Lisboa:
Turismo, Lei das Rendas e Gentrificação - um Problema de Habitação
Nos últimos anos
assistimos a brutais aumentos nos preços do arrendamento e compra de
casa no centro histórico de Lisboa. A subida do valor do imobiliário
foi de 12,5% em 2013 e 22,3% em 2015, o que totaliza (já descontando
o recuo de 1,3% de 2014) um aumento de 33,5% em 3 anos.
Em tempo de crise,
com o rendimento dos habitantes e trabalhadores da cidade a manter-se
ou diminuir, esta subida de preços resulta, obviamente, da pressão
exercida pelo turismo e novos habitantes de luxo, estes últimos,
atraídos pelas leis do anterior governo.
Basta abrir o site
de qualquer imobiliária para perceber o absurdo a que chegaram os
valores de arrendamento e compra, num país em que o salário mínimo
é de 530€: com menos de 600€ dificilmente se aluga um T1 e com
menos de 200mil€ é quase impossível comprar um T2. Enfrentamos um
grave problema de acesso à habitação nos bairros históricos, e
não só, com os moradores a serem pressionadas a sairem das suas
casas, contratos a não serem renovados ou subidas de preços
impossíveis de pagar. O centro da cidade está a transformar-se num
lugar esvaziado de habitantes permanentes, de Lisboetas (no sentido
que Serge Trefaut, não confundir com portugueses).
Noutras cidades, há
mais tempo a lidar com o assunto, os executivos tomaram medidas de
proteção à habitação. Em Lisboa o poder politico, Governo e Cml,
alegra-se com o dinheiro que o turismo faz circular e demitem-se de
qualquer responsabilidade nos efeitos colaterais. Foi o mesmo que
(não) se fez em Veneza, onde a população diminui para metade, de
120mil para 55mil, nos últimos 30 anos. Alguns cientistas sociais
preveem que em 2030 Veneza não terá qualquer habitante permanente.
Enquanto só se
falava de crise foi fácil fazer passar as repercussões do turismo
como problemas menores. Agora que esse discursos de sentido único
acalmou, e que a classe média (que só parece mexer-se quando os
problemas lhe tocam directamente) percebeu que os preços subiram de
tal maneira que já não vai poder comprar casa no centro da cidade,
talvez possamos começar a discutir e agir.
O centro histórico
de Lisboa sempre foi um território partilhado por diferentes classes
sociais. É certo que os mais ricos viviam em casas maiores do que os
mais pobres, é certo que alguns bairros tinham zonas melhores que
outras e também é sabido que o congelamento das rendas, do tempo do
estado novo, muitas vezes criou situações anacrónicas. Mas
concretamente o que tínhamos, até há poucos anos, era uma situação
única para uma capital: um espaço público partilhado. Hoje
caminhamos para um modelo de cidade (já temos?) exclusiva dos
turistas e dos muito ricos. E para aqueles que acham que isto era
inevitável, porque aconteceu em todas as capitais, é exactamente
por sabermos que aconteceu, e como aconteceu, que não era de todo
(não é?) inevitável. E para os outros que acham que isto é um
assunto do centro histórico e dos seus moradores, lembrem-se que
estas pessoas, que são empurradas para fora dos bairros históricos,
têm que ir para algum lado e, naturalmente, então a fixar-se
noutros lugares, onde os preços também estão a subir.
Qual é o mal das
pessoas saírem do centro? bom o centro não é melhor ou pior que
bairros menos centrais, mas é ai que muitas pessoas viveram um vida
inteira e outros tantos escolheram para viver, falo de direito ao
lugar. Isto já para não entrar noutras questões de direito à
cidade, e do centro como lugar de poder simbólico.
Em 2014 tivemos uma
média diária de 42mil dormidas de turistas. A cidade tem cerca de
500mil habitantes. Com o número de turistas sempre a subir,
poderemos calcular que em 2015 os turistas corresponderam a uma
aumento de cerca de 10% da "população" da cidade. Se como
sabemos estas pessoas preferem ficar no centro histórico, então
isto significa uma enorme pressão sobre estas zonas.
Mas se a origem do
problema é o turismo, são as opções politicas recentes, expressas
na legislação ( como a nova lei das rendas, dos reformados e visto
gold), e a falta dela (na imposição de limite licenças para hotéis
e alojamento local), que estão a deixar a cidade entregue a si
própria.
