OPINIÃO
A
Geração Tuk-Tuk
DOMINGOS S. FERREIRA
12/04/2016 - PÚBLICO
As expectativas da
actual geração, qualquer que seja a sua situação na pirâmide da
distribuição de rendimentos, são, nos dias que correm, opostas às
do pós-Guerra.
Com frequência
encontro ex-alunos, licenciados ou mestres, inteligentes e empenhados
(alguns das melhores universidades nacionais), desempregados ou a
exercerem actividades como repositores de supermercados,
call-centers, condutores de Tuk-Tuk, etc. Não havendo qualquer
desprimor no exercício de tais actividades, estas não são,
contudo, aquelas para as quais estes jovens e seus pais tanto tempo e
energia das suas vidas investiram.
No pós-Guerra
qualquer pessoa podia aspirar ter uma vida desafogada e decente.
Constituir e sustentar a família, porventura, comprar uma casa e um
automóvel, contribuir para o bem-estar social, ter um estatuto e ser
respeitado. Lamentavelmente, as expectativas da actual geração,
qualquer que seja a sua situação na pirâmide da distribuição de
rendimentos, são opostas aquelas nos dias que correm. A insegurança
no trabalho durante toda a vida, rendimentos miseráveis (quando têm
a sorte de obter um emprego), ausência de quaisquer direitos ou
regalias, sem perspectivas de carreira e inúmeras horas de trabalho.
Enfim! descartáveis como o papel higiénico. Tudo em nome da
competitividade e do sacrossanto todo-poderoso e omnisciente
“mercado”. Esta situação torna-se particularmente mais grave
para os filhos das classes mais pobres que não têm os conhecimentos
que lhes permitam obter um emprego. Assim, quer uns quer outros, não
perguntam qual o emprego que gostariam de ter, mas qual o emprego que
lhes ponha algum dinheiro no bolso. Ter uma casa é um sonho distante
demais, por isso são obrigados a arrastar-se indefinidamente nas
casas dos progenitores com os sonhos e esperanças destruídas, e
vidas adiadas.
Angus Deaton,
laureado Nobel da economia, demonstra num paper que, apesar das
elevadas habilitações académicas dos jovens da classe média, o
pessimismo e a perda de confiança quanto ao seu futuro, a perda da
auto-estima e o desânimo levaram ao aumento dos indigentes, dos
“sem-abrigo”, de doenças do fígado, do consumo excessivo de
álcool e droga e dos suicídios. As malfeitorias efectuadas à
sociedade pelos banqueiros (que, ainda assim, receberam prémios de
produtividade) e plutocratas (cuja indevida riqueza é escondida nos
subterrâneos labirínticos dos offshores), sem nenhumas
consequências judiciais, bem como a desconfiança nas estruturas de
governação originadas pela incompetência e pela incapacidade,
produzem ressentimentos e sentimentos de revolta nos jovens que
alastram como fogo em palheiro. Vale à pena lembrar que a fuga aos
impostos pelas grandes corporações seria suficiente para pagar a
dívida pública de todos os países da União.
Andrew Charles,
outro laureado Nobel de Economia e, David Brady, professor da
Universidade de Stanford, demonstram no paper Globalization and
Political Instability a correlação entre o crescimento da
sustentabilidade política e o declínio da performance económica,
referindo que os países com menor performance económica têm maior
instabilidade eleitoral e política. Esta instabilidade corresponde
ao declínio de mão-de-obra no sector industrial nos países
desenvolvidos, dado que a introdução das poderosas tecnologias de
informação no processo produtivo, não só permitiram a
desintermediação dos colarinhos azuis, como também se alastraram à
desintermediação dos colarinhos brancos, resultante do
desenvolvimento da robótica, inteligência artificial, cadeias de
valor globais, etc. De acordo com David Brady, “o emprego no sector
industrial caiu de 40% em 1960 para 20% em 2015”, resultando em
exércitos de desempregados e gente escandalosamente mal paga, pois
os outros sectores da economia não absorveram estes desempregados
considerados agora “danos colaterais” negligenciáveis no
processo de globalização e modernização. Muito embora a
introdução da tecnologia tenha permitido ganhos de produtividade de
cerca de 300% nos últimos 50 anos, a verdade é que os salários
estão abaixo dos níveis da década de 1950 (a valores
actualizados), segundo conclui Tomas Piketty em Capital no século
XXI. E enfatiza que se observa a tendência ao retorno dos
rendimentos do capital, o que provoca o aumento mais rápido da
riqueza obtida por herança do que aquela que é obtida pelo
rendimento do trabalho, agravando ainda mais a desigualdade económica
e social promovendo mais instabilidade política.
Sem dúvida que a
globalização e a tecnologia digital trouxeram enormes benefícios,
sob a forma de preços mais baixos e aumento dos rendimentos para
aqueles que se situam no topo da pirâmide da distribuição dos
rendimentos. Porém, acrescenta David Brady, trouxeram consigo também
um declínio na distribuição equitativa da riqueza, cortes nos
salários da classe média, aumento do desemprego, aumento da
polarização económica, confrontação social e alterações na
estrutura política. Factos estes cristalinamente observados na UE.
Mas, como se não bastasse, esta polarização política tem
consequências mais graves e substantivas, porque não só induz a
incerteza política que impede o investimento, como também reduz a
probabilidade de definir e implementar um padrão coerente,
abrangente e sustentado da agenda do crescimento económico,
resultando no baixo crescimento económico, alto desemprego, aumento
da desigualdade, que alimenta a instabilidade e a fragmentação
política resultando na incapacidade para implementar uma política
económica efectiva.
Pelo mesmo tom afina
Joseph Stiglitz, laureado Nobel da economia, que acrescenta:
“Resultam daqui três consequências – Injustiça social a uma
escala sem precedentes, gritante desigualdade social e acentuada
perda de confiança nas elites políticas”. Por estas razões
observa-se, assim, o afastamento acelerado dos jovens dos partidos
políticos do “centrão”, rumando estes em passo acelerado em
direcção aos partidos e movimentos anti-establishment.
Deste modo,
coloca-se a questão: o que fazer? Voltarei ao tema.
Professor Associado,
Director do INNOVARE - UAL
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