segunda-feira, 11 de abril de 2016

Um diplomata no Ministério da Cultura


Um diplomata no Ministério da Cultura
LUÍS MIGUEL QUEIRÓS 11/04/2016 – PÚBLICO

O embaixador e escritor Luís Filipe Castro Mendes toma posse no dia 14 como ministro da Cultura, substitituindo João Soares. A escolha de António Costa foi inesperada, mas parece estar a ser bem recebida nos meios culturais

O novo ministro da Cultura vai ser o embaixador e poeta Luís Filipe Castro Mendes, actual representante de Portugal junto do Conselho da Europa, em Estrasburgo, cuja escolha foi anunciada este domingo no site da Presidência da República. Castro Mendes é assim o nome que António Costa escolheu para suceder a João Soares. Depois das bofetadas (virtuais), a diplomacia.

O primeiro-ministro não só resolveu com grande rapidez a crise provocada pela demissão do responsável da Cultura, como conseguiu frustrar os vários palpites que a imprensa fora avançando quanto a possíveis sucessores de João Soares, uma lista que incluía José Manuel dos Santos, ex-assessor de Mário Soares e Jorge Sampaio e actual administrador da Fundação EDP, o musicólogo e ex-secretário de Estado da Cultura Rui Vieira Nery ou a actriz e deputada socialista Inês de Medeiros, para citar apenas alguns nomes.

“Aceitei com muita honra e responsabilidade o convite que me foi feito pelo primeiro-ministro”, disse ao PÚBLICO Luís Filipe Castro Mendes, que deverá tomar posse na próxima quinta-feira, dia 14, depois da deslocação do Presidente da República a Estrasburgo, nos dias 12 e 13. O diplomata preferiu não fazer quaisquer outras declarações antes de assumir o cargo e limitou-se a assegurar: “É um desafio ao qual procurarei responder tão bem quanto puder e souber”.

A escolha de Castro Mendes acontece apenas dois dias depois de João Soares anunciar a demissão do cargo, na sequência da polémica criada pelas bofetadas que prometeu, na sua página do Facebook, ao crítico Augusto M. Seabra e ao colunista Vasco Pulido Valente, que tinham assinado no PÚBLICO textos que considerou ofensivos. Segundo o PÚBLICO apurou, João Soares nunca terá chegado a ser convidado para a Defesa, e foi-lhe proposto o Ministério da Cultura depois de tentativas falhadas junto de José Manuel dos Santos e do encenador Emmanuel Demarcy-Mota, radicado em Paris. Costa terá ainda pensado em Paulo e Cunha e Silva, mas o vereador da Cultura da Câmara do Porto morreu antes de lhe ter sido feito qualquer convite formal.

Já depois de anunciar o nome do novo ministro, o site da Presidência da República fez saber ainda que o novo secretário de Estado da Cultura, substituindo Isabel Botelho Leal, será Miguel Honrado, presidente da administração do Teatro Nacional de D. Maria II e ex-director artístico, entre 2003 e 2006, do Teatro Viriato, em Viseu.

Colocado no Conselho da Europa desde 2012, Luís Filipe Castro Mendes fora antes o representante de Portugal junto da UNESCO, em Paris, posto em que substituiu Manuel Maria Carrilho, e que viria a ser encerrado no âmbito da remodelação do Ministério dos Negócios Estrangeiros levada a cabo no consulado de Paulo Portas.

Mas a par da sua longa carreira diplomática, iniciada há mais de 40 anos, Castro Mendes vem também mantendo um consistente percurso de escritor, sobretudo poeta, iniciado ainda mais cedo, em 1965, quando vê os seus primeiros poemas publicados em letra de imprensa nas páginas do célebre suplemento Juvenil do Diário de Lisboa, através do qual fará grandes amigos, como o encenador Jorge Silva Melo, o actor Luis Miguel Cintra, o poeta Nuno Júdice, ou o depois ministro da Ciência de António Guterres, Mariano Gago, que morreria em 2015.

Nascido em 1950 em Idanha-a-Nova, onde o seu pai, juiz, estava casualmente colocado, Luís Filipe Castro Mendes tem apenas 15 anos quando se cruza com essa geração de jovens escritores e artistas, que irá ser determinante quer para o seu destino de escritor, quer para a sua consciencialização política. Envolve-se nos movimentos de oposição, tendo participado, em 1969, na Comissão Democrática Eleitoral, num grupo que incluía Jorge Sampaio e que irá depois dar origem ao MES.

Em 1974 forma-se em Direito na Universidade de Lisboa, tendo integrado a direcção da Associação Académica da Faculdade, então dirigida por Miguel Lobo Antunes. E logo após o 25 de Abril, trabalha com Melo Antunes, assessorando-o quando este se torna ministro sem pasta no segundo governo provisório de Vasco Gonçalves, e acompanhando-o depois quando o estratega da revolução dos cravos assume o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Adjunto de Ramalho Eanes em 1983, Castro Mendes será ainda chefe de gabinete, em 1995, do então secretário de Estado dos Negócios Estrageiros José Lamego.

