A
semana horribilis de Costa
SÓNIA SAPAGE
14/04/2016 - PÚBLICO
Tudo começou com a
demissão de um governante que prometeu esbofetear dois colunistas e
vai acabar (irá?) com a tomada de posse de três novos elementos na
equipa de António Costa. Pelo meio, um ministro debaixo do fogo dos
militares e negócios entre amigos beliscaram o estado de graça do
Governo.
Passaram-se
exactamente 139 dias desde que o XXI Governo Constitucional tomou
posse e ainda não tinha havido uma fase tão difícil de gerir para
António Costa. Foi uma semana, de quinta a quinta, que começou com
o agora ex-governante João Soares a prometer “duas salutares
bofetadas” a dois cronistas do PÚBLICO e que terminará esta
quinta-feira, previsivelmente, com a tomada de posse do novo ministro
da Cultura, do novo secretário de Estado da Cultura e do novo
secretário de Estado do Desporto e Juventude, já que o anterior
protagonizou uma demissão-relâmpago na terça-feira à noite.
Essa é, aliás,
outra história que ajuda a compor a semana horribilis de Costa. E é
preciso juntar, também, a demissão do Chefe de Estado Maior do
Exército, na sequência das declarações do subdirector do Colégio
Militar sobre a exclusão daquela instituição de alunos
homossexuais, que originaram a forte contestação de todo o sector
militar ao ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes.
E o caso do amigo de
António Costa, Diogo Lacerda Machado, finalmente contratado (o que
não o impediu de ser chamado ao Parlamento, para ser ouvido no dia
27) para prestar serviços ao Estado depois de alguns meses a
funcionar como negociador informal – o caso ganhou relevância
depois de uma entrevista de Costa ao Diário de Notícias à TSF em
que o chefe do Governo se refere ao negociador como o seu "melhor
amigo há muitos anos”.
A semana de António
Costa foi passada a gerir crises, mais do que a gerir o país.
Incluiu uma passagem de 24 horas pela Grécia, com visita a um campo
de refugiados e a assinatura de um documento antiausteridade conjunto
(de António Costa e Alex Tsipras, seu homólogo grego). Uma atitude
absolutamente antagónica à do Governo PSD/CDS, que sempre defendeu
a ideia de que Portugal não era um caso semelhante ao da Grécia,
que não cumpria memorandos de entendimento com as instâncias
internacionais que lhe prestavam auxílio financeiro, nem podia
correr o risco de parecer que era, aparecendo a seu lado no plano
internacional.
Ainda há estado de
graça
Perante dias tão
críticos, é caso para perguntar: acabou o estado de graça do
Governo? Pedro Marques Lopes, comentador do programa televisivo Eixo
do Mal, acha que não.” António Costa vive um estado de graça que
advém do facto de terem sido recuperados os rendimentos. Algumas das
suas decisões foram apreciadas com amplo consenso social”,
explica. Com uma ajuda de Marcelo Rebelo de Sousa, que “sendo um
Presidente da República muito popular, também contribui para o
estado de graça de Costa”, o primeiro-ministro continua em alta.
Porém, admite Pedro
Marques Lopes, esta sucessão de casos permite tirar uma conclusão.
“Costa tem uma atitude um bocadinho régia. Isso notou-se no caso
de Diogo Lacerda Machado. O primeiro-ministro reagiu como se ninguém
tivesse nada a ver com quem ajuda ou não ajuda o Governo. Além da
questão da transparência, esse episódio mostra uma espécie de
arrogância, um traço que começa a ficar claro e que é
preocupante”, avalia Pedro Marques Lopes.
Para o comentador,
foi essa mesma atitude que esteve na origem da escolha de alguns dos
seus ministros que agora estão debaixo de fogo – como o da Defesa
Nacional, Azeredo Lopes, e o da Educação, Tiago Brandão Rodrigues.
“São dois casos nítidos de escolhas ‘porque sim’. Azeredo
Lopes tem experiência política, mas para o cargo em causa é uma
coisa do tipo ‘quero, posso e mando.’ Não houve a preocupação
de saber as implicações que a escolha teria. Quanto a Tiago Brandão
Rodrigues não é político, nem percebe rigorosamente nada de
educação”.
As primeiras dúvidas
sobre a governação de Tiago Brandão Rodrigues instalaram-se assim
que o ministro anunciou a substituição de alguns exames por provas
de aferição, já depois de o ano lectivo se ter iniciado. Mas nos
últimos tempos, alargaram-se aos que começaram por defender a sua
escolha. Como Carlos Fiolhais, professor universitário e ensaísta.
Na última terça-feira, no PÚBLICO, Fiolhais escrevia que criticava
“o ministro a contragosto” e dedicava três colunas a fazer o
balanço dos seus primeiros meses – na altura em que o seu artigo
foi escrito, ainda não era conhecida a demissão do secretário de
Estado da Juventude e Desporto. “A sua mudança foi apressada. Não
houve nenhum estudo fundamentado nem nenhum debate público. Foi uma
medida tomada apenas com base em preconceitos, de natureza
ideológica, que vingam em certos sectores do PS e dos seus
parceiros”.
Primeiros testes ao
Governo
Pedro Adão e Silva,
professor no ISCTE-IUL e comentador, olha para a última semana como
um período de ajuste por que todos os Governos passam. “No fundo,
é comum haver estas remodelações nos primeiros meses. Só quem
passa nestes primeiros testes é que fica na equipa”, conclui.
“António Costa livrou-se de alguns troublemakers”, acrescenta.
Apesar de não
encontrar um padrão entre os vários casos da semana – o do
Colégio Militar, o do amigo negociador, o da demissão no Desporto e
Juventude e o das salutares bofetadas – Pedro Adão e Silva
reconhece que o clima beliscou o estado de graça de António Costa.
Não mais do que isso. “É o primeiro problema de gestão política
interna do Governo, mas tem mais a ver com nomes do que com medidas”.
No caso de João
Soares, por exemplo, o comentador lembra que António Costa
“respondeu, distanciando-se”, o que permitiu que “o
comportamento apenas ficasse associado a quem o praticou”. Já no
caso do contrato de trabalho com um amigo pessoal, Adão e Silva
adverte: “Há um princípio básico que o primeiro-ministro não
seguiu. Amigos amigos, negócios do Estado à parte”. Fica o aviso.
A semana mais
problemática da vida do XXI Governo pode terminar esta quinta-feira,
quando, pelas 15h30, em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa der posse aos
três novos governantes – Luís Filipe Castro Mendes, novo ministro
da Cultura; Miguel Honrado, novo secretário de Estado da Cultura; e
João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e Desporto. O
Conselho de Ministros desta quinta-feira aprova, também, o nome de
Rovisco Duarte como proposta do Governo para novo Chefe de Estado
Maior do Exército.
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