Ideologia
e “prática” na gestão dos monumentos nacionais
Luís Raposo/
19-4-2016 / Público
Ainda quanto aos
modelos de gestão de monumentos e museus em Sintra e em Belém,
afirma José Maria Lobo de Carvalho ( J.M.L.C.) neste jornal
(PÚBLICO, 15.4.2016) que as teses por mim também aqui defendidas
(PÚBLICO, 23.3.2016) apenas levantam “questões gerais e muitas
vezes mais ideológicas do que práticas”. Acrescenta que a minha
visão “é muito parcial”, porque “aborda a questão dos
custos, mas esquece a questão das receitas”. Com o respeito
devido, que é muito, e tendo até em conta que estamos muito mais de
acordo do que o meu ilustre contendor porventura imaginará,
permito-me discordar dele nestes dois pontos.
Primeiramente quanto
à ideologia: não existe nada de mais ideológico do que celebrar
desempenho gestionário que praticamente exclua da visita a museus os
cidadãos portugueses — o que J.M.L.C. também reconhece acontecer
em Sintra, sob gestão dos Parques de Sintra-Monte da Lua (PSML).
Sim, defendo uma ideologia de apropriação cidadã dos monumentos e
museus nacionais. E tal como em ciência não existe nada mais
prático do que uma boa teoria, também em política se dirá o mesmo
relativamente a uma boa ideologia.
Depois quanto a
custos e receitas. Comparem-se os gastos em que uma família de dois
adultos e duas crianças pequeninas (de seis e nove anos, por
exemplo, que nos PSML já pagam quase como adultos) tem de incorrer
para visitar os monumentos e museus em Sintra e em Belém/Ajuda, num
país em que quase 80% das famílias declaram em sede de IRS possuir
rendimentos mensais inferiores a mil euros (e isto já sem falar em
trabalhadores no activo com salário mínimo ou contratados a prazo e
pensionistas): cerca ou mais de 20% do seu rendimento mensal no
primeiro caso; muito menos de 5%, no segundo. Eis aqui a diferença
entre ideologia e “prática”. Custos? Seguramente existem e
constituem um problema que muito ganhará em ser abordado numa óptica
de diversificação de receitas, embora os impostos que pagamos,
usados para manter a ordem das ruas, possam talvez também servir, se
não for pedir demais, para promover o acesso à nossa memória
monumental colectiva, acumulada em séculos e milénios sem que fosse
por sabêla bem vender a turistas — mas “apenas” porque a
considerámos para nós necessária e, em bastos casos, nos
mobilizámos em sua defesa.
E depois, que novo e
virtuoso modelo de gestão é esse que só se aplica a ilhas de
abundância e assegura o êxito pelo esmifrar de visitantes
estrangeiros, tidos como porcos mealheiros, expulsando os nacionais?
Sejamos francos e honestos: Se amanhã a tutela do património
cultural tivesse simplesmente como objectivo fazer do parque
museológico e monumental de Belém-Ajuda uma galinha dos ovos de
ouro altamente superavitária, argumentando, por exemplo, que assim
poderia melhor conservar e promover os conjunto patrimonial, bom,
bastaria seguir o exemplo de Sintra em matéria de preços de
bilhetes. Mas para isso nem seria preciso nenhum gestor qualificado,
nenhum novo modelo societário.
Quer isto dizer que
está tudo bem? Ou até que eu entendo que só os serviços centrais
do aparelho de Estado podem gerir museus e monumentos nacionais? Nada
disso. Mas, sim, sou contra o uso privado das receitas geradas nas
tais “ilhas de abundância” (mesmo quanto tal uso é feito por
sociedades de capitais públicos). E sobretudo sou contra qualquer
política de património que não seja centrada na promoção da
cidadania. Estarei a pedir a Lua? Não creio e dou uma sugestão de
possível aplicação imediata: a inclusão dos monumentos e museus
nacionais no âmbito do chamado “Cartão + Cultura” previsto no
programa do actual Governo, alargando os critérios da sua
atribuição, seja em matéria de base de incidência (que poderia
ser calculada a partir dos rendimentos declarados em sede de IRS),
seja em termos de entidades atribuidoras (que poderiam ser os museus
ou monumentos, na primeira visita que lhes fosse feita, ou as
autarquias locais ou até as repartições de finanças).
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