Freguesias de
Lisboa em dificuldades para lidar com tanto lixo feito por visitantes
POR SAMUEL
ALEMÃO • 11 DEZEMBRO, 2017 •
Há mais
lixo nas ruas de Lisboa, muito por culpa do aumento de visitantes e da
proliferação de espaços de diversão nocturna e restauração, dizem alguns
autarcas. Na freguesia da Misericórdia, a quantidade de resíduos produzidos
passou para o dobro em apenas dois anos. Está em causa a salubridade pública,
diz a presidente da junta que administra áreas como o Bairro Alto, a Bica e o
Cais do Sodré. Na freguesia de Santo António, há cinco vezes mais lixo que há
quatro anos. O presidente da junta diz que está a trabalhar para dez vezes mais
habitantes do que os 12 mil que tem. Propõe, por isso, a criação de um
regulamento para os hotéis serem cuidadores do espaço público onde operam. A
Câmara de Lisboa estuda medidas para melhorar a limpeza da capital, tendo já
definido que parte das verbas do fundo turístico serão para a higiene urbana.
Texto: Sofia Cristino
A população de Lisboa está a diminuir, mas a
quantidade de lixo produzida na capital portuguesa continua a aumentar.
Diariamente, segundo dados da Câmara Municipal de Lisboa (CML), divulgados na
sessão de apresentação do Conselho Consultivo para Redução de Resíduos, são
produzidas 800 toneladas de resíduos em Lisboa, sendo cada residente
responsável por gerar cerca de 540 quilos de lixo por ano. Números que, para o
presidente da Junta de Freguesia de Santo António, Vasco Morgado (PSD),
constituem um dos maiores transtornos da freguesia a seu cargo.
“Um dos grandes problemas da nossa freguesia é
que temos 12 mil habitantes, mas trabalhamos para 100 mil, o fluxo de pessoas
que passa aqui. Temos cinco vezes mais lixo que há quatro anos. Além do lixo
proveniente dos hotéis, temos novos residentes que têm o hábito de não o
colocar nos contentores e deixá-lo na rua”, afirma, em declarações a O Corvo.
A presidente da Junta de Freguesia da
Misericórdia, Carla Madeira (PS), também considera que o aumento da quantidade
de lixo urbano produzido está relacionado com o aumento do fluxo populacional
que tem vindo a acontecer na maior cidade do país. “Neste momento, estamos a
produzir cerca de 32 toneladas de lixo por dia, sendo que, apenas há dois anos,
este número era cerca de metade do actual. Esta enorme produção deve-se,
sobretudo, ao aumento massivo do turismo na zona que abrange o nosso território
e à proliferação de estabelecimentos de diversão nocturna e restauração”, diz,
em depoimento escrito a O Corvo.
“Esta situação torna-se ainda pior devido ao
não cumprimento das regras de deposição de lixo indicadas pela Câmara de
Lisboa. Infelizmente, muitos moradores, turistas e comerciantes não respeitam
estas indicações formando, assim, ao longo do dia, grandes montureiras de lixo,
que colocam em causa a salubridade pública”, explica, ainda, a responsável por
uma das freguesias da cidade de Lisboa que produz mais resíduos, sobretudo no
Bairro Alto e no Cais do Sodré.
Vasco Morgado acrescenta, também, que o
orçamento disponibilizado para os órgãos de poder local não é suficiente para
garantir a lavagem e varredura das ruas, competências das juntas de freguesia.
“A Junta de Freguesia de Santo António tem um milhão de euros para gastar na
limpeza, mas devia ter um milhão e meio, só para correr bem, já nem digo correr
muito bem. Não consigo pedir a 50 trabalhadores que façam o mesmo trabalho de
há quatro anos”, queixa-se.
Nas zonas históricas da Baixa e do Castelo,
também se começa a sentir um aumento do lixo produzido. No entanto, o
presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), diz
que que tem tido capacidade de resolver este sobrepeso. “Em regra, não
costumamos ter situações desesperantes. Há uma sobrecarga da população, mas, com
mais ou menos dificuldades, damos conta do recado”, diz, em declarações a O
Corvo, sem se alongar sobre o tema.
Existe, no entanto, quem não queira
estabelecer uma correlação entre o aumento do número de turistas e residentes
estrangeiros com a subida do lixo produzido. Fernando Rosa (PSD), presidente da
Junta de Freguesia de Belém, não concorda com este paralelismo. “Se há mais
lixo, é porque a sociedade está a evoluir. Além disso, no Natal, a produção de
resíduos também aumenta”, refere, acrescentando que tem feito uma boa gestão do
orçamento que lhe é disponibilizado e que não sente uma diferença abismal no
aumento da quantidade de resíduos.
O autarca considera que o problema está na
recolha do lixo, da competência da CML, e da falta de sensibilização das
pessoas para estas questões. “A nível da recolha de lixo, podemos dizer que
estamos numa situação caótica. A Câmara de Lisboa não está a recolher como
devia. No Bairro do Restelo, basta não virem uma semana e criam-se logo
pequenas lixeiras. Há muita culpa por parte das pessoas não civilizadas
também”, observa.
Luís Newton (PSD), presidente da Junta de Freguesia
da Estrela, também acha que o aumento do lixo está relacionado com deficiências
dos serviços municipais. “As dificuldades de recolha traduzem-se num receio por
parte da comunidade em não ver o seu lixo recolhido nos locais e horas
tradicionais, o que a levou a largar lixo noutros sítios, na expectativa de
serem recolhidos aí. Isso também terá contribuído para o caos na gestão da
recolha e na multiplicação dos locais de depósitos”, diz, em depoimento escrito
a O Corvo.
