Na
Turquia, Tusk diz que não há “melhor exemplo” no tratamento de
refugiados
FÉLIX RIBEIRO
23/04/2016 - PÚBLICO
Delegação
europeia fez visita coreografada a campo de refugiados e contornou
preocupações humanitárias. Merkel sugere criação de zonas
seguras no lado sírio da fronteira.
O presidente do
Conselho Europeu disse este sábado que “ninguém tem o direito de
dar lições à Turquia” sobre a melhor forma de tratar refugiados,
contrariando as vozes críticas que acusam o país de ter um sistema
de asilo abusivo e maltratar sírios na fronteira. “A Turquia é o
melhor exemplo, em todo o mundo, sobre como devemos tratar
refugiados”, insistiu Donald Tusk, ao lado da chanceler alemã,
Angela Merkel, e do primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu.
Tusk falava numa
conferência de imprensa na cidade turca de Gaziantep, encerrando a
visita de uma delegação europeia a um campo de refugiados, onde foi
inaugurado um jardim-de-infância construído com fundos da União
Europeia. A visita pretendia mostrar os benefícios do acordo de
devolução de refugiados assinado com a Turquia, sob o qual Bruxelas
transferirá seis mil milhões de euros em ajudas para o acolhimento
dos mais de 3,5 milhões de sírios que vivem no país.
Mas os líderes
europeus estavam também sob pressão para responder às suspeitas de
graves violações humanitárias contra requerentes de asilo, como
relatos de devoluções forçadas à Síria, disparos contra famílias
que tentam entrar no país ou de violência e tortura em centros de
repatriamento. O primeiro-ministro turco rejeitou estas acusações e
exigiu de novo a liberalização de vistos para cidadãos turcos
viajarem na Europa, uma polémica moeda de troca para que a Grécia
possa devolver à Turquia os sírios chegados depois do dia 28 de
Março e todos os pedidos de asilo falhados.
Este sábado os
olhos estavam sobretudo postos em Angela Merkel, acusada de querer
agradar a um líder autoritário quando esta semana permitiu abrir
uma acção legal contra um humorista alemão que fez pouco do
Presidente turco — foi também ela quem comandou as negociações
com a Turquia, na ânsia de reduzir o número de chegadas à
Alemanha. Mas a chanceler foi branda sobre preocupações
humanitárias e admitiu apenas que os líderes europeus “abordaram
as suas preocupações” no encontro à porta fechada com Davutoglu.
Merkel, aliás,
defendeu este sábado a criação de zonas protegidas no lado sírio
da fronteira para acolher refugiados, previstas no acordo assinado em
Março, mas polémicas dada a dificuldade em assegurar a sua
segurança — nesta última semana, por exemplo, artilharia do
regime sírio atingiu campos na fronteira com a Turquia. “Exigi
novamente a criação de zonas onde haja mais garantias de
cessar-fogo”, disse, fazendo referência à cessação de
hostilidades na Síria, em risco de ruir.
“Campo
higienizado”
A visita dos líderes
europeus a Gaziantep contornou as preocupações sobre o tratamento
de refugiados e requerentes de asilo na Turquia. Parece até ter
causado o efeito contrário. Cada paragem da delegação foi de tal
forma coreografada que se tornou difícil não a ver como “uma
representação visual de como os sírios estão a ser tratados como
adereços em maquinações geopolíticas mais vastas”, como
escrevia no Twitter o jornalista e especialista em política de asilo
do Guardian, Patrick Kingsley.
Merkel, Tusk e Frans
Timmermans — vice-presidente da Comissão Europeia — visitaram o
campo de refugiados de Nizip na companhia do primeiro-ministro turco.
À chegada, porém, a polícia turca já trancara os sírios
residentes atrás das vedações que delimitam o campo: em seu lugar
esperavam cinco raparigas sírias vestidas de branco e um pequeno
grupo de refugiados escolhido de antemão. Os jornalistas foram
proibidos de se aproximar das grades e de entrevistar moradores.
Os portões só se
abriram com a partida dos líderes europeus em direcção a um
jardim-de-infância em pré-fabricado, construído com financiamento
da União Europeia. A delegação fez uma curta vistoria às
condições do campo, onde vivem cerca de cinco mil refugiados
sírios, mas isso não bastou para silenciar críticas de
organizações humanitárias. Como a chanceler alemã admitiu este
sábado, cerca de 90% dos sírios na Turquia não vivem em campos de
refugiados para poderem trabalhar no mercado negro e sustentar a sua
família.
“Em vez de fazer
uma visita a um campo de refugiados higienizado, os líderes europeus
devem olhar pelo topo do novo muro de fronteira turco e ver as
dezenas de milhares de sírios, esgotados pela guerra e retidos no
outro lado”, escreveu este sábado Judith Sunderland, da Human
Rights Watch, fazendo referência a milhares de sírios que fugiram
recentemente dos violentos confrontos em Alepo e vivem em campos
improvisados a poucos quilómetros da Turquia.
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