Lei das Rendas
A nova lei das
rendas permite que um proprietário despeje os seus inquilinos,
alegando obras estruturais , apenas tendo que lhe pagar um ano de
rendas como indeminização. Isto quer dizer que qualquer fundo de
investimento ou banco, pequeno ou grande proprietário, pode pegar no
seu prédio ou apartamento e, após fazer obras, transforma-lo num
hotel, hostel ou apartamento(s) turístico: habitantes permanentes
saem, entram os turistas. É esta lei que permite que tantos
investidores nacionais e internacionais comprem prédios,
quarteirões, bairros e os transformem de um dia para o outro em
hotéis, aparthotéis, apartamentos turísticos ou hostels. A CML,
como é sabido, tem um política sem restrições à emissão de
licenças a unidades hoteleiras e alojamento local. O presidente
Fernando Medina e o Vereador Manuel Salgado, declararam por várias
vezes, que a cml não vai restringir licenças ou o turismo, dizendo
inclusive que isso não é da sua competência. O discurso tornou-se
mais vago nos últimos meses mas, medidas concretas, nada.
Alojamento Turístico
Neste momento
existem 12mil casas em Lisboa listadas só no site Airbnb, o que leva
a crer que serão mais. De onde vêm estas casas? Grande parte destas
habitações saíram do mercado de arrendamento permanente. Se não
12mil alguns bons milhares delas.
Inicialmente sites
como o airbnb tinham como objectivo por em contacto habitantes que
queriam alugar temporariamente a sua casa ou um quarto a visitantes e
turistas, criando uma rede de turismo "sustentável". Hoje
a grande maioria destas casas são concebidas especialmente para
serem alugadas. Muitas alugadas aos proprietários e depois
sub-alugadas a turistas, outras pertencem a pequenos proprietários
que com a crise largaram a sua habitação permanente para equilibrar
as contas e, outras tantas, cada vez mais, são de grandes
proprietários e investidores . O governo anterior fixou o imposto
sobre este tipo de arrendamento em valores muito mais baixos do que o
imposto sobre arrendamento permanente, ou seja, não só é mais
rentável alugar a turistas como se paga menos impostos.
Exemplos de formas
de lidar com o problema noutras cidades? em Paris só se pode alugar
a habitação primeira e própria, por um máximo de 120/ano, em São
Francisco são 70dias; Em Barcelona suspenderam-se novas licenças e
aos "empresários" não legais, deu-se a opção de pagar a
multa na totalidade, ou parcialmente se colocassem a sua propriedade
em regime de habitação social por 3 anos. Não sei se estas são as
soluções para Lisboa, talvez sejam demasiado radicais para um pais
pobre e em crise. Talvez o limite de casa(s) por proprietário possa
ser uma solução, não sei, existem várias opções, mas temos de
começar a discutir a realidade e possíveis opções.
Reformados Gold
O Governo anterior
fez passar uma lei em que qualquer reformado europeu que ganhe 2000€,
ou mais, de reforma e tenha a sua 1ª morada em Portugal, não paga
impostos durante pelo menos 10 anos. Só em 2014 e para se perceber
que a dimensão não é pequena, 7mil franceses (são os dados que
consegui, alguém tem o total?) fixaram-se em Portugal através desta
lei. Em que é que isto se reflete nos preços da habitação? temos
um enorme quantidade de reformados com poder de compra muito acima da
média portuguesa (que é cerca de 1000€/mês) a comprar e
arrendarem casas. Para muitas destas pessoas casas de 400 ou 500mil
euros são acessíveis ou mesmo baratas, arrendar por 1500€ é um
bom preço. O centro histórico da capital é um dos lugares eleitos
e, claro, os preços sobem imediatamente. A lei também diz que para
beneficiar da isenção os reformados apenas têm que permanecer em
território nacional cerca de 180 dias por ano ou apenas "possuir
uma habitação com a intenção de a manter como residência
habitual". Fica tudo bastante em aberto, o que faz com que estes
reformados, quando cá não estão, que pode ser a maioria do ano,
aluguem as suas casas a turistas. Ao pé destes números os vistos
gold são uma brincadeira com 2788 vistos emitidos até dezembro de
2015, o que não quer dizer que também não estejam a contribuir
para o problema. Os 500mil/€ que um visto gold tem que investir em
imobiliário pode ser tudo numa propriedade ou repartido. Muitos
estão a comprar prédios que seguidamente alugam a turistas. No meio
disto tudo já exsitem fundos de imobiliário a vender casas com
opção de, eles mesmos, tratarem do seu aluguer a turistas (ver
fotografia)
Uma cidade é feita
de muitas coisas, mas nunca pode ser feita maioritariamente por
turistas, a isso chama-se um parque temático. Também não é o seu
edificado que a define como cidade, por muito bonitinho e recuperado
que esteja, veja-se os exemplos de bem perto em Óbidos ou mais longe
de Veneza.
Uma cidade
planeia-se e deve ser discutida e feita com os seus habitantes. Está
na hora de pensarmos que cidade queremos; de pensarmos a habitação
como um problema colectivo e não individual, revindicarmos o seu
direito, acesso e protecção, e de pressionarmos a sério a CML e o
Governo. De preferência antes que a cidade já não tenha moradores
suficientes.
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