EDITORIAL
Os
bloqueios do Brasil
DIRECÇÃO EDITORIAL
17/04/2016 – PÚBLICO
Quando a
legitimidade política está em causa, não há nada como recorrer ao
voto popular.
Por estes dias, o
Brasil surge aos olhos do mundo dividido, desnorteado e com os três
poderes-base das sociedades democráticas praticamente bloqueados. O
poder legislativo está ferido pela suspeita de corrupção que recai
sobre um número considerável de deputados que se encontram sob
investigação; o judicial perdeu respeito e independência ao
cometer ilegalidades, como fez o juiz Moro, ao divulgar escutas
telefónicas não autorizadas, ou o juiz Catta Preta, ao vir para a
rua manifestar-se a favor da destituição de Dilma Roussef, apesar
de ser directamente responsável por decisões judiciais relacionadas
com a acção da Presidente; e, finalmente, o poder executivo cujo
descrédito atingiu o ponto de não retorno no momento em que Dilma
anunciou a nomeação do seu antecessor, Lula da Silva, para ministro
da Casa Civil.
Como é sabido, isto
aconteceu no auge do cerco da Justiça ao ex-Presidente e a decisão
de Dilma foi entendida como uma forma de subtrair Lula da alçada do
juiz responsável pela operação Lava-Jato – o que efectivamente
aconteceu, visto que, ao entrar para o Governo, Lula passou a ter
foro privilegiado, o que significa só poder ser julgado pelo Supremo
Tribunal.
Perante um cenário
em que, na realidade, está tudo em causa nas várias instâncias do
edifício constitucional brasileiro, não se vê como vai o país
aceitar uma decisão sobre a destituição da Presidente, seja ela a
favor ou contra. Fracturada como está, uma parte da sociedade
brasileira não vai sentir-se representada no sentido de voto da
Câmara de Deputados e tenderá sempre a contestá-lo – o que pode
afectar a paz social e a consequente capacidade de as instituições
encontrarem soluções justas para os enormes problemas que afectam o
Brasil.
A quebra de
confiança nas instituições e nos protagonistas políticos está a
potenciar uma crise de legitimidade que está no centro deste
bloqueio político e que ameaça transformar-se em perigoso bloqueio
social. Ora, quando isto acontece, não há nada como ir directamente
ao voto popular, fonte primordial de legitimidade, colher o
suplemento de autoridade política em falta. Mas não é fácil
convocar eleições presidenciais no Brasil. Aliás, o sistema
político do país é um anacronismo intrincado de legislação capaz
de surpreender os mais experimentados constitucionalistas. Permite,
por exemplo, que deputados sob investigação ou mesmo já
constituídos arguidos em processos de corrupção, lavagem de
dinheiro, tortura ou exploração de mão-de-obra escrava (e mais de
60% dos membros do Congresso estão nesta situação) avaliem a
conduta da Presidente, isentando assim o mandato desses deputados de
qualquer reserva política ou mesmo ética. A convivência do sistema
com este relativismo ético talvez explique as dificuldades de
recorrer aos processos de legitimação. E daí que as eleições não
sejam o primeiro argumento, quando se trata de desbloquear uma
situação política em que os três pilares do Estado democrático
estão sob suspeita. Como acontece no Brasil.
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