terça-feira, 12 de abril de 2016

Depois dos pastéis, agora uma ilegalidade com as enguias


Depois dos pastéis, agora uma ilegalidade com as enguias
21 DE MARÇO DE 2016 / DN
Fernanda Câncio

Dona de várias lojas no centro histórico da cidade, a Patrimus retirou há pouco elementos ilegais da fachada de uma delas. Para abrir outra, nesta semana, com nova violação
É fácil reconhecer os estabelecimentos da Patrimus Indústria: brasões a imitar antigo, decorações a imitar antigo, e datas recuadas em local bem visível, dando a ilusão aos neófitos de que se trata de uma loja com décadas de existência. Na casa de pastéis de bacalhau na Rua Augusta, em Lisboa, os placards com a data foram retirados recentemente, depois de a empresa saber há um ano que eram ilegais, por ser proibido colocar propaganda nas fachadas; mas na que abriu nesta terça-feira na esquina da Rua da Prata com a Rua da Conceição, de conservas de enguias, novos placards ilegais foram afixados na cantaria de pedra do edifício.
"Já fui lá dizer-lhes que aquilo está ilegal e que vou mandar tirar." Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, à qual pertence a Baixa, foi alertado por uma pessoa que mora em frente, acordada à meia-noite e meia com as máquinas a furar a cantaria. Em causa está a violação das normas do Plano de Salvaguarda da Baixa Pombalina, que limitam a colocação de elementos exteriores de propaganda.
"O problema é que leva tempo; isto é um processo", explica Miguel Coelho, que tem a seu cargo esta área em 1978 classificada como "imóvel de interesse público", denominação alterada em 2012 para "conjunto de interesse público" e que há mais de dez anos tem sido frequentemente citada como candidata a património mundial, sem que a candidatura tenha sido alguma vez formalizada. "Com o licenciamento zero as empresas podem fazer as coisas sem pedir autorização e depois temos de ir fiscalizar, instruir o procedimento, etc."
No final do processo, a empresa é intimada a retirar as placas e provavelmente multada (num mínimo de dois mil euros). Mas, se a tramitação for tão morosa como a que ocorreu com os placards da Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau, pode demorar um ano até que a legalidade - e a estética - seja reposta. De facto, apesar de ter sido inaugurada em maio de 2015 com vários elementos ilegais na fachada, sendo apontada nas redes sociais como um exemplo de tudo o que não se deve fazer naquela zona da cidade, a loja de pastéis só no último mês retirou os anúncios que havia colocado à altura do primeiro andar. E pelos vistos não teve receio de repetir a experiência na nova loja.
Questionado sobre os motivos de reincidência naquilo que não ignora ser uma ilegalidade, Fernando Fernandes, porta-voz da empresa, recusa responder às perguntas do DN. Limita-se a confirmar que a loja de conservas pertence à Patrimus, e adianta que os produtos nela comercializados são produzidos pela fábrica Comur, na Murtosa, comprada pela Patrimur em setembro. Como a Comur produz e enlata enguias de escabeche desde 1942, a Patrimus viu aí um bom pretexto para "datar" a loja; já no caso da Casa de Pastéis de Bacalhau, a justificação apresentada era que se tratava "da data da primeira receita publicada de pastel de bacalhau." As pessoas interpretam como quiserem, comentava há um ano, em resposta ao DN, Fernando Fernandes, asseverando que não era "questão de fazer parecer antigo." Certo é que não é proibido inventar datas de fundação de lojas, mesmo se tal anda paredes meias com a publicidade enganosa, nem decorá-las por dentro e por fora de modo a que turistas pensem que se trata de uma "loja com história".

Num centro histórico submetido a uma enorme pressão da indústria do turismo, com as verdadeiras lojas "com história" a fechar paulatinamente devido à alteração acelerada do uso dos edifícios e ao descongelamento das rendas, surgem assim falsos comércios antigos, numa substituição irónica.

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