sexta-feira, 29 de abril de 2016

Lisboa: Turismo, Lei das Rendas e Gentrificação - um Problema de Habitação


Lisboa: Turismo, Lei das Rendas e Gentrificação - um Problema de Habitação

Nos últimos anos assistimos a brutais aumentos nos preços do arrendamento e compra de casa no centro histórico de Lisboa. A subida do valor do imobiliário foi de 12,5% em 2013 e 22,3% em 2015, o que totaliza (já descontando o recuo de 1,3% de 2014) um aumento de 33,5% em 3 anos.
Em tempo de crise, com o rendimento dos habitantes e trabalhadores da cidade a manter-se ou diminuir, esta subida de preços resulta, obviamente, da pressão exercida pelo turismo e novos habitantes de luxo, estes últimos, atraídos pelas leis do anterior governo.
Basta abrir o site de qualquer imobiliária para perceber o absurdo a que chegaram os valores de arrendamento e compra, num país em que o salário mínimo é de 530€: com menos de 600€ dificilmente se aluga um T1 e com menos de 200mil€ é quase impossível comprar um T2. Enfrentamos um grave problema de acesso à habitação nos bairros históricos, e não só, com os moradores a serem pressionadas a sairem das suas casas, contratos a não serem renovados ou subidas de preços impossíveis de pagar. O centro da cidade está a transformar-se num lugar esvaziado de habitantes permanentes, de Lisboetas (no sentido que Serge Trefaut, não confundir com portugueses).
Noutras cidades, há mais tempo a lidar com o assunto, os executivos tomaram medidas de proteção à habitação. Em Lisboa o poder politico, Governo e Cml, alegra-se com o dinheiro que o turismo faz circular e demitem-se de qualquer responsabilidade nos efeitos colaterais. Foi o mesmo que (não) se fez em Veneza, onde a população diminui para metade, de 120mil para 55mil, nos últimos 30 anos. Alguns cientistas sociais preveem que em 2030 Veneza não terá qualquer habitante permanente.
Enquanto só se falava de crise foi fácil fazer passar as repercussões do turismo como problemas menores. Agora que esse discursos de sentido único acalmou, e que a classe média (que só parece mexer-se quando os problemas lhe tocam directamente) percebeu que os preços subiram de tal maneira que já não vai poder comprar casa no centro da cidade, talvez possamos começar a discutir e agir.
O centro histórico de Lisboa sempre foi um território partilhado por diferentes classes sociais. É certo que os mais ricos viviam em casas maiores do que os mais pobres, é certo que alguns bairros tinham zonas melhores que outras e também é sabido que o congelamento das rendas, do tempo do estado novo, muitas vezes criou situações anacrónicas. Mas concretamente o que tínhamos, até há poucos anos, era uma situação única para uma capital: um espaço público partilhado. Hoje caminhamos para um modelo de cidade (já temos?) exclusiva dos turistas e dos muito ricos. E para aqueles que acham que isto era inevitável, porque aconteceu em todas as capitais, é exactamente por sabermos que aconteceu, e como aconteceu, que não era de todo (não é?) inevitável. E para os outros que acham que isto é um assunto do centro histórico e dos seus moradores, lembrem-se que estas pessoas, que são empurradas para fora dos bairros históricos, têm que ir para algum lado e, naturalmente, então a fixar-se noutros lugares, onde os preços também estão a subir.
Qual é o mal das pessoas saírem do centro? bom o centro não é melhor ou pior que bairros menos centrais, mas é ai que muitas pessoas viveram um vida inteira e outros tantos escolheram para viver, falo de direito ao lugar. Isto já para não entrar noutras questões de direito à cidade, e do centro como lugar de poder simbólico.
Em 2014 tivemos uma média diária de 42mil dormidas de turistas. A cidade tem cerca de 500mil habitantes. Com o número de turistas sempre a subir, poderemos calcular que em 2015 os turistas corresponderam a uma aumento de cerca de 10% da "população" da cidade. Se como sabemos estas pessoas preferem ficar no centro histórico, então isto significa uma enorme pressão sobre estas zonas.
Mas se a origem do problema é o turismo, são as opções politicas recentes, expressas na legislação ( como a nova lei das rendas, dos reformados e visto gold), e a falta dela (na imposição de limite licenças para hotéis e alojamento local), que estão a deixar a cidade entregue a si própria.
Lei das Rendas
