BE, PEV) legislaram em benefício próprio, amealhando milhões de
euros à conta do Estado. E, para fugir ao escrutínio público, fizeram-no da
forma mais opaca possível.
Há uma
fórmula infalível para, no Natal, se receber como prenda o que mais se deseja:
ser o próprio a escolher o que os outros lhe oferecem. No final da semana
passada, os partidos políticos com representação na Assembleia da República
decidiram seguir a regra. E o que é que meteram no seu próprio sapatinho? Uns milhões
de euros, à conta do Estado – isto é, de nós.
Na passada
quinta-feira, em plenário, os partidos discutiram e votaram um conjunto de
alterações legislativas que, primeiro, acaba com o limite para os fundos
angariados por partidos e que, segundo, permite aos partidos receberem o IVA de
volta. Traduzindo. Os partidos estavam limitados a angariar por ano um máximo
de 632 mil euros, não podendo receber doações ou verbas de origens privadas que
totalizassem um valor superior. Ora, agora esse limite deixou de existir –
podem receber todo o dinheiro que conseguirem angariar. Mais: até agora, a
isenção do IVA aplicou-se a bens e serviços directamente ligados à sua
actividade política, mas, por decisão dos partidos em causa própria, a isenção
passará a aplicar-se sobre todos os bens e serviços adquiridos. Basicamente, os
partidos deixarão de pagar IVA. Sempre.
O impacto
financeiro desta decisão é tremendo e de grande benefício para os partidos.
Veja-se, a título de exemplo, os casos mais flagrantes. De um lado, o PCP há
anos e anos que apresenta a Festa do Avante!, que é um festival de Verão, como
um evento de divulgação política, de modo a fugir aos impostos. A partir de
agora, já não vai ser preciso fingir: todos os habituais custos com o IVA na
contratação de serviços de restauração e artistas (entre outros) ficam no bolso
dos comunistas, às claras. Do outro lado, o PS está falido e endividado (deve
cerca de 20 milhões de euros), e tem inúmeros casos em tribunal para a
devolução do IVA. Ora, com estas alterações políticas, o problema do IVA no PS
desaparece daqui para a frente: a isenção será total e, imagine-se, até se
aplicará aos processos pendentes a aguardar julgamento – ou seja, com as
alterações legislativas introduzidas, o PS poderá solicitar a devolução do IVA
de pagamentos feitos no passado (antes de a nova lei entrar em vigor) e cuja
contestação ficou pendente nos tribunais. O golpe é extraordinário.
Não vale a
pena disfarçar: os partidos (PS, PSD, PCP, BE, PEV) legislaram em benefício
próprio, amealhando milhões de euros à conta do Estado. E, para fugir ao
escrutínio público, fizeram-no da forma mais opaca possível. O processo
legislativo correu num grupo de trabalho que, por várias vezes, reuniu à porta
fechada – algo excepcional no funcionamento da Assembleia da República. O
agendamento da discussão/votação do projecto de lei foi feito em cima da hora,
para não chamar à atenção e forçando até a retirada de outras iniciativas
legislativas previamente agendadas. E, na exposição de motivos do projecto de
lei apresentado à votação, não consta uma única referência às alterações que
beneficiam os partidos – apenas se refere o reforço dos poderes da Entidade das
Contas, dando a entender que o objectivo era somente esse. Só que, lá está, não
foi bem assim. Nas palavras da ex-Presidente da Entidade das Contas (em
declarações ao Expresso), “os partidos resolveram uns aos outros os problemas
de cada um”, alterando leis orgânicas do Tribunal Constitucional, da Entidade
das Contas, do financiamento político e dos partidos políticos. Mais
claro era impossível.
Tudo isto
foi premeditado. No conteúdo: a partir desta alteração legislativa, os partidos
vão receber mais dinheiro, ficar isentos de impostos e resolver situações ainda
a aguardar julgamento – tudo no valor de milhões de euros. E na sua
calendarização: a alteração surge de surpresa, sem forma de escrutínio público,
e no período natalício (quando as atenções estão dispersas). Ou seja, tudo
neste processo está errado – o legislar em causa própria, o segredismo, as
tentativas de passar com o assunto despercebido. E o mais grave é que
funcionou: arrepia o sucesso dos partidos em conseguir que o assunto passasse
mesmo despercebido, quando há aqui matéria para legitimar indignação popular.
É, portanto, uma vergonha colectiva: uma Assembleia da República que faz isto
em completa impunidade só é possível perante uma sociedade entorpecida e pouco
exigente. Merecem-se uma à outra.
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