Grécia
está a ficar sem dinheiro e Tsipras sem aliados
EVA GASPAR |
egaspar@negocios.pt | 27 Abril 2016
Atenas
ordenou a instituições públicas a transferência de saldos de
tesouraria para o banco central, com as dívidas ao fisco a baterem
recordes e os depósitos em mínimos de 2003. Risco de nova crise de
liquidez cresce. A bolsa reage: esteve a cair quase 5%.
À semelhança do
que sucedeu há precisamente um ano, o governo grego ordenou a
diversas instituições públicas, designadamente a hospitais e às
agências que gerem o sistema nacional de saúde (EOPYY) e as ofertas
de emprego (OAED), a transferência dos respectivos saldos de
tesouraria para o banco central, noticia o jornal To Vima, que dá
conta de acesos protestos dos partidos da oposição, que renovaram o
pedido de eleições antecipadas.
A decisão do
governo de Alexis Tsipras coincide com a divulgação de dados
segundo os quais as dívidas fiscais não cessam de crescer. Os
números mais recentes, referentes a Março, apontam para que os
gregos devam actualmente 87,5 mil milhões de euros em impostos e
taxas ao Estado. Trata-se de um valor superior aos 86 mil milhões de
euros que a Grécia pediu emprestado aos europeus no Verão passado,
no âmbito do terceiro resgate.
Dados divulgados
nesta quarta-feira, 27 de Abril, pelo banco central revelam, por seu
turno, que os depósitos nos bancos voltaram a cair pelo terceiro mês
consecutivo, estando agora em cerca de 121,5 mil milhões de euros, o
nível mais baixo desde Julho de 2003, refere a Reuters.
Todos estes
indicadores sugerem que o risco de uma crise de liquidez, quer no
Estado quer na banca, estará de novo ao virar da esquina. Esta
emergência de tesouraria ajuda a explicar a tremenda pressão que o
primeiro-ministro Alexis Tsipras (na foto) está a colocar sobre os
parceiros europeus para que o impasse em torno da primeira avaliação
do terceiro resgate – que deveria ter sido concluída ainda em 2015
– seja rapidamente discutido ao mais alto nível, numa cimeira
extraordinária: é que sem nota positiva no primeiro exame não
haverá novos cheques passados para Atenas.
Para complicar o
cenário, que parece decalcado do que se vivia há um ano, em Julho a
Grécia terá de pagar 2,2 mil milhões de euros relativos a títulos
de dívida seus que estão em posse do Banco Central Europeu.
A "bola"
permanece no parlamento grego
O pedido de Tsipras
para uma cimeira extraordinária foi, porém, hoje mesmo rejeitado
por Donald Tusk. O presidente do Conselho Europeu (órgão máximo da
União Europeia, que reúne os líderes dos 28 Estados-membros)
concorda que é preciso negociar com rapidez e intensidade para
dissipar incertezas sobre o rumo país, mas que é preciso fazê-lo
ao nível mais técnico – das equipas dos credores (que se queixam
de atrasos crónicos na implementação das decisões) e do Eurogrupo
que exige avanços reais, ou seja, acordos e compromissos passados no
parlamento grego, onde Tsipras enfrenta o risco de perder o apoio de
12 deputados e até de três ministros, segundo informava esta manhã
a Star TV.
Com uma frágil
maioria de 153 deputados aliados num universo de 300, a coligação
Syriza/Anel corre o risco de morrer às mãos de dissidentes das suas
bancadas, tal como sucedeu há menos de um ano. Perante o agravamento
da incerteza, a Bolsa grega esteve hoje a cair quase 5%.
Credores não
acreditam nas contas de Atenas. Querem plano B
Os chefes de missão
da troika regressaram à Grécia no passado fim de semana com o
objectivo de concluir a primeira revisão do terceiro programa de
ajustamento o mais depressa possível, na sequência das discussões
na reunião informal do Eurogrupo, em Amesterdão.
Nessa reunião
informal de ministros das Finanças da zona euro tinha já sido
afirmada a possibilidade de um novo encontro – o próximo regular
do Eurogrupo está agendado para 24 de Maio - caso fosse possível um
acordo com a Grécia, no âmbito da primeira revisão do programa de
ajustamento macroeconómico.
Na base está um
problema crónico de implementação do acordado, sobretudo no que
respeita à reforma do sistema pensionista e da legislação fiscal,
com os credores – em particular o FMI – a exigirem, desde já,
que Atenas aprove um plano B no parlamento para garantir que, em
2018, terá um excedente primário de 3,5% do PIB que dispensará o
país de mais empréstimos da comunidade internacional.
Atenas dedica o
equivalente a 10% do seu PIB ao financiamento das pensões, o que
compara com uma média europeia de 2,5% – uma "generosidade
inexequível", avisa há muito o FMI. Por outro lado, abolir
isenções e taxas reduzidas para armadores, agricultores e igreja
ortodoxa continua a ser um tremendo quebra-cabeças para qualquer
governo – e, nestes anos de crise, o país já foi governado por
gente de praticamente todo o espectro político, da extrema-esquerda
à extrema-direita, actualmente juntas no Executivo.
Perante a
incapacidade de mexer em rubricas que tocam em grupos com grande
capacidade de contestação e de paralisar o país, o governo de
Atenas estará a ponderar voltar a subir a taxa normal do IVA de 23%
para 24%, tentando, desde modo, angariar receita que permita reduzir
a parcela do défice que a troika queria ver eliminada com cortes da
despesa.
Segundo o jornal To
Vima, a taxa do imposto deverá subir a partir de Julho e a
expectativa é que gere cerca de 500 milhões de euros anuais de
receitas adicionais. Escreve a Lusa que, com esta medida, o Governo
pretende compensar o 'buraco' equivalente a 1% do PIB nos Orçamentos
do Estado de 2017 e 2018 resultante, segundo os credores, das
decisões do ano passado de não subir o IVA de 13% para 23% na
factura da água e da luz e de limitar a subida do IVA das escolas
privadas.
Esta já tradicional
medida de recurso para tapar o buraco das contas do Estado poderá,
no entanto, revelar-se insuficiente para que Atenas conclua com
sucesso a primeira avaliação deste terceiro resgate. E sem uma
primeira avaliação "bem sucedida" (que deveria ter
acontecido ainda em 2015) não avança a promessa europeia de voltar
a esticar os prazos de carência (actualmente fixados em dez anos) e
de amortização (30 anos) da pesada dívida pública grega. E sem
isso, o FMI diz que não poderá participar no financiamento deste
novo resgate, por considerar que, nas actuais condições, a dívida
grega, a caminho dos 200% do PIB, é "altamente insustentável".
Sucede que a
Alemanha quer o FMI a plenamente bordo também deste terceiro resgate
– ou seja, activo a fazer recomendações técnicas, como está,
mas também a passar cheques para Atenas. Foi essa a promessa que
Angela Merkel e Wolfgang Schäuble fizeram ao seu parlamento (e ao
próprio partido) para voltar a financiar o Estado grego.
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