Luís Newton partilha, também, da opinião que o
aumento do turismo não tem ajudado. “Os alojamentos locais são menos
organizados na gestão de lixo que as tradicionais unidades hoteleiras e isso
leva, invariavelmente, a uma acumulação de lixo e ao ciclo vicioso de
‘incapacidade de recolha-reação de desorientação da comunidade para novos
pontos de depósito-incapacidade da CML em adaptar um serviço de recolha já
sofrível’ às novas realidades de depósito do lixo”, refere.
Já a sua colega Carla Madeira (PS) diz-se
satisfeita com o desempenho da câmara no que diz respeito à remoção de
resíduos. “Não temos problemas com a recolha de lixo efetuada pela Câmara de
Lisboa. Inclusivamente, vimos aumentado o número de recolhas em algumas zonas
da freguesia, no decorrer do mandato anterior. O principal problema encontra-se
nos prevaricadores que impedem a boa manutenção da limpeza do espaço público”,
considera a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia. Para mudar tal
cenário, a junta tem, por isso, vindo a desenvolver campanhas de sensibilização
junto da população, para que adopte comportamentos responsáveis.
“Estamos a colocar, em conjunto com a Câmara
Municipal de Lisboa, contentores fixos em várias zonas da freguesia, medida que
consideramos de grande importância. As zonas da Bica e do Bairro Alto já
possuem este tipo de deposição de resíduos, medida que esperamos vir a
implementar, brevemente, na zona de Santa Catarina. Seguir-se-ão,
posteriormente, outras zonas do nosso território”, informa. “Pensamos que a
Câmara de Lisboa está no bom caminho e esperamos que os frutos, das medidas e
campanhas de sensibilização que estão a fazer, possam vir a ser colhidos a
curto ou médio prazo”, confessa.
A pensar na qualidade de vida dos moradores,
Vasco Morgado (PSD) também já está a avaliar a pertinência da aplicação de
novas medidas. “Estou a tentar criar um regulamento para os hotéis poderem ser
os cuidadores do espaço público circundante. Os espaços de hotelaria teriam
essa responsabilidade e, depois, a autarquia dava-lhes um donativo, por
exemplo”, esclarece. “Em vez de ser a junta a ir tapar um buraco, porque passou
um autocarro turístico em frente ao hotel, que antes não passava, eles passam a
assumir essa responsabilidade”, exemplifica.
O Município de Lisboa, a pensar nestas
questões, tem já em estudo medidas que visem melhorar as operações na área da
higiene urbana, nomeadamente a recolha de resíduos, a lavagem e a varredura de
arruamentos. A reforma administrativa da cidade, que implicou, em Março de
2014, a transferência de competências de limpeza das ruas, até então da CML,
para as juntas de freguesias, acabou por se reflectir em alguns transtornos no
período de adaptação das juntas às novas responsabilidades.
Uma questão
que, no entanto, se tem vindo a resolver, segundo o vereador dos Serviços
Urbanos, Duarte Cordeiro. “Felizmente, a realidade de 2013, quando se preparou
a reforma administrativa de Lisboa, é bem diferente da realidade actual. Para
isso está já definido que parte das verbas do fundo turístico será para afectar
à higiene urbana da cidade (município e freguesias)”, informa em depoimento
escrito a O Corvo.
No ano de 2016, foram recolhidas cerca de 400
mil toneladas de resíduos em Lisboa, tendo havido um crescimento de recolha de
resíduos indiferenciados de 1,4% e um aumento de 0,9% na recolha de resíduos
selectivos, em relação a 2015. Para o vice-presidente da CML, existem várias
explicações para o aumento da quantidade de produção de resíduos. “Para o
município, bem como para a entidade reguladora do sector e para a Agência
Portuguesa do Ambiente, este aumento, que não é exclusivo de Lisboa, prende-se
essencialmente com a recuperação económica do país. Obviamente que em Lisboa o
aumento do turismo tem potenciado o crescimento da actividade económica.
Importa referir que, apesar de Lisboa ter cerca de meio milhão de habitantes,
existe um fluxo diário para Lisboa que duplica os utilizadores da cidade todos
os dias, o que tem impacto significativo na cidade”, explica.
Para combater este e outros problemas, a
autarquia criou, recentemente, um Conselho Consultivo para Redução de Resíduos,
com o objectivo de ajudar a atingir as metas ambientais definidas no Plano
Municipal de Gestão de Resíduos do Município de Lisboa. No mandato anterior
(2013-2017), a CML investiu cerca de 6 milhões de euros na nova contentorização
da cidade e 12 milhões de euros na renovação da frota de viaturas afectas à
higiene urbana.
“Temos estado a fazer a avaliação dos recursos
existentes, meios humanos e outros, que têm de ser permanentemente reavaliados
em função das dinâmicas evolutivas. As freguesias, ao que sabemos, também têm
estado a fazer essa avaliação e, não poucas vezes, a aumentarem os meios e
recursos para fazerem face aos novos desafios”, sublinha Duarte Cordeiro.
“Recorde-se que as freguesias passaram a ter competências próprias, que lhes
permite gerar mais receitas, nomeadamente com o licenciamento, fruto do
crescimento da atividade económica da cidade”, conclui.
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