"Estranho
silêncio dos banqueiros face aos ataques ao Banco de Portugal"
PAULO PENA
23/04/2016 - PÚBLICO
Luís
Marques Guedes, vice-presidente da Comissão de Inquérito ao Banif,
aponta erros de Mário Centeno e defende Carlos Costa e o Governo
anterior, que integrou: “Recapitalizar foi uma decisão óbvia, de
bom senso.”
O deputado do PSD,
que tem assumido o papel principal do seu partido na comissão que
investiga as razões para o falhanço do Banif, explica por que razão
acredita que o ministro das Finanças prestou declarações “falsas”
na sua primeira audição. E dá a sua própria visão sobre os três
anos em que a situação do banco esteve sob escrutínio apertado de
Bruxelas e foi, na prática, nacionalizado pelo Governo que Marques
Guedes integrou, com a pasta da Presidência do Conselho de
Ministros. Desta vez, ao contrário do BES, não parece possível
que os deputados se ponham de acordo sobre conclusões pacíficas. E
não é por coincidência que nesta entrevista se acaba a falar de
“tensão” e polarização entre partidos…
Está pessoalmente
convencido de que Mário Centeno mentiu na Comissão de Inquérito?
Para mim há uma
questão central e de princípio. As comissões de inquérito, à
face da lei, dispõem de poderes excepcionais, equivalentes aos das
autoridades judiciárias, e os testemunhos que são prestados seguem
as regras do processo penais. É óbvio que as comissões de
inquérito se têm de dar ao respeito para poderem ser respeitadas.
Isso implica que nos depoimentos não seja possível tentar
mistificar-se, esconder-se, falsear-se a verdade. Acho que foi isso
que se passou.
Mas está
convencido de que houve uma mentira?
Ficou claro que
Mário Centeno, depois de confrontado com um documento que deixava
preto no branco a existência de um contacto dele com a presidente do
Mecanismo Único de Supervisão, que ele tinha veementemente negado
no primeiro depoimento...
... Não tinha
negado o contacto, tinha negado a intenção de favorecer...
Peço desculpa, mas
tinha negado o contacto. Essa é a tentativa de spin que é feita
pelo próprio para escamotear. Mas é evidente para toda a gente. O
que Mário Centeno tentou fazer crer à comissão foi que não só
não tinha havido nenhum contacto, como que até tinha ficado muito
surpreendido.
O PSD alertou o
Ministério Público para necessidade de averiguar se houve um crime
público. Vão até às últimas consequências?
O PSD não tem mais
nada a fazer. Tratando-se de um crime público, nós vivemos num
Estado de Direito, a responsabilidade recai exclusivamente sobre o
MP, que fará como entender. As gravações dos depoimentos valem por
si. Se as comissões de inquérito aceitarem que qualquer pessoa pode
lá ir dizer aquilo que lhe apetece, tentar falsear a verdade e ficar
impune, então não servem para nada. Foi por isso que quisemos
realçar este facto.
Indo aos factos: o
ministro, na primeira audição, assume que esteve em permanente
contacto com o BCE nos dias anteriores à resolução do Banif. Isso
não retira parte do argumento de que ele negou contactos?
Peço desculpa. O
PSD tinha já a informação de que teria havido um contacto directo
com o BCE, na sexta-feira, 18 [Dezembro, 2015], no sentido de se
interceder pela proposta do Santander. E isso foi perguntado
directamente a Mário Centeno.
De cinco maneiras
diferentes...
E Mário Centeno
negou sempre veementemente, repetidamente, que isso tivesse
acontecido. Enviando até nos dias seguintes um mail para a comissão
dizendo que os contactos que tinha tido com o BCE se resumiam a dia 3
e a 17 de Dezembro, escamoteando mais uma vez nesse documento que no
dia 18 tivesse tido esse contacto.
A acta da reunião
diz que a primeira pergunta do PSD ao ministro foi: "Alguma vez
fez alguma diligência para promover a solução Santander?"
Resposta: "Eu, pessoalmente?" PSD: "Sim."
Ministro: "Eu nunca intervim no processo de venda nessa dimensão
que, acho eu, está a sugerir." O que o ministro parece estar a
negar não é o contacto, é ter promovido a venda ao Santander. Não
é assim que lê esta resposta?
Claro que não. O
ministro tentou claramente escamotear. Negou que tivesse feito
qualquer contacto. Podia ter vindo à comissão, na segunda vez,
alegar que o documento era forjado. O documento diz, preto no branco,
que o ministro das Finanças e Vítor Constâncio ligaram para pedir
para desbloquear a proposta do Santander junto da Comissão Europeia.
Foi isto que Centeno negou.
Nas perguntas, o PSD
quis saber se o ministro persuadiu, ou pediu uma prioridade máxima,
ou convenceu as autoridades europeias a aceitar a proposta do
Santander "excluindo todas as outras". Foram estas as
perguntas. Não foi feita a pergunta: "Telefonou ao BCE no dia
18?"... Não acha que há aqui uma margem para interpretação?
