Uma
conversa da treta
PEDRO SOUSA CARVALHO
29/04/2016 - PÚBLICO
Teodora
Cardoso foi acusada por alguns deputados de fazer análises com base
em preconceitos ideológicos.
No debate político
em Portugal ganhámos o mau hábito de achar que quem defende contas
públicas equilibradas é de direita. Que quem defende que o Estado
deve ter um défice controlado é um liberal e que quem acha que a
despesa do Estado deve ser igual à receita é um perigoso
neoliberal. E se alguém se atrever a sugerir que o país até
deveria era ter um superavit orçamental para poder abater a dívida
pública é imediatamente conotado como sendo quase fascista. Fazer
contas passou a ser uma quase actividade subversiva. Dizer que
devemos viver dentro das nossas possibilidades passou a ser uma
afirmação que não lesa, mas que incomoda de sobremaneira a pátria.
Ainda alguns se
lembram de João Galamba, no debate do Orçamento do Estado para
2013, acusar Vítor Gaspar de ter uma linguagem salazarenta e de
Honório Novo do PCP defender que as ideias de Vítor Gaspar se
aproximavam “das teorias económicas anteriores ao 25 de Abril”.
Também esta semana, no discurso do 25 de Abril, Paula Teixeira da
Cruz apareceu no Parlamento, com um cravo na lapela, para retomar
esta discussão: “Quando as discordâncias em matéria financeira
levam a acusações de que os partidos da oposição se bandearam com
as instituições europeias e que são os novos traidores à pátria,
o odor a salazarismo mais bafiento e o ridículo mais agudo abatem-se
sobre quem faz tais afirmações, que são uma negação de uma
democracia convivial, tolerante e inclusiva”.
É o ponto a que
chegou a discussão política. Defender disciplina na gestão dos
dinheiros públicos não deveria ser património da direita ou da
esquerda, e muito menos se deveria colocar a discussão num plano
ideológico. É nesta clima que a insuspeita Teodora Cardoso apareceu
na Comissão Parlamentar de Finanças e Orçamento, onde fez algumas
críticas ao Programa de Estabilidade. Claro está que a presidente
do Conselho das Finanças Públicas foi imediatamente acusada por
alguns deputados que apoiam o actual governo de fazer análises com
base em preconceitos ideológicos porque alertava para os perigos do
caminho que está a ser seguido. Foi então que a economista
confessou a sua filiação ideológica: “A nossa posição é que
só as políticas de procura não resolvem o problema português […]
Se isto é ser ideológico, então assumo que sou ideológica”
Que outros
preconceitos ideológicos tem Teodora Cardoso? Perguntemos à
própria. As respostas foram dadas esta semana por Teodora Cardoso na
Comissão de Finanças e Orçamento, e as perguntas e o diálogo são
inventados, para tentar resumir a mensagem que a economista deixou no
Parlamento.
O modelo baseado no
consumo não ajuda a economia a crescer? “Não é possível aceitar
como boa uma política que se dedique exclusivamente a estimular a
procura”, responde a economista. Então o que devemos fazer? “Tem
de haver mais ênfase no investimento e nas exportações”,
esclarece. Mas Catarina Martins não disse que o modelo baseado nas
exportações ‘é uma treta’? Teodora Cardoso franze o sobrolho
como quem diz que não responde a idiotices. Então passemos à
frente.
O que fazer então
para aumentar o investimento e as exportações? “É preciso
proceder a reformas estruturais”. Reformas de direita ou de
esquerda? "Não têm de ser ideológicas, nem ter um conteúdo
de direita ou de esquerda", têm é de “contribuir para um
crescimento mais duradouro e saudável da economia”. E sobre as
reformas que estão a ser revertidas pelo actual Governo? “Não
pode haver um Governo que faz para um lado e outro Governo que faz
logo para um outro, sem que haja uma justificação”. Já agora, o
que acha das previsões do governo? “Optimistas”. E qual é o
mal? “A consequência é um adiamento de medidas e a acumulação
de dívida”. Então mas isso alguém um dia há-de pagar? Teodora
Cardoso volta a franzir o sobrolho e percebi que voltei a fazer uma
pergunta idiota.
No final desta
conversa meio imaginária com Teodora Cardoso, poderemos ficar
apreensivos em relação ao Programa de Estabilidade que hoje vai a
votos no Parlamento. Nesta discussão de modelos económicos e de
ideologias, a posição mais conciliadora talvez tenha vindo de
Marcelo de Rebelo de Sousa que quando promulgou o Orçamento para
2016 perguntou: “Este modelo que aposta no consumo das famílias e
no consumo público fará crescer a economia? Criará emprego? Será
suficiente para manter a competitividade das empresas?”. E o
próprio Marcelo respondeu: “Só em 2017 é que vamos ter a
resposta. O modelo provou ou não provou?”. É caso para dizer que
há quem goste de ver para crer. Até diria mais, há quem goste de
ver duas vezes para crer. Pode ser que desta vez tenha sucesso o
modelo que não resultou em 2011.
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