Frágil
mas resiliente: o bar mito do Bairro Alto volta em Junho
14 DE ABRIL DE 2016
Inês Banha e
Fernanda Câncio
No 34º aniversário,
o bar que marcou os anos oitenta portugueses volta a abrir. Estará à
altura da sua história?
Sendo a noite
lisboeta o que é Ž, milhares largos dos seus frequentadores nunca
ouviram falar dele, quanto mais conhece-lo. Não sabem do espelho de
talha dourada que duplicava quem vencia a porta blindada e o veludo
carmim das cortinas, da hélice dourada em penhor de incontáveis
naufrágios, dos bancos altos onde, rapinas, os habituais avaliavam
neófitos.
Não sabem de um
Bairro Alto deserto o, onde os bares e discotecas se contavam em
menos dedos que os de uma mão e a noite acabava às três,
prolongando-se, a péŽ, passado o jardim do Princípe Real, no
Trumps, na Rua da Imprensa Nacional (e que ainda bomba). Não sabem
da tasca em frente, o Arroz Doce, onde se bebiam uns copos antes, e
da Dona Rosa e da irmã, que defendiam os novos clientes dos bêbados
habituais e diziam atéŽ amanhã, do cumprimento sério do guardião
Alfredo, impecável na sua barba e fato preto, pronto para todas as
barragens e operações de salvamento (e que agora faz o mesmo no
Lux, igual como só ele). Não sabem do delírio dançante à
conquista de cada metro quadrado num labirinto de cumplicidades, das
festas que transbordavam a rua de gente, copos e música. Não sabem
da centena, se tanto, de irmãos de armas e alma que durante meia
dúzia de anos quiseram ser - e foram - únicos, os únicos da noite
de um bairro que havia, décadas depois, de se tornar de todos, as
ruas repletas de quinta a sábado, milhares de pessoas de copo na
mão, bares porta sim porta sim - e tudo o que de bom e de mau isso
implica.
Alguém algum dia há
de contar essa história que é já história com agá grande. Mas a
partir de junho poderá ser recordada in loco: o Frágil vai reabrir,
com o mesmo nome, no seu 34º aniversário, depois de ter estado
fechado desde o fim de 2013. A ideia do novo proprietário, Hilário
Castro, é manter o perfil de " bar-discoteca com programação
cultural própria." O também presidente da Associação de
Comerciantes do Bairro Alto tem grandes esperanças para o novo
Frágil: "Não diria que será o início de uma nova era do
Bairro Alto, mas pode ser um exemplo de um estabelecimento de
qualidade, para que os investidores olhem para esta zona como um
local onde há espaço para esse tipo de negócios."
A psiquiatra Ana
Matos Pires - que com o músico Rodrigo Leão e a assistente de bordo
da TAP Ana Carolina Quadros Costa ficaram com o bar depois de Manuel
Reis, o fundador, se ter associado aos donos do restaurante
Pap"açorda (que abriu em 1981 na mesma rua do Frágil, a da
Atalaia, e se passou este mês de armas, bagagens e lustres para o
Mercado da Ribeira) para inaugurar, em 1998, o Lux Frágil, no Cais
de Santa Apolónia - confessa a sua surpresa com a notícia de que o
Frágil que ela e os sócios venderam em 2015 vai reabrir no número
126. "A notícia agrada-me, porque um dos riscos que se corria
era o sítio transformar-se numa coisa desvirtuada, numa loja de
trezentos ou assim. Mas o ficar contente é um desejo. Porque é
muito difícil replicar o que o Bairro Alto foi nos anos 80. A atual
população e dinâmica do bairro complicam. O que aconteceu com o
Pap"Açorda não foi por acaso: há muita gente que não tem
paciência para andar aos encontrões nas ruas, no meio daquela
confusão. Aquilo afugentou muitas pessoas."
Também Margarida
Martins, antiga presidente da associação Abraço, atual líder da
Junta de Freguesia de Arroios e a mais carismática e duradoura
porteira do Frágil se surpreende: "É muito simpático."
Porteira, relações públicas e produtora de 1983 a 1991, recorda as
regras de admissão, que permitiram criar "um ambiente único,
agradável e com todo o tipo de pessoas", com uma boa dose de
artistas, muitos jornalistas e alguns políticos, e jovens que não
se sabia bem o que faziam para além de pensar no penteado (ou
despenteado) e roupa para "sair à noite". As festas,
temáticas, épicas, estão documentadas no site criado pela equipa
do Lux Frágil. Um legado formidável que Hilário Castro se propõe
recuperar com o concurso de Eddy Medina Padrón e Jorge Pereira,
veteranos da noite do Bairro Alto e dinamizadores/investidores do
novo Frágil, que querem "adaptado aos tempos."
O nome, que a
empresa vendida com o espaço permite manter, será associado a
outro, que, para já, o gerente prefere não revelar. A gestão no
local, que manterá a traça arquitetónica, ficará a cabo de Alex,
cubano acabado de chegar de Miami, nos EUA. Vai ser, anuncia Hilário
Castro, o regresso de uma discoteca ao Bairro Alto. "Há dez,
quinze anos, havia sete ou oito. Agora, não há nenhuma que mereça
o nome."
Criado no lugar de
uma tasca, uma padaria e uma fábrica de pão, três espaços de
donos diferentes que Carlos Fonseca, o primeiro ideólogo (Manuel
Reis entrou em 1980 como decorador, depois como sócio e, com a morte
de Fonseca, em 1985, passou a dono), começou a comprar em 1979, o
Frágil abriu a 15 de junho de 1982. Ressuscitará agora. Mas, como
Ana Carolina, uma das ex donas, reconhecia nos 20 anos do espaço, em
2002, "a noite inventada aqui deixou muitas saudades. Porém
quando me meti nisto nunca pensei ser possível fazê-la reviver."
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