Desde sempre próximo do PS, o novo ministro da Cultura nunca foi, no entanto, militante do partido, como não o foi de nenhuma outra força política após ter entrado na carreira diplomática, em 1975. Estreou-se com uma primeira missão em Luanda, em 1977, na embaixada dirigida por João Sá Coutinho: um tirocínio conturbado, já que coincidiu com o golpe falhado de Nito Alves em Angola e a brutal repressão que se lhe seguiu. Esteve depois colocado em Madrid e Paris, e ainda no Conselho da Europa, onde agora regressou como representante de Portugal.

Em 1998, assume o Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, onde fica cinco anos e faz um mandato unanimemente elogiado justamente pela sua capacidade de dinamização no campo das trocas culturais entre Portugal e o Brasil. Em 2003 vai como embaixador para Budapeste, na Hungria, onde tem como conselheira cultural a actual directora da Casa Fernando Pessoa, Clara Riso, e em 2007 é colocado em Nova Deli, na Índia.

Reacções entusiásticas

Como poeta, Castro Mendes estreara-se em 1983 com o livro Recados, publicado na recentemente relançada colecção Plural, que Vasco Graça Moura então dirigia na Imprensa Nacional/Casa da Moeda. No ano seguinte aventurou-se na ficção com Areias Escuras, e regressou à poesia em 1985 com Seis Elegias e Outros Poemas. Seguiu-se A Ilha dos Mortos (1991), que recebeu o prémio do PEN Clube, Viagem de Inverno (1993), talvez o livro que definitivamente o consagrou como poeta, e O Jogo de Fazer Versos, que lhe valeu o prémio D. Dinis, da Fundação Casa de Mateus. E não deixa de ser curioso lembrar que coube ao então recém-nomeado ministro da Cultura de António Guterres, Manuel Maria Carrilho, fazer no Palácio de Mateus o elogio do autor e da obra).

Em 1995, faz nova incursão ficcional com Correspondência Secreta, que também recebeu um prémio do PEN Clube, e desde então tem publicado regularmente novos livros de poemas, como Modos de Música (1996), Outras Canções (1998), Os Dias Inventados (2001), Lendas da Índia (2011), A Misericórdia dos Mercados (2014) e o recente Outro Ulisses Regressa a Casa.

Com os riscos óbvios de se tentar ler poemas em clave biográfica, A Misericórdia dos Mercados pode dar algumas pistas para o modo como o poeta vê o mundo de hoje. “Nós vivemos da misericórdia dos mercados./ Não fazemos falta./ O capital regula-se a si próprio e as leis/ são meras consequências lógicas dessa regulação,/ tão sublime que alguns vêem nela o dedo de Deus./ Enganam-se./ Os mercados são simultaneamente o criador e a própria criação./ Nós é que não fazemos falta.”.

A escolha de António Costa tem sido bem recebida nos meios culturais. O escritor e ex-secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas disse ao PÚBLICO que se trata de "uma escolha muito sensata, em termos políticos, e de uma pessoa muito adequada” ao cargo. “Não por ser um diplomata, o que é bem capaz de ser um factor importante”, precisa, “mas por ser uma figura consensual em quase todos os meios: é um magnífico poeta, um homem culto e ponderado, um profundo conhecedor das matérias culturais europeias, e acho que vai fazer um bom lugar".

O poeta Nuno Júdice acha também que é “uma óptima escolha”, defendendo que “é completamente diferente estar um funcionário do mundo da política ou um escritor no Ministério da Cultura”. Júdice lembra a passagem de Castro Mendes pelo Rio de Janeiro, contando que os seus amigos brasileiros lhe diziam que durante o seu mandato o Consulado Geral “foi um centro cultural português”. Uma descrição que coincide com o que o romancista José Eduardo Agualusa escreveu na sua página no Facebook. Saudando a escolha, que considera "uma boa notícia para Portugal, para o Brasil e para a língua portuguesa", Agualusa diz ter conhecido o diplomata quando se mudou para o Rio de Janeiro e recorda que este "abriu as portas do belíssimo Palácio de São Clemente a todos os produtores culturais e transformou-o num verdadeiro centro de aproximação da lusofonia".

O poeta e ensaísta Fernando Pinto do Amaral mostrou-se “muito satisfeito” com a opção tomada por António Costa e diz que Castro Mendes “é um homem muito lúcido e com uma sensibilidade cultural muito evidente”, salientando ainda o seu cosmopolitismo.

O cineasta António-Pedro Vasconcelos avisa que a escolha do ministro deveria ser menos importante do que os programas de Governo, mas reconhece a Castro Mendes duas vantagens: “a de aparentemente não estar ligado a nenhum lóbi, e a de ser embaixador, alguém com a mente aberta, com vivência noutros países”. E face aos actuais constrangimentos orçamentais, recomenda “coordenação com outros ministérios”, “colaboração com a sociedade civil” e “criatividade”, mas previne que, para a Cultura, “é preciso ter um pensamento, e um primeiro-ministro que lhe dê cobertura”.

Já Marcelo Rebelo de Sousa, ultrapassando a mera cortesia protocolar entre Presidência e Governo, disse que o ministro escolhido por Costa é “um grande poeta, um grande ensaísta e uma grande figura da cultura portuguesa, além de ser um magnífico embaixador”.


Com António Guerreiro, Cláudia Lima Carvalho, Isabel Coutinho e Sérgio B. Gomes

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