Vandalizado
Forte que assistiu à queda de Salazar
03.12.2017
às 19h22
O Forte de
Santo António da Barra está abandonado desde 2015. Enquanto espera que o
Governo transfira a sua propriedade para a Câmara de Cascais tem sido alvo de
vandalismo. As fotos são impressionantes
MARIANA
LIMA CUNHA
A abertura
na rede de arame permite facilmente que uma pessoa adulta passe por ali. Fica
mesmo ao lado do portão principal. Dando a volta ao terreno, chega-se a novo
buraco, desta feita menos visível mas a uma altura suficiente para uma criança
conseguir saltar o pequeno muro. Lá dentro, as garrafas de cerveja vazias
denunciam a presença humana. Que não fica por aí.
A descrição
corresponde ao estado em que se encontra a rede de arame que, supostamente,
protege e isola o Forte de Santo António da Barra, em São João do Estoril - num
acantilado junto ao mar. Quem passa pela Marginal, rumo a Cascais, vê-o ao
longe, recortado contra o céu azul, aparentemente imponente. Se o nome não lhe
diz nada, nós explicamos: este é o forte em que Salazar costumava passar férias
e onde, calculando mal a distância, se atirou para uma cadeira de lona,
acabando por cair e bater com a cabeça no chão. Não mais viria a
recuperar.
O edifício cheio de História - construído no século XVI,
durante o reinado de Felipe I, para proteger a costa, e ampliado ou
intervencionado em várias ocasiões - foi em 1977, nove anos depois da famosa
queda de Salazar, classificado por decreto como imóvel de Interesse Público. Findas as suas funções para defesa
da linha de costa, a partir de 1915 foi cedido ao Instituto Feminino de
Educação e Trabalho em Odivelas para ser usado como colónia de férias, uma
situação que se manteve durante precisamente cem anos, até 2015. Em 2016, uma
notícia do “Correio da Manhã” dava conta do estado de degradação em que se
encontrava.
Mais de um
ano depois, a situação mantém-se. Para além dos buracos nas vedações e das
garrafas ali deixadas, no interior e no exterior do edifício, que mantém a
capela, o fosso e a cintura de muralhas que originalmente o compunham, são
muitos os grafittis que cobrem as paredes das divisões sujas e degradadas. Os
azulejos que antes cobriam as paredes cobrem agora o chão, estilhaçados. As
portas estão abertas e destruídas, os vidros partidos. Do edifício imponente de
outrora já pouco resta. As fotos a que o Expresso teve acesso mostram o estado
a que chegou o monumento. A destruição de um espaço com mais de 400 anos de
História é quase total.
CÂMARA
ACUSA GOVERNO DE "BLOQUEIO UNILATERAL"
Ao
Expresso, a Câmara de Cascais garante que há uma explicação para o estado em
que o edifício se encontra: um “bloqueio unilateral do Governo”. O município
quer ser responsável pelo Forte e “começou a desenhar-se esse caminho” num
acordo assinado em 2015 sobre vários assuntos relacionados com Cascais,
incluindo as responsabilidades pelo edifício, diz fonte oficial da autarquia.
Mas “a concretização da cedência dos direitos de utilização e aceitação foi
mantida na gaveta pelo Ministério das Finanças via da Direção Geral do Tesouro
e Finanças”. “É com profundo pesar que esta formalidade tem impedido que a
Câmara Municipal de Cascais assuma a gestão do imóvel”, sem conseguir assim
“travar a degradação que se agrava todos os dias”.
Caso o
acordo se concretizasse e o espaço passasse para as mãos da Câmara liderada por
Carlos Carreiras, detalha a mesma fonte, o destino já estaria definido: a
“instalação e fruição do imóvel” pelo Estoril Institute for Global Dialogue,
que organiza as Conferências do Estoril, assim como “um centro de Investigação
e desenvolvimento ligado à Economia de Mar”.
O “impasse”
continua “incompreensivelmente por resolver”, explica a autarquia de Cascais,
desde novembro de 2015, altura em que o acordo foi assinado. “Foram seguidas
todas directrizes da Direção Geral do Tesouro e Finanças mas mesmo assim,
passados mais de 2 anos e após esforços mantidos antes e depois dessa data, não
se criaram as devidas condições formais para que o auto de cessão fosse
assinado”.
O Expresso
contactou o Ministério das Finanças, assim como a Direção Geral do Património
Cultural, para perceber o que está a impedir o avanço do acordo, mas não foi
possível obter resposta em tempo útil.
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