Com
o mandato por um fio, Dilma diz-se “injustiçada” e promete lutar
KATHLEEN GOMES (Rio
de Janeiro) 18/04/2016 - PÚBLICO
Apesar
da aprovação parlamentar do impeachment, a Presidente brasileira
garante que não irá demitir-se. Oposição não perde tempo e já
está a formar Governo.
Falando pela
primeira vez desde a derrota expressiva que sofreu domingo à noite
na votação parlamentar que autorizou a instauração de um processo
de impeachment contra ela, a Presidente brasileira Dilma Rousseff
declarou sentir-se “injustiçada” e “indignada” com a
decisão. Numa ampla defesa feita a partir do Palácio do Planalto na
segunda-feira à tarde, Dilma sublinhou que o processo “não tem
base de sustentação”, até porque os actos de que é acusada –
alegadas violações da lei orçamental – “foram praticados por
outros Presidentes da República” anteriores a ela.
A Presidente
brasileira classificou o resultado da votação na Câmara dos
Deputados como um golpe e prometeu lutar com a mesma convicção com
que no passado enfrentou a ditadura militar brasileira. “Esse não
é o golpe tradicional da minha juventude, mas é o da minha
maturidade”, disse. “Eu não vou me deixar abater por isso. Vou
continuar a lutar como fiz ao longo de toda a minha vida. Essa luta
não é por mim, mas pela democracia”, afirmou.
Foi o discurso de
uma Presidente tranquila e sóbria – que chegou a demonstrar bom
humor ao responder a perguntas de jornalistas – contrastando com a
percepção de que o seu Governo acabou no domingo. “Perto do fim”,
era a manchete do Globo esta segunda-feira, beirando o júbilo. No
seu discurso, Dilma garantiu que, “ao contrário do anunciado, o
fim não começou” e que está “no início da luta”.
A sua derrota na
Câmara dos Deputados, onde mais de dois terços dos parlamentares,
incluindo ex-ministros do seu Governo, aprovaram a instauração de
um processo de impeachment, não foi definitiva porque ainda terá de
passar pelo crivo do Senado. Dilma ainda se mantém em funções e,
segundo o Advogado-Geral da União (procurador-geral do Estado que
defende a Presidente no Congresso) José Eduardo Cardozo, não irá
demitir-se. “Se alguém imagina que ela se curvará diante da
decisão de hoje, engana-se”, declarou no final da votação na
Câmara dos Deputados, que durou seis horas e terminou poucos minutos
antes da meia-noite de domingo.
Sem sinais de
ressaca depois de uma maratona de três dias que culminou na
aprovação do impeachment, Brasília estava com pressa na
segunda-feira. O vice-presidente Michel Temer, substituto de Dilma
caso o impeachment seja aprovado no Senado, já começou a montar o
seu Governo e a negociar cargos com partidos aliados, numa intensa
movimentação de bastidores. Em termos de campanha pública, a
prioridade será mudar as expectativas sobre o rumo do país e
rebater as críticas de que pode desmontar os programas sociais
deixados pelo PT.
Os nomes de
potenciais ministros começam a ser avançados e a expectativa é que
Temer formalize uma aliança com o principal partido da oposição, o
PSDB. Presidido pelo adversário de Dilma nas últimas presidenciais,
Aécio Neves, o PSDB está a finalizar um documento para apresentar a
Temer expondo as suas condições para apoiar um eventual governo
liderado pelo vice-presidente. Dilma criticou novamente o seu
vice-presidente no discurso que fez segunda-feira. “É estarrecedor
que um vice-presidente conspire contra a Presidente abertamente. Em
nenhuma democracia do mundo uma pessoa que fizesse isso seria
respeitada. Porque a sociedade humana não gosta de traidores”,
disse.
Além de ter o
mandato por um fio, Dilma tem um Governo esvaziado pela saída de
cinco ministros – Saúde, Cidades, Ciência e Tecnologia, Aviação
Civil e Integração Nacional – nas vésperas da votação do
impeachment. Três outros ministérios estão sem titular, incluindo
a Casa Civil, para o qual foi nomeado o ex-Presidente Lula, que viu o
cargo suspenso por ordem judicial. Dois ministros, ambos do partido
de Temer, o PMDB, devem deixar os cargos esta semana.
“Nas próximas
semanas, o país deverá viver uma situação exótica: terá um
Governo pela metade. Enquanto o Senado não autoriza a abertura do
processo de impeachment, Dilma é uma quase ex-Presidente. Temer, um
quase futuro Presidente”, resumiu Bernardo Mello Franco, colunista
da Folha. Não é que um eventual Governo Temer não terá de
enfrentar dificuldades: de acordo com uma sondagem realizada pelo
Instituto Datafolha no domingo, numa manifestação de apoio ao
impeachment de Dilma na Avenida Paulista, em S. Paulo, mais de metade
dos entrevistados (54%) defendem o afastamento de Temer e a maioria
(68%) tem expectativas negativas quanto a um Governo liderado pelo
vice-presidente. Temer foi eleito juntamente com Dilma em 2010 e em
2014, mas pertence a outro partido, o PMDB, que deixou a coligação
do Governo no final de Março e que foi o que mais votos (59) deu ao
impeachment no domingo.
As atenções
centram-se agora no Senado onde, à semelhança do que aconteceu na
câmara baixa do Congresso, será constituída uma comissão especial
para elaborar e votar um relatório sobre o impeachment de Dilma
Rousseff, seguido de votação no plenário. Se uma maioria simples
de senadores votar “sim”, Dilma terá automaticamente o seu cargo
suspenso por um máximo de 180 dias, ficando a aguardar julgamento.
As projecções mostram que a oposição já tem votos suficientes
para aprovar o afastamento da Presidente no Senado. A previsão é
que essa votação possa ocorrer entre os dias 10 e 11 de Maio, mas
forças políticas e senadores favoráveis ao impeachment estão a
tentar antecipar a data para o início do próximo mês. A equipa de
Dilma irá batalhar pela caça aos votos dos senadores, embora a
avaliação interna seja “dramática”, segundo a imprensa
brasileira. O Governo também pretende recorrer ao Supremo Tribunal
Federal para questionar o mérito do processo de impeachment, mas as
expectativas nessa frente também são escassas porque os juízes do
Supremo têm optado por uma postura de legitimação e não
interferência no processo.
a votá-la.
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