Morreu
o “pequeno irmão” do grillismo
Jorge Almeida Fernandes /
17-4-2016 / PÚBLICO
Peppe Grillo
representou em público o Movimento 5 Estrelas (M5S). Gianroberto
Casaleggio inventou-o e dirigiu-o. Morreu em Milão na terça-feira,
aos 61 anos, no momento em que a Itália vai entrar numa fase de
turbulência política e em que o M5S se prepara para o seu grande
desafio político: a conquista da cidade de Roma, de que Casaleggio
fez uma etapa prévia à conquista do poder.
Ocorre também no
pico dos populistas nas sondagens, muito próximos do Partido
Democrático (PD, do primeiroministro, Matteo Renzi). Quem sucede a
Gianroberto? Poderá ser o seu filho David, que detém a chave do
Blog di Beppe Grillo, a voz do movimento. Mas não é seguramente o
mesmo que o pai. Há riscos de fragmentação em tão heteróclito
movimento.
Grillo afastou-se há
meses da “direcção” do M5S, cedendo o papel a cinco militantes.
Nada mudou no movimento, que continuou a ser comandado por
Casaleggio.
Este conheceu o
comediante Grillo em Abril de 2004, no fim de um espectáculo, e
começou a falar-lhe da Web e de como ela lhes permitiria mudar o
mundo. “Pensei que fosse um génio do mal ou uma espécie de São
Francisco que em vez de falar aos lobos e aos passarinhos falasse à
Internet (...) É um indivíduo objectivamente perigoso e socialmente
útil”, definiu-o mais tarde Grillo.
A sedução foi
total. Tornaramse “irmãos”. Um tinha as ideias, o outro tinha o
verbo. Redigiram em conjunto o “Não Estatuto” do movimento. Em
Janeiro de 2005 surge o Blog di Beppe Grillo e em 2009 concorrem pela
primeira vez a eleições em listas cívicas, a que se segue a
fundação do M5S. Nas legislativas de 2013 o M5S obtém o terceiro
lugar com 25,56% dos votos. Hoje lidera a oposição a Renzi, com
larga vantagem sobre Berlusconi e a Liga, de Matteo Salvini. Um novo
tipo de militantes, de perfil tecnocrático, parece estar a aderir ao
movimento.
Depois das farsas,
provocações e obscenidades de Grillo, que lhe deram notoriedade
mediática, o M5S pode estar numa viragem. Quando Grillo anunciou que
se afastava da liderança pública, o seu papel foi ocupado por um
jovem com ar mais respeitável, Luigi di Maio. A conquista de
municípios forçou o movimento a confrontar-se com a realidade.
Quando Casaleggio
deu ao Corriere della Sera (24 de Dezembro) uma das suas raras
entrevistas, expôs a lógica da aposta de Roma: “Queremos vencer.
Roma é uma etapa obrigatória antes do governo. Um ensaio. Se
tivéssemos medo de governar Roma, nunca poderíamos pensar em
governar o país.”
Apresentou
prudentemente quatro objectivos genéricos: “Inovação, instrução,
eliminação da corrupção, diminuição do nível dos impostos
acompanhada pelo combate à evasão, ética.”
Apocalipse e utopia
Antes de voltar à
política, devemos fazer uma referência à bizarra personagem de
Casaleggio. É um especialista e um místico da Internet. Não tem
passado revolucionário. Pelo contrário, foi um gestor de sucesso,
que fez carreira na Olivetti, onde foi administrador e depois
presidente da Webegg, uma associada da Olivetti e da Telecom. Tinha
relações de negócios em todo o mundo. Fundou depois a sua empresa
de informática, a Casteleggio Associati.
O seu credo: “A
vida e a evolução das redes seguem leis precisas e o conhecimento
destas regras permite utilizar as redes em nossa vantagem, vantagem
económica mas também, porque não, política.”
