367
vs.137 – Parlamento brasileiro aprova impeachment da Presidente
Dilma
KATHLEEN GOMES (Rio
de Janeiro) 18/04/2016 – PÚBLICO
Com
367 votos a favor e 137 contra, a Câmara dos Deputados autorizou a
abertura do processo de destituição de Dilma. A bola passa agora
para as mãos do Senado, que tem pela frente duas votações
decisivas.
Pela segunda vez em
24 anos, o Congresso brasileiro votou este domingo a favor da
expulsão de um Presidente em exercício de funções. Eram 23h07 em
Brasília (3h07 em Lisboa) quando o impeachment passou na Câmara dos
Deputados – e ainda restavam 36 deputados por votar. Dilma Rousseff
não era a vencedora projectada e não saiu vencedora da votação de
domingo na Câmara dos Deputados. Em São Paulo, milhares de pessoas
que participavam numa manifestação de rua a favor do impeachment
celebraram. No Rio de Janeiro, ouviram-se foguetes e vuvuzelas, além
de “panelaços” (batida de panelas) e gritos de “Fora PT!”,
numa referência ao partido do Governo, Partido dos Trabalhadores. A
votação já durava há cinco horas e meia quando os dois terços
necessários – 342 votos – para autorizar a instauração de um
processo de impeachment foram alcançados. O resultado final, 367 a
favor do impeachment e 137 contra (além de sete abstenções e duas
ausências) traduziu-se numa derrota expressiva para Dilma. A
Presidente precisava de um terço da Câmara, 172 votos, para travar
o impeachment.
Foi uma votação
inflamada, pontuada por intervenções estridentes e muito teatro
político, que durou seis horas e terminou perto da meia-noite. O
“sim” ganhou vantagem desde o início, e cada voto no impeachment
foi festejado no plenário, onde os parlamentares abandonaram as suas
cadeiras e se concentraram de pé na parte da frente do plenário. O
ambiente na sala circular e moderna, desenhada pelo arquitecto Oscar
Niemeyer, estava entre o comício e a torcida de futebol, com os
parlamentares segurando cartazes pedindo “Impeachment já!” ou
dizendo “Tchau querida”, citação irónica da polémica conversa
telefónica entre Lula e Dilma divulgada pelo juiz Sérgio Moro no
mês passado, em que o ex-Presidente se despedia de Rousseff com essa
frase.
Minutos antes da
votação, os parlamentares cantaram o hino nacional. Os deputados
votaram, um a um, ao microfone, cercados por outros parlamentares.
Muitos não se limitaram a indicar apenas o voto, mas fizeram
declarações, mais ou menos dramáticas. Entre os motivos para
votarem sim ao impeachment, muitos parlamentares invocaram as
respectivas famílias e Deus. Um deputado do Partido Social Cristão,
Eduardo Bolsonaro, dedicou o seu voto aos militares de 1964, numa
referência ao golpe de Estado que instalou a ditadura no Brasil. O
seu pai, Jair Bolsonaro, um ultra-conservador, invocou o coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra, já falecido, ex-chefe do órgão de
repressão política da ditadura, condenado por tortura.
“Que Deus tenha
misericórdia dessa nação”, disse o presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha, antes de votar a favor do impeachment e ser
instantaneamente vaiado. Podia ser uma declaração de humildade, não
fosse Cunha a figura mais decisiva na tentativa de destituição da
Presidente Dilma. Foi ele que accionou o processo de impeachment no
Congresso e o conduziu até agora. Investigado e indiciado por
suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro, Cunha foi um dos
alvos principais dos discursos dos parlamentares anti-impeachment.
Alguns confrontaram-no directamente. “Eduardo Cunha, você é um
gangster”, gritou o deputado carioca Glauber Braga, do partido de
esquerda PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). “E o que está
sustentando a sua cadeira cheira a enxofre.”
No processo de
impeachment a Presidente Dilma é acusada de ter violado a lei
orçamental, decretando gastos suplementares sem autorização do
Congresso e recorrendo a operações de crédito adiantadas por
bancos estatais para pagar programas sociais e despesas obrigatórias
do Governo. Os seus adversários consideram que essas práticas
serviram para mascarar o estado real das contas públicas e endividar
mais o país, agravando a crise económica. Mas ao longo dos últimos
dias, os parlamentares não se restringiram a questões de ordem
jurídica ou técnica e invocaram todo o tipo de argumentos na sua
condenação da Presidente, incluindo o escândalo de corrupção na
maior empresa estatal, a Petrobras. Muitos deputados invocaram o
combate à corrupção entre os motivos para afastar Dilma, apesar de
a Presidente não estar envolvida em qualquer crime – uma raridade
em Brasília: 60% dos membros da Câmara dos Deputados são alvo de
investigação ou processos penais, maioritariamente por crimes de
corrupção. Muitos dos defensores de Dilma disseram não reconhecer
qualquer legitimidade no processo de impeachment, que classificam
como um golpe da oposição para assumir o poder.
Ainda antes do
encerramento da votação, a equipa da Presidente reconheceu que
seria derrotada, quando restavam cerca de 100 deputados por votar,
segundo a imprensa brasileira. A Presidente brasileira precisava de
pelo menos 172 votos para travar o processo de impeachment contra
ela.
Nos dias que
antecederam a votação, a previsão de que Dilma seria derrotada foi
ganhando cada vez mais força. Foi uma semana de perdas sucessivas: a
fuga de partidos aliados para a oposição, a recusa do Supremo
Tribunal em reverter o processo, o anúncio desastrado de que a
Presidente iria fazer uma comunicação ao país para defender o seu
mandato que depois foi cancelada por ter sido considerada demasiado
militante.
No domingo, horas
antes da votação, um juiz do Supremo Tribunal Federal rejeitou três
acções cautelares que tentavam paralisar o processo de impeachment.
Dilma refugiou-se na
sua residência oficial, o Palácio do Alvorada, em Brasília, todo o
dia, e terá acompanhado a votação com ministros do seu Governo e o
ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar de o impeachment ter
sido aprovado, ela continuará a exercer o cargo, porque o processo
ainda tem de passar pelo crivo do Senado. Só se for votado por uma
maioria de senadores é que Dilma será obrigada a deixar o cargo,
sendo substituída pelo seu vice-presidente Michel Temer, que é de
um partido que ajudou a derrubá-la, o PMDB.
O debate sobre o
impeachment na Câmara dos Deputados começou na sexta-feira de manhã
e durou mais de 40 horas, sem interrupção, no que se tornou a mais
longa sessão do Congresso brasileiro. A votação, no domingo à
tarde, começou com tensão e troca de empurrões entre deputados a
favor e contra o impeachment.
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