EDITORIAL
O
não contrato de Lacerda Machado
DIRECÇÃO EDITORIAL
12/04/2016 - PÚBLICO
O caso do “melhor
amigo” de Costa arrastou-se e assumiu proporções políticas
desnecessárias.
Há menos de um ano,
o líder do PS, numa entrevista ao PÚBLICO, dizia que o Estado não
podia “continuar a não ter recursos próprios nas competências
jurídicas para a negociação de grandes contratos, tendo de
recorrer, sistematicamente, à requisição, em outsourcing de
escritórios de advogados ou de analistas financeiros”. Para
António Costa, esta situação “fragiliza a protecção do
interesse público e torna aqueles que servem momentaneamente o
Estado mais permeáveis à influência, normal, da actividade que
desenvolvem noutras circunstâncias para os seus clientes privados”.
Tendo por base esta
espécie de declaração de guerra às assessorias privadas no
Estado, não deixa de ser estranho que o agora primeiro-ministro
tenha escolhido precisamente um