OPINIÃO
Geração
Tuk Tuk (II)
DOMINGOS S. FERREIRA
27/04/2016 - PÚBLICO
Se
os líderes políticos não encorajarem a revolução do pensamento
económico, alguém o fará por eles e certamente que não será a
bem.
O tremendo falhanço
do capitalismo está a conduzir a União ao desespero político,
colocando, assim, em risco as próprias democracias. Muitas são as
razões, em específico: a recessão económica, que culminou
globalmente não só em 3 mil milhões de indigentes e desempregados,
mas também no crescente empobrecimento da classe média, com
intoleráveis desigualdades sociais em que 1% da população detém
80% da riqueza mundial (escondida num qualquer offshore); a crise dos
refugiados, que ameaça as estruturas do estado social europeu; as
ambições chinesas e o reemergente imperialismo russo; o aquecimento
global, que coloca em sério risco a própria sobrevivência humana,
mas, onde a ganância de alguns e a indiferença de outros impedem
qualquer esforço por pequeno que seja no seu controlo, e os
escandalosos actos de corrupção nos mais altos círculos políticos
e da administração do Estado. Todas estas questões contribuíram
para fenómenos de desintegração social, de descrença e falta de
confiança no futuro.
As estruturas do
sistema ameaçam desmoronar-se. Há no ar uma sensação de fim de
era. Todos sentem que algo vai mudar e vai ter que mudar. Políticos,
cientistas, intelectuais e muitos outros pensadores e visionários
apresentam soluções, todavia, muito rapidamente se revelam quimeras
como fumo levado pelo vento. Estaremos, então, perto do fim da
história? Anatole Kaletsky, na sua brilhante obra, Capitalismo 4.0,
responde: “não há nenhum padrão, não há nenhuma lei da
natureza que dite uma quase extinção de 50 em 50 anos do
capitalismo ou do fim da história. Contudo, é legítimo
reconhecer-se que o capitalismo democrático é um sistema envolvente
que responde às crises através da transformação radical das
relações económicas e das instituições politicas”. A mesma
sensação de transformação foi sentida antes por intelectuais e
líderes políticos em 1910, quando instintivamente adivinharam a
galeria de horrores em que se veio a revelar a I e a II Guerras
Mundiais. Também, mais tarde, nas vésperas da crise dos mísseis de
Cuba, do assassinato de John Kennedy, de Martin Luther King, de Aldo
Moro pelas Brigadas Vermelhas e da guerra do Vietname, a mesma
sensação foi sentida por muitos outros e muito bem transmitida por
brilhantes escritores como Ernest Hemingway, John Steinbeck ou George
Orwell. Deste modo, poder-se-á, à semelhança das crises
capitalistas anteriores, entender os conflitos sociais e a
instabilidade económica de 2008 como uma previsível resposta ao
modelo capitalista global?
“A julgar pela
experiência passada, o resultado provável demorará uma década de
instabilidade e de conflitos e a procura de soluções levará,
eventualmente, a um novo modelo que resultará de um novo contrato
social com as novas instituições políticas e económicas” afirma
Kaletsky. Angus Deaton, laureado Nobel da economia, acrescenta:
“todavia, sem a participação empenhada e efectiva quer das
instituições, quer do envolvimento activo dos cidadãos, não
existe qualquer possibilidade de alteração do modelo político
tendo em perspectiva a maior justiça social, maior equidade
económica e maior redução da pobreza”. Como muito bem lembram
(os galardoados com o prémio Nobel da economia) Paul Krugman e
Michael Spencer, são as democracias do norte da Europa, que em
virtude da participação efectiva política de todos os cidadãos,
nomeadamente ao nível da participação sindical, mostram níveis
mais baixos de desigualdade, pobreza e corrupção e mais elevados de
prosperidade económica, apesar de estarem sujeitas às mesmas
intempéries das forças da globalização. Sendo certo que ainda há
muito que os governos podem fazer para mobilizar e envolver todos os
membros da sociedade em geral, é inevitável que passe por um
programa vasto e profundo de crescimento económico e de criação de
emprego, de forma a melhorar a situação dramática dos jovens.
No mesmo sentido,
Kaletsky defende que os líderes políticos deverão reequacionar a
ideologia que erigiu as superestruturas assentes nas assunções do
fundamentalismo de Mercado. Tal inclui tanto a questão da
desregulamentação financeira como a da dependência da banca, a
separação da política monetária e fiscal, e a reversão da
assunção, profundamente errada, de que os mercados para serem
competitivos não podem ter qualquer intervenção dos governos.
Terão, também que abandonar a errada assunção de que o Estado é
incapaz de produzir uma distribuição mais justa e equitativa da
riqueza ou de que não consegue providenciar uma eficiente prestação
do serviço público.
É óbvio que os
líderes têm os instrumentos ao seu dispor para proporcionar o
aumento da qualidade de vida daqueles que os elegeram e que estes
juraram defender. O dinheiro pode até ser impresso e distribuído, o
salário mínimo pode até ser aumentado tendo em vista a diminuição
da desigualdade, os governos poderão investir em mais
infra-estruturas a custo zero e programas de integração dos jovens
e dos outros no mercado de trabalho, os bancos poderão encorajar a
aquisição de empréstimos ao invés de os restringir; todavia, tudo
isto são band-aids temporários que se revelarão mais tarde em
renovada e mais grave crise e sofrimento para os mesmos do costume.
Assim, estas
políticas, assentes nas teorias económicas que dominaram o
pensamento nos anos 80 e formataram as instituições políticas como
FMI ou os tratados da UE, terão de ser abandonadas. Embora muito
pouca gente esteja disponível para desafiar a ortodoxia
fundamentalista que domina o cenário económico, o facto é o
seguinte: se os líderes políticos não queimarem os manuais da
ortodoxia económica que nos conduziram às recorrentes crises
económicas, nem encorajarem a revolução do pensamento económico,
alguém o fará por eles e certamente que não será a bem.
Professor Associado,
Director do INNOVARE - UAL
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