Podem
os hábitos alimentares influenciar a alteração climática?
MARIA AMÉLIA
MARTINS-LOUÇÃO 22/04/2016 - PÚBLICO
Paremos
de usar as políticas (ou a falta delas) para justificar os 60% de
emissões atribuídos aos consumidores.
Este ano o dia
internacional do Planeta Terra tem duplo significado. Relembra os
riscos que todos os dias infligimos ao planeta e marca a data a
partir da qual o acordo estabelecido em Paris, de impedir um aumento
do aquecimento global superior a 1,5°C, em relação ao nível
pré-industrial, passa a vigorar. No entanto, este acordo só poderá
entrar em vigor se a adesão for assumida, no mínimo, por países
responsáveis por 55% das emissões mundiais de gases com efeito de
estufa (GEE). Isto significa que os diferentes países terão de
propor medidas de mitigação que permitam a redução das emissões
em pelo menos 40% até 2030. Para além destas, com reflexo global,
deverão ser desenvolvidas estratégias de adaptação, com e para a
sociedade, para minimizar os efeitos das alterações climáticas.
Os portugueses
identificam as alterações climáticas como problema ambiental
futuro, concordam com a necessidade de se investir nas energias
renováveis, mas mantêm um comportamento evasivo para justificar e
manter estilos de vida e de consumo. A sociedade, cada vez mais
urbana, vive refém da comodidade de uma certa qualidade de vida.
Desenvolve um discurso “verde” superficial, do politicamente
correcto, ao assumir que usa lâmpadas amigas do ambiente, que
utiliza mais os transportes públicos e ao colocar o ónus no governo
para legislar e regular em prol da redução das emissões de GEE.
Importa, porém,
lembrar que o “problema” das alterações climáticas e suas
consequências para o planeta não está apenas relacionado com a
questão energética e de transportes. É mais complexo do que isto.
A estabilidade futura do planeta para o homem depende do tipo de
energia que se usa, sim, mas também da segurança alimentar, da
qualidade da água e da sustentabilidade ambiental. Ou seja, a
agricultura e as alterações climáticas, assim como a segurança
alimentar e a quantidade de proteína ingerida estão
indissoluvelmente ligados. Por isso, as medidas de adaptação a
implementar não podem omitir as questões ligadas à produção de
alimento e aos hábitos alimentares.
Durante o séc. XX o
homem duplicou a produção vegetal à custa da introdução maciça
de azoto e fósforo, aumentou a proporção de animais domésticos
(175 milhões de toneladas de carbono) em relação aos animais
selvagens (5 milhões de toneladas), utilizou 11% da superfície
terrestre para a produção agrícola e projecta aumentar (1,4%) a
ocupação de solo para a agricultura até 2030. Em termos de
actividade, só a produção de carne e o seu processamento
representam 45% das emissões de GEE. No entanto, pouco se relaciona
a produção de alimento, e consequentemente as actividades agrícolas
e pecuárias, com as alterações climáticas.
O problema não está
em saber, mas sim no que fazer com este conhecimento. Nos países
desenvolvidos ingere-se cerca de seis a sete quilogramas de azoto
proteico per capita quando o aconselhado é quatro. Por isso,
diversificar a dieta e diminuir a ingestão de proteína animal reduz
o risco de incidência de doenças cardíacas e cancerígenas para
além de minimizar a quantidade de emissão de GEE, decorrentes da
produção pecuária. Ajuda ainda a diminuir a taxa de pessoas obesas
que é já um problema de saúde pública. Por outro lado, procurar
produtos locais da época e não tanto exóticos, do outro lado do
mundo, diminui o impacto ambiental negativo dos transportes
comerciais de longo curso. O desenvolvimento de técnicas agrícolas
de conservação de solo pode aumentar a produção de alimento com
vantagens óbvias para a segurança alimentar e qualidade dos
produtos. Combater, ainda, os desperdícios pode permitir alcançar
índices globais de desenvolvimento mais sustentáveis: actualmente
cerca de 30% de todo o alimento produzido é desperdiçado. Os GEE
decorrentes correspondem a 3,3 mil milhões de toneladas de CO2 ao
ano.
Paremos, por isso,
de usar as políticas (ou a falta delas) para justificar os 60% de
emissões atribuídos aos consumidores. Terá de ser o cidadão a
assumir a mudança para promover efeitos globais e inter-geracionais.
Só quando existir vontade de alterar radicalmente o estilo
consumista se poderá reduzir a pressão exercida sobre o planeta e
permitir maior equidade social. Seremos capazes de mudar os hábitos
alimentares e assumir este compromisso perante as gerações
vindouras? Esta é a grande questão.
Bióloga. Professora
Catedrática Universidade de Lisboa
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