OPINIÃO
Uma
turba perigosa e sem escrúpulos
MANUEL CARVALHO
18/04/2016 – PÚBLICO
Durante três
penosas horas, a Câmara dos Deputados em Brasília dedicou-se a
debater a destituição da Presidente Dilma Rousseff e transformou-se
nesse lugar estranho onde subsiste o pior que há no Brasil: a
política. O deplorável ambiente de comício, a inacreditável
facilidade com que se trocavam insultos, a essência do Estado laico
a ser torpedeada por persistentes clamores evangélicos, o deboche
egocêntrico que levou uns a citar os filhos e outros os lugarejos de
origem (sempre deu para saber que no Maranhão existe uma Itapecuru)
foram apenas mais uma prova de que o Brasil está entregue a uma
horda de predadores a quem não se pode confiar uma chave de casa,
quanto mais o destino de uma Presidente eleita. Fernando Haddad, do
PSDB (oposição), sobressaiu nesse festival de vaidades e vacuidades
ululantes ao dizer que “o nosso país precisa de fazer sentido”.
É precisamente isso que falta na história do impeachment de Dilma:
lógica, coerência, objectividade, reflexão, ponderação,
tolerância e democracia. Ou, se quiserem, sentido.
Entre as
intervenções dos 25 partidos e as dos líderes das bancadas do
Governo e da minoria, raramente se falou no que estava em causa. O
relatório apresentado pelo deputado Jovair Arantes, que justificava
o impeachment, passou ao lado das intervenções. O que se viu e
ouviu nessa feira de vaidades foi o perfume inebriante do ódio
acirrado pelo medo. E o anseio de oportunidades que a possível
viragem no ciclo político sempre propicia a uma alcateia de
deputados que, em 60% dos casos, tem casos pendentes na justiça.
Dilma violou a lei
ao usar dinheiro da banca pública para financiar programas do
Governo e, sim, Dilma violou a lei da Responsabilidade Fiscal. Mas,
num país informal onde o Tribunal de Contas é um patinho sentado,
se essa fosse causa para a destituição, há muito que o Planalto ou
as sedes dos governos estaduais eram uma permanente dança da
cadeira. Dilma e o PT estão acossados porque governaram mal, porque
se agarraram ao poder como lapas, porque facilitaram gigantescos
esquemas de tráfico de influência onde grassou a corrupção,
porque a economia está de rastos, porque a Presidente mandou na
Petrobras nos anos tenebrosos dos negócios espúrios e desvios
colossais, mas o impeachment não tem nada a ver com isto. Tem a ver
com supostas violações de regras que podem ser objecto de censura
política mas nunca de recurso à bomba atómica do sistema político
brasileiro, o impeachment.
Se alguma utilidade
teve o penoso exibicionismo dos deputados brasileiros na tarde deste
domingo foi o de provar isso mesmo. Que o que está em causa é
apenas um expediente legal e processual para derrotar no parlamento o
que o PT ganhou nas urnas. A tese do golpe não é por isso absurda.
O que é absurdo é que a multidão que estava a julgar o destino de
uma Presidente inepta, arrogante e incompetente, mas apesar de tudo
com a ficha limpa na Procuradoria, tenha na sua maioria contas a
prestar na Justiça. O que é incompreensível é que o presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, seja ele próprio um dos campeões das
suspeitas de corrupção. O que é sem sentido é que o grande guru
da operação, Michel Temer, possa escapar das acusações de
violações à lei quando foi até há pouco vice de Dilma. Ganhe ou
perca este combate (o processo passa agora para o Senado), a
Presidente é passado e o pior é que não se vislumbra nenhum
futuro. Com uma Câmara de Deputados assim, histriónica, acéfala,
umbiguista e demagógica, mais do que Dilma, o que está em perigo
permanente é a democracia.
Sem comentários:
Enviar um comentário