A nova lei das rendas permite que um proprietário despeje os seus inquilinos, alegando obras estruturais , apenas tendo que lhe pagar um ano de rendas como indeminização. Isto quer dizer que qualquer fundo de investimento ou banco, pequeno ou grande proprietário, pode pegar no seu prédio ou apartamento e, após fazer obras, transforma-lo num hotel, hostel ou apartamento(s) turístico: habitantes permanentes saem, entram os turistas. É esta lei que permite que tantos investidores nacionais e internacionais comprem prédios, quarteirões, bairros e os transformem de um dia para o outro em hotéis, aparthotéis, apartamentos turísticos ou hostels. A CML, como é sabido, tem um política sem restrições à emissão de licenças a unidades hoteleiras e alojamento local. O presidente Fernando Medina e o Vereador Manuel Salgado, declararam por várias vezes, que a cml não vai restringir licenças ou o turismo, dizendo inclusive que isso não é da sua competência. O discurso tornou-se mais vago nos últimos meses mas, medidas concretas, nada.
Alojamento Turístico
Neste momento existem 12mil casas em Lisboa listadas só no site Airbnb, o que leva a crer que serão mais. De onde vêm estas casas? Grande parte destas habitações saíram do mercado de arrendamento permanente. Se não 12mil alguns bons milhares delas.
Inicialmente sites como o airbnb tinham como objectivo por em contacto habitantes que queriam alugar temporariamente a sua casa ou um quarto a visitantes e turistas, criando uma rede de turismo "sustentável". Hoje a grande maioria destas casas são concebidas especialmente para serem alugadas. Muitas alugadas aos proprietários e depois sub-alugadas a turistas, outras pertencem a pequenos proprietários que com a crise largaram a sua habitação permanente para equilibrar as contas e, outras tantas, cada vez mais, são de grandes proprietários e investidores . O governo anterior fixou o imposto sobre este tipo de arrendamento em valores muito mais baixos do que o imposto sobre arrendamento permanente, ou seja, não só é mais rentável alugar a turistas como se paga menos impostos.
Exemplos de formas de lidar com o problema noutras cidades? em Paris só se pode alugar a habitação primeira e própria, por um máximo de 120/ano, em São Francisco são 70dias; Em Barcelona suspenderam-se novas licenças e aos "empresários" não legais, deu-se a opção de pagar a multa na totalidade, ou parcialmente se colocassem a sua propriedade em regime de habitação social por 3 anos. Não sei se estas são as soluções para Lisboa, talvez sejam demasiado radicais para um pais pobre e em crise. Talvez o limite de casa(s) por proprietário possa ser uma solução, não sei, existem várias opções, mas temos de começar a discutir a realidade e possíveis opções.
Reformados Gold
O Governo anterior fez passar uma lei em que qualquer reformado europeu que ganhe 2000€, ou mais, de reforma e tenha a sua 1ª morada em Portugal, não paga impostos durante pelo menos 10 anos. Só em 2014 e para se perceber que a dimensão não é pequena, 7mil franceses (são os dados que consegui, alguém tem o total?) fixaram-se em Portugal através desta lei. Em que é que isto se reflete nos preços da habitação? temos um enorme quantidade de reformados com poder de compra muito acima da média portuguesa (que é cerca de 1000€/mês) a comprar e arrendarem casas. Para muitas destas pessoas casas de 400 ou 500mil euros são acessíveis ou mesmo baratas, arrendar por 1500€ é um bom preço. O centro histórico da capital é um dos lugares eleitos e, claro, os preços sobem imediatamente. A lei também diz que para beneficiar da isenção os reformados apenas têm que permanecer em território nacional cerca de 180 dias por ano ou apenas "possuir uma habitação com a intenção de a manter como residência habitual". Fica tudo bastante em aberto, o que faz com que estes reformados, quando cá não estão, que pode ser a maioria do ano, aluguem as suas casas a turistas. Ao pé destes números os vistos gold são uma brincadeira com 2788 vistos emitidos até dezembro de 2015, o que não quer dizer que também não estejam a contribuir para o problema. Os 500mil/€ que um visto gold tem que investir em imobiliário pode ser tudo numa propriedade ou repartido. Muitos estão a comprar prédios que seguidamente alugam a turistas. No meio disto tudo já exsitem fundos de imobiliário a vender casas com opção de, eles mesmos, tratarem do seu aluguer a turistas (ver fotografia)
Uma cidade é feita de muitas coisas, mas nunca pode ser feita maioritariamente por turistas, a isso chama-se um parque temático. Também não é o seu edificado que a define como cidade, por muito bonitinho e recuperado que esteja, veja-se os exemplos de bem perto em Óbidos ou mais longe de Veneza.

Uma cidade planeia-se e deve ser discutida e feita com os seus habitantes. Está na hora de pensarmos que cidade queremos; de pensarmos a habitação como um problema colectivo e não individual, revindicarmos o seu direito, acesso e protecção, e de pressionarmos a sério a CML e o Governo. De preferência antes que a cidade já não tenha moradores suficientes.

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