REPORTAGEM
Para
os jovens do BE, o partido aproximou-se do poder mas continua
revolucionário
CAMILO SOLDADO
16/04/2016 - PÚBLICO
Jovens
militantes bloquistas e simpatizantes reuniram-se em Coimbra num
encontro de “partilha de ideias”.
O encontro não se
realizava desde 2013, ano em que foi organizado no Porto. O mesmo é
dizer que esta é a primeira vez que o InconFormação acontece num
contexto novo para os bloquistas. Apesar de não fazer parte do
Governo (como a maioria dos jovens com quem o PÚBLICO falou faz
questão de sublinhar), o Bloco de Esquerda não é apenas oposição,
mas parte da solução.
Com 26 anos, Diogo
Barbosa está ligado ao BE há 12 e entende o acordo com os
socialistas como uma “necessidade histórica” que permitiu
“romper com quatro anos de política de direita”. Para o jovem
militante, o objectivo do partido deve passar por ”segurar este
governo durante quatro anos”, de forma a garantir a “defesa do
Estado Social, o aumento do salário mínimo, a reposição dos
ordenados”, entre outras bandeiras dos partidos à esquerda do PS.
No mesmo sentido,
Gonçalo Pessa, 22 anos e militante desde os 16, considera que o
“projecto” com PS, PCP e Os Verdes – vulgo 'geringonça' – é
“essencial” devido ao “contexto histórico” de poder
“traduzir melhorias concretas na vida das pessoas”. Apesar disso,
não acha que o acordo deixe o Bloco “refém da agenda política do
PS”. “Um partido que se diz revolucionário não se deixa refém
do PS”, reforça Diogo Barbosa. “Neste momento, a forma de ser um
partido revolucionário é condicionar o PS a fazer a devolução de
rendimentos”, exemplifica.
Se, desde a sua
formação em 1999, o BE procurou transmitir uma imagem de
afastamento da forma convencional de fazer política, o facto de
contribuir para sustentar um governo socialista não perturba essa
mensagem nem diminui a capacidade de atrair novos militantes dentro
da sua área política, avalia Ricardo Gouveia. Reforçando que a
actual solução “não é suficiente, mas é um bocado melhor”, o
jovem militante diz que a estratégia passa por “radicalizar o
centro”.
Esta aproximação
ao poder trará consequências eleitorais negativas? Não acreditam,
uma vez que o BE “não é um partido eleitoralista” e o
horizonte, neste momento, é a quatro anos, refere Diogo Barbosa.
Gonçalo Pessa considera que não fazer o acordo que permitiu a
formação de um Governo seria um erro político que, “aí sim”,
prejudicaria o partido em termos eleitorais. Com esta movimentação,
diz o jovem, o Bloco prova que não é apenas “um partido de
protesto, mas de proposta”.
Sem televisões por
perto
Nos painéis do
evento que se realiza em Coimbra neste fim-de-semana, as menções a
este posicionamento foram poucas ou inexistentes, mas os jovens
militantes do BE recusam a ideia de que o acordo com o Partido
Socialista desvirtue a génese do Bloco ou lhe retire capacidade de
atracção.
A iniciativa, como
conta Ricardo Gouveia, da direcção nacional de jovens do Bloco,
serve para “juntar o movimento social dentro e fora” do partido
para “partilha de ideias”, com um carácter de “formação
política e ideológica”.
O modelo tem pontos
de contacto com as “universidades de Verão” promovidas por PS e
PSD, mas para Ricardo Gouveia esse termo remete para uma espécie de
“cátedra” e os bloquistas preferem que o InconFormação seja
“mais horizontal possível”. O evento não é apenas aberto a
membros do Bloco. Apesar de muitos o serem, há jovens que vão para
“partilhar ideias”. Nele participam também activistas e
simpatizantes.
Uma delas é Beatriz
Santana. A estudante universitária de 23 anos não é militante mas
foi ao encontro do BE para “ouvir e saber mais” sobre as
propostas relativas a matérias que lhe interessam. Sente-se
identificada com a forma como o Bloco – que considera “próximo
dos [seus] ideais políticos” – encara as questões sociais.
A média de idades
dos cerca de 100 participantes andará na casa dos 25, num
fim-de-semana preenchido por sessões com temas caros ao Bloco: uns
que o partido tem vindo a trazer à discussão pública nos últimos
anos (União Europeia, crise financeira e do euro, reestruturação
da dívida), outros que têm vindo a ganhar relevância nos últimos
meses (crise dos refugiados, morte medicamente assistida, questões
de identidade e género).
O fim-de-semana que
abriu com a eurodeputada Marisa Matias na sexta-feira termina com a
intervenção de Catarina Martins na tarde de domingo. No sábado
passaram pelo InconFormação figuras do partido como a
ex-eurodeputada Alda Sousa ou o deputado pelo ciclo eleitoral de
Coimbra José Manuel Pureza.
Na sessão da manhã
de sábado, a deputada bloquista Mariana Mortágua e o economista
Ricardo Paes Mamede discutiam a iminência de uma nova crise mundial,
numa sala cuja ausência de câmaras aliviava algumas formalidades de
discurso. “Não há televisões aqui, pois não?”, perguntava
Mariana Mortágua, para pouco depois explicar a relação entre crise
e neo-liberalismo, desde o momento em que “a Tatcher e o Reagan
vieram avacalhar esta coisa toda”.
De Marx a Keynes, de
Bretton Woods ao Panamá, o debate entre os economistas e os jovens
percorreu depois vários autores e geografias, com destaque para as
distorções do sistema capitalista.
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