Com toda a
franqueza, acho que a pergunta foi clara, directa e incisiva. Toda a
gente percebe que Mário Centeno tentou direccionar no sentido errado
a comissão. Isto são factos.
Mas o PSD, na última
audição, registou publicamente que o ministro se "retratou"...
Retratou-se porque
reconheceu o contacto. Mas reiterou tudo aquilo que tinha dito da
última vez, o que acho espantoso.
Façamos o exercício
ao contrário: Se lhe perguntar se a intenção do PSD é fragilizar
o ministro, a sua resposta será “não”. E não é
necessariamente uma mentira...
O que o PSD pretende
é que a comissão parlamentar de inquérito seja respeitada. Uma CPI
não é um local onde as pessoas vão fazer política, ou dar uma
opinião.
Mas nega que haja
uma intenção política nesta acusação a Mário Centeno?
Fosse com o
ministro, ou com qualquer outros dos inquiridos até ao momento, a
única intenção que está aqui presente é evitar que qualquer
pessoa possa lá ir e dizer o que lhe apetece. Isso não pode
acontecer.
O governador do
Banco de Portugal não revelou à comissão que foi ao BCE pedir uma
limitação para a liquidez do Banif, quatro dias antes da resolução.
Do seu ponto de vista isso também é uma falha?
Não vi que o
governador tenha faltado à verdade.
Mas não disse tudo
o que sabia...
Não dizer tudo não
é faltar à verdade.
António Varela,
ex-administrador do Banco de Portugal, disse à comissão que teve
uma reunião no BCE onde ficou em aberto uma solução para o Banif -
a do "banco de transição". Mas há documentos que mostram
que antes dessa reunião, Varela foi informado de que isso não era
uma opção.
O que António
Varela disse no seu depoimento foi que se esforçou por evitar que
essa ideia se transformasse em decisão definitiva.
Mas a decisão era
definitiva, já na véspera...
O que está a
tentar, julgo eu, é mostrar que António Varela prestou um
depoimento falso?
Não. Estou a tentar
mostrar que há uma interpretação a fazer sobre os depoimentos que
vai além do "verdadeiro" ou "falso"...
Percebo
perfeitamente o que me está a dizer. Mas há duas coisas diferentes.
Mário Centeno pode arguir que a sua intervenção não serviu para
desbloquear a proposta do Santander - que é o que está no mail,
preto no branco. E isso será a versão dele versus a versão de
Danièle Nouy. Isso será a palavra dele contra a palavra dela. A
comissão ainda não teve oportunidade de ouvir a versão dela. Não
posso fazer esse desempate.
Com isso, o PSD já
tem uma forte convicção de que o Governo entregou o Banif ao
Santander de uma forma pouco transparente?
Não. Eu não me
precipito nas conclusões. Neste momento, o que sabemos é que nos
tinha sido escamoteada uma interferência em favor de determinada
proposta. Mas ainda precisamos de mais peças do puzzle.
De todas as decisões
que foram tomadas, o PSD parece já ter absolvido o Governador do
Banco de Portugal...
Não. Essa é uma
conclusão sua. Não estamos a absolver ninguém. Estamos a apurar
factos. Há que ser intelectualmente sério e honesto. Aliás,
estranho o silêncio dos banqueiros portugueses face a estes ataques
descabelados por parte do Governo que têm sido feitos nas últimas
semanas ao Banco de Portugal, que é o garante da estabilidade
financeira. Mas parece que entretanto o Governo já recolheu as unhas
e já pararam esses ataques.
Na semana decisiva
para o Banif, a maior parte das decisões foi tomada pelo Banco de
Portugal: a limitação da liquidez, que veio a ditar a possível
suspensão do estatuto de contraparte do banco no BCE, a decisão da
resolução e a própria venda, que também foi gerida pelo
regulador. Não acha que o Banco de Portugal é a entidade que mais
explicações tem a dar?
É óbvio, e isso
resulta das regras, que a entidade de resolução é o Banco de
Portugal. O que se começa a perceber pelos depoimentos é que houve
um claro aproveitamento, por parte das autoridades europeias, da
crise política gerada pelo facto de ter constituído uma maioria
aritmética na Assembleia da República que deitou abaixo o Governo
da força maioritária que tinha ganho as eleições. Objectivamente,
o Banif, ao longo de 2015, teve sempre situações de liquidez que
não punham em causa a continuidade do banco.
A Comissão Europeia
andava há muito tempo a exigir uma solução...
A interacção para
se fechar o plano de reestruturação não foi muito diferente da de
outros casos.
Mas o Banif estava
em incumprimento com o Estado desde Dezembro de 2014...
Porque o Banco de
Portugal entendeu que não podia pagar. E as autoridades europeias
aceitaram.
Mesmo a
recapitalização pública de 2012 ainda não tinha sido considerada
legal por Bruxelas...
Porque estava
condicionada ao plano de reestruturação. Até às eleições, a
situação do banco foi sempre de liquidez positiva. O problema
coloca-se depois.
A ministra Maria
Luís Albuquerque tentou substituir a administração do banco no
início do ano passado, apesar dos bons resultados?
