"A questão
da “Europa”, não a Europa, mas aquilo a que hoje chamamos
Europa, é a mais grave que Portugal defronta. Começa porque a
soberania nacional está seriamente diminuída em aspectos cruciais
para a independência de um país. O nosso parlamento está castrado
de poderes orçamentais e muito do governo do país é feito de fora,
pelo BCE e pela Comissão Europeia, em particular pelo Eurogrupo."
JOSÉ PACHECO
PEREIRA
Destinos
JOSÉ PACHECO
PEREIRA 25/04/2016 - PÚBLICO
A
questão da “Europa”, não a Europa, mas aquilo a que hoje
chamamos Europa, é a mais grave que Portugal defronta.
Não sou muito da
escola dos “projectos nacionais”, que regularmente pergunta qual
é o destino nacional, ou que critica o défice desse “projecto”.
Entendo que, na maioria das vezes, se trata de uma espécie de
redacção mais ou menos laboriosa sobre o “destino” de Portugal,
de que não resulta senão uma série de desejos ideológicos ou
truísmos vulgares. Para além do mais, sempre pensei que a história
não só não tem direcção, como é, na sua essência, imprevisível
e, por isso mesmo é, na melhor das hipóteses, inútil.
Mas percebo a
tentação de o fazer. Há momentos em que uma espécie de estagnação
parece atingir-nos e em que apetece perguntar: mas para onde é que
isto vai? quando parece que não vai para lado nenhum. Tenho
consciência de que a melhor resposta é “sei lá!”, fugindo da
infeliz tentativa de responder à pergunta doutra maneira. Mas, no
fundo, para que servem as tentações que não seja para nelas cair…
A gente olha para o
nosso país - e eu olho para a minha “pátria amada” – e vê
como essa estagnação antecede uma tempestade, e não gosta do que
vê. E não gosta do que se espera. Olhamos para o nosso espelho
moderno, a comunicação social, e vemo-la nestes dias morna e
superficial como habitualmente. É verdade que vive sempre no tempo
presente, sem ontem e sem amanhã e, nesse excessivo presente procura
a “novidade” que não encontra, entrando por isso num processo
bipolar. Uma semana é “horrível”, a outra é calma como um
túmulo. Tanto diz que o governo – que trata como “geringonça”,
numa clara falha deontológica – está sitiado por crises diversas
e sucessivas, como depois diz que a “habilidade” do
Primeiro-Ministro mete a oposição num sapato pequeno. Numa semana
todos os demónios andam à solta, na outra a santidade desce do céu
às catadupas. Como “nada” acontece, qualquer trivialidade sobe
ao palco principal: Sejam as bofetadas de João Soares, sejam as
“selfies” de Marcelo, sejam os estados de alma de António Costa
ou de Catarina Martins. Os sucessivos planos e projectos que o
Governo produz, e a logomaquia da oposição sobre eles, ocupam
também um espaço excessivo porque a prova dos nove de cada um está
por fazer. De intenções está o inferno cheio.
Eu não quero saber
desta bipolaridade para nada. Por isso pouco me interessam as
bofetadas, as “selfies”, os estados de alma e não dou muita
importância à sucessão de documentos e planos que o governo emite
por obrigação para a burocracia de Bruxelas.
Não sou sensível a
esta mudança semanas de “as coisas estão a correr bem para o
Governo” para “as coisas estão a correr mal para o Governo”.
Acho que há um problema estrutural, de fundo, com a política actual
que impede Portugal de sair da cepa torta. O melhor que o governo fez
até agora foram as chamadas “reversões”. Fez outras coisas,
muito poucas e em muitos aspectos devia ter feito mais, até porque
há muitas que não custam dinheiro. E fez bem em fazer as
“reversões” porque a última coisa que as “versões” eram,
era “reformas estruturais”. Chamar-lhes assim é quase obsceno.
Foram cortes cegos, com os mais fracos e os que “estavam à mão”
por alvo; subidas de impostos desiguais e injustas; medidas que
acentuaram as disfunções do Estado, agravaram as desigualdades
territoriais, ajudaram a aumentar a burocracia e tornam o estado mais
autoritário face ao cidadão com menos liberdades. Face à
parlapatice de que houve reformas estruturais convém lembrar mais
uma vez o que aconteceu.
Sendo assim,
“reverter” é uma espécie de trabalho de Hércules, a limpeza da
estrebaria, para se criar uma atmosfera mais saudável. Mas, dito
tudo isto, a condução da política geral do país, devido às
chamadas “regras europeias”, não mudou.
A questão da
“Europa”, não a Europa, mas aquilo a que hoje chamamos Europa, é
a mais grave que Portugal defronta. Começa porque a soberania
nacional está seriamente diminuída em aspectos cruciais para a
independência de um país. O nosso parlamento está castrado de
poderes orçamentais e muito do governo do país é feito de fora,
pelo BCE e pela Comissão Europeia, em particular pelo Eurogrupo.
Esta governação
alheia, muito para além de qualquer legislação europeia em vigor,
assente em práticas abusivas cada vez mais consentidas sem
contestação, atenta, como se viu no caso da banca, contra o
interesse nacional. A “Europa” actua como um governo federal que
não foi eleito por ninguém, que assumiu poderes nos países mais
débeis como a Grécia e Portugal e não toca num cabelo dos
poderosos. Não é pelos resgates, nem pela dívida, está muito para
além disso.
Não quero de todo
que Portugal seja Singapura. Nem adianta querer que seja uma das dez
economias mais competitivas do mundo. Não quero que Portugal seja a
Holanda, porque Portugal não é a Holanda e vice-versa, com
vantagens e defeitos.
Mas quero coisas
simples para os portugueses. Que os portugueses enriqueçam, que os
mais pobres deixem de ser pobres, que acedam aos bens mínimos de
consumo, material e espiritual. Que a “classe média” se reforce,
cresça, fazendo subir o elevador social. Que as pessoas tenham
propriedade e liberdade para terem vidas que não sejam deitadas fora
pelo estado e pela sociedade.
Para que isto
aconteça não podemos continuar nesta economia de mediocridade,
moldada por uma ideologia que serve apenas os poderosos e que
escarnece dos mais fracos. Os que não tem offshores, não
desbarataram milhares de milhões de euros, não pediram milhões à
banca para a deixar “mal parada”, mas estão condenados pela
“Europa” a pagar estes custos. Por isso repito: com a “Europa”
como ela é hoje, não vamos lá.
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