Tinha um lado
milenarista e apocalíptico, bem expresso no seu vídeo Gaia, o
futuro da política, de 2008 (que se pode ver na Internet). Previa um
mundo dividido entre a Web livre e a Web controlada pelos Estados
(Rússia, China, parte da Ásia), que achava que “entrarão em
conflito desencadeando em 2020 a terceira guerra mundial, que durará
20 anos e arrasará o mundo.”
Enfim: “A
população do planeta será reduzida a mil milhões, haverá
catástrofes ecológicas, mas após seis mil milhões de mortos, em
2054, nascerá Gaia (Terra) e um novo governo mundial. “Qualquer
ser humano pode ser Presidente e controlar o Governo através da
Rede. Em Gaia, os partidos, a política, as ideologias e as religiões
desaparecerão.” É em nome da utopia da Rede que o M5S se
estruturou. Todos são “iguais” e participam nas decisões, a
palavra “líder” é tabu. Tudo é votado na Rede. No entanto,
quem tem a chave do blogue é quem detém o controlo, faz as
propostas, propõe expulsões. Para Casaleggio, por trás da utopia
há outra realidade: é uma pequena minoria que produz as ideias e
através da Rede influencia o resto.
Os militantes
exaltam a utopia, mas não são completamente tolos. Relata o La
Repubblica que agora há “medo do caos” e de uma guerra de
chefes. Grillo regressará por seis meses para manter a ordem num ano
eleitoral. Interrogava-se um militante: “Até aqui era Casaleggio a
impor a sua vontade. Mas agora? Que acontecerá quando ninguém pode
dizer ‘Decide Gianroberto’?”
O M5S não é um
movimento totalitário, frisa o politólogo Luca Ricolfi. “É não
violento e hiperdemocrático. (...) A hiperdemocracia é uma
ideologia que se consolidou nos últimos 20 anos com o triunfo da
Internet, mas as suas raízes remontam aos anos 1968-69.” Uma
minoria activa sentese moralmente superior e despreza profundamente
as massas.
Ricolfi aponta duas
consequências. “A primeira é um substancial desprezo pela
democracia representativa”, que se baseia no pressuposto inverso:
as pessoas têm o direito de escolher os dirigentes sem terem o dever
de se envolverem activamente na política.
“A segunda
consequência é o desprezo pelo próprio eleitorado, ou seja, pelos
995 em mil que não participam na Rede. Este desprezo, e não as
acusações de um presumível fascismo ou estalinismo, é para mim o
lado inquietante do grillismo.”
Casaleggio não
gostava da fama de grande manipulador. “Definiram-me como o
‘pequeno irmão’, numa referência ao Grande Irmão [ Big
Brother] do romance 1984, de George Orwell. É evidente que o não
sou.”
“Contra Renzi”
O M5S está
mobilizado em torno do referendo que hoje se realiza em Itália sobre
a exploração de petróleo no mar. É uma batalha secundária. O que
conta são as eleições locais de 5 de Junho. Um escândalo de
tráfico de influências no Governo Renzi, que levou à demissão da
ministra do Desenvolvimento, Federica Guidi, reactivou as denúncias
da corrupção: 45% dos italianos dizem que a corrupção política é
pior do que há 25 anos. E fez de novo subir o M5S nas sondagens,
enquanto o PD tende a estagnar.
Para lá das
eleições locais, o M5S quer transformar a consulta pública sobre
as reformas constitucionais marcada para o Outono num referendo
“contra Renzi”, criando uma dinâmica anti-PD para as
legislativas de 2018.
Observa o politólogo
Ilvo Diamanti que o primeiro-ministro tem um antídoto. “Se o clima
de insatisfação dos eleitores continuar a desgastar o PD, o
primeiro-ministro Renzi pode mudar de estratégia — investir mais
no Governo do que no partido; apresentar-se mais como ‘homem de
Estado’ do que como ‘homem de partido’.”
A morte de
Casaleggio abre entretanto uma incógnita sobre a estratégia do
grillismo e o próprio mapa político italiano.
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