Depois
dos pastéis, agora uma ilegalidade com as enguias
21 DE MARÇO DE 2016
/ DN
Fernanda Câncio
Dona de várias
lojas no centro histórico da cidade, a Patrimus retirou há pouco
elementos ilegais da fachada de uma delas. Para abrir outra, nesta
semana, com nova violação
É fácil reconhecer
os estabelecimentos da Patrimus Indústria: brasões a imitar antigo,
decorações a imitar antigo, e datas recuadas em local bem visível,
dando a ilusão aos neófitos de que se trata de uma loja com décadas
de existência. Na casa de pastéis de bacalhau na Rua Augusta, em
Lisboa, os placards com a data foram retirados recentemente, depois
de a empresa saber há um ano que eram ilegais, por ser proibido
colocar propaganda nas fachadas; mas na que abriu nesta terça-feira
na esquina da Rua da Prata com a Rua da Conceição, de conservas de
enguias, novos placards ilegais foram afixados na cantaria de pedra
do edifício.
"Já fui lá
dizer-lhes que aquilo está ilegal e que vou mandar tirar."
Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior,
à qual pertence a Baixa, foi alertado por uma pessoa que mora em
frente, acordada à meia-noite e meia com as máquinas a furar a
cantaria. Em causa está a violação das normas do Plano de
Salvaguarda da Baixa Pombalina, que limitam a colocação de
elementos exteriores de propaganda.
"O problema é
que leva tempo; isto é um processo", explica Miguel Coelho, que
tem a seu cargo esta área em 1978 classificada como "imóvel de
interesse público", denominação alterada em 2012 para
"conjunto de interesse público" e que há mais de dez anos
tem sido frequentemente citada como candidata a património mundial,
sem que a candidatura tenha sido alguma vez formalizada. "Com o
licenciamento zero as empresas podem fazer as coisas sem pedir
autorização e depois temos de ir fiscalizar, instruir o
procedimento, etc."
No final do
processo, a empresa é intimada a retirar as placas e provavelmente
multada (num mínimo de dois mil euros). Mas, se a tramitação for
tão morosa como a que ocorreu com os placards da Casa Portuguesa do
Pastel de Bacalhau, pode demorar um ano até que a legalidade - e a
estética - seja reposta. De facto, apesar de ter sido inaugurada em
maio de 2015 com vários elementos ilegais na fachada, sendo apontada
nas redes sociais como um exemplo de tudo o que não se deve fazer
naquela zona da cidade, a loja de pastéis só no último mês
retirou os anúncios que havia colocado à altura do primeiro andar.
E pelos vistos não teve receio de repetir a experiência na nova
loja.
Questionado sobre os
motivos de reincidência naquilo que não ignora ser uma ilegalidade,
Fernando Fernandes, porta-voz da empresa, recusa responder às
perguntas do DN. Limita-se a confirmar que a loja de conservas
pertence à Patrimus, e adianta que os produtos nela comercializados
são produzidos pela fábrica Comur, na Murtosa, comprada pela
Patrimur em setembro. Como a Comur produz e enlata enguias de
escabeche desde 1942, a Patrimus viu aí um bom pretexto para "datar"
a loja; já no caso da Casa de Pastéis de Bacalhau, a justificação
apresentada era que se tratava "da data da primeira receita
publicada de pastel de bacalhau." As pessoas interpretam como
quiserem, comentava há um ano, em resposta ao DN, Fernando
Fernandes, asseverando que não era "questão de fazer parecer
antigo." Certo é que não é proibido inventar datas de
fundação de lojas, mesmo se tal anda paredes meias com a
publicidade enganosa, nem decorá-las por dentro e por fora de modo a
que turistas pensem que se trata de uma "loja com história".
Num centro histórico
submetido a uma enorme pressão da indústria do turismo, com as
verdadeiras lojas "com história" a fechar paulatinamente
devido à alteração acelerada do uso dos edifícios e ao
descongelamento das rendas, surgem assim falsos comércios antigos,
numa substituição irónica.
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