Se quer que lhe
diga, acho que obviamente que estes três anos também não foram
isentos de falhas. No início de 2015, quando mudou o responsável
por esta área na Comissão, aumentou a pressão sobre o Estado, e
houve a intenção do Governo de alterar a administração para com
isso atingir o resultado. E aí falhou. A segunda falha é a crise
política.
Concorda com Vítor
Gaspar que há uma falha original, no momento da recapitalização?
A recapitalização
foi a pior decisão, excepto todas as outras.
Mas a Comissão
Europeia tinha dúvidas sobre a viabilidade do banco...
Havia, se quiser, um
braço de ferro. O Governo ia contrariando sucessivamente, ao longo
de três anos. Depois, num mês, há uma capitulação, ainda por
cima de quem se dizia que ia bater o pé na Europa.
Não lhe parece que
essa é uma versão muito parcial da história?
Eu estou a ser
factual.
Antes das eleições,
a Comissão abriu uma "investigação especial" para
decidir se o auxílio do Estado era legal.
Não chega a 2% o
número de casos em que essas investigações aprofundadas têm
consequências. Quando foi a transição de Governo, estava acertado
com a Comissão que o prazo para a venda era Março de 2016. Era isto
que existia antes de haver uma crise política.
Ainda antes de haver
mudança de Governo, o Banco de Portugal passou a defender a
resolução.
Isso não é
verdade. Já estávamos em crise política.
Foi a mudança
política que fez com que o Banco de Portugal reconsiderasse a
viabilidade do Banif?
Não sou eu que
estou a dizer isso... Estou a situar os factos.
Ao atestar a
viabilidade do Banif em 2012, que nunca chegou a ser comprovada, não
acha que o regulador deu informações pouco sustentadas?
E o que é que se
fazia? Liquidava-se o banco? O ano de 2012 foi o pior da recessão. É
como fazer o totobola à segunda-feira. Recapitalizar foi uma decisão
óbvia, de bom senso. A suposta inviabilidade do banco é desmentida
pelos factos. Afinal, foi num período em que se acusava as
autoridades nacionais de serem o "bom aluno" face a
Bruxelas que foi possível manter, permanentemente, uma interacção
e nunca deixar cair o banco abaixo dos níveis. E o banco operou com
toda a normalidade. Depois foram aqueles que queriam bater o pé a
Bruxelas, que em menos de um mês capitularam.
Acha mesmo que há
um contraste entre formas de defender o interesse nacional baseado na
cor política?
Não. Não venha
falar em cores políticas. Há um contraste manifesto.
Pergunto-lhe isto
porque o ouvi contextualizar a decisão do Banco de Portugal, mas não
fez o mesmo em relação ao Governo. Na semana final, foi o BCE que
impediu que houvesse um banco de transição e exigiu que houvesse
uma resolução seguida de venda antes do dia 21...
E onde é que houve
o bater do pé do Governo português relativamente a essas decisões?
Em relação ao banco de transição?
O Governo português
não tem assento no BCE...
Junto das
autoridades europeias! Da mesma forma que há um telefonema para
interceder pela venda onde e que está essa interferência em relação
ao banco de transição?
Quando o Governo
anterior participou na resolução do BES, a oposição não reagiu
desta forma. Até porque as decisões importantes escapam às
autoridades políticas nacionais. Não acha mais útil para a
descoberta da verdade que a comissão de inquérito funcionasse mais
como funcionou a do BES?
Estou totalmente de
acordo consigo. Mas para isso é preciso que as pessoas ouvidas na
comissão não faltem à verdade. A declaração inicial do ministro
das Finanças na comissão de inquérito é, do princípio ao fim, a
atirar culpas para o Governo anterior.
Ouviu com certeza
dois ex-líderes do PSD, Luís Marques Mendes e Manuela Ferreira
Leite, falarem sobre o Banif. Marques Mendes acusou o Governo de
Passos Coelho de ter arrastado a solução por eleitoralismo.
Essas opiniões são
de comentadores e não passam disso, são opiniões. E eu não vou
comentar comentários.
Olhando para fora. O
debate político, em Portugal, no Brasil, nos EUA, em Espanha, parece
mais polarizado, mais entrincheirado. Não acha que isso pode afastar
os cidadãos?
Nas sociedades
democráticas, o confronto de opiniões e a busca de compromissos têm
de ser um processo permanente. Há momentos em que é mais fácil, há
outros em que não é assim. E criam-se tensões que, desde que sejam
resolvidas dentro das regras da democracia, não são necessariamente
um drama.
Esta fase, em
Portugal, é de tensão?
Houve
necessariamente uma tensão provocada pela maioria socialista e
comunista a seguir às eleições de Outubro. Acho que neste momento,
o próprio PSD já foi muito claro no seu último congresso em
relação a isso. O período de tensão, e de alguma incompreensão,
está constitucionalmente ultrapassado. O que há é uma maioria
socialista e comunista que governa o país, e uma oposição. A cada
um cabe democraticamente exercer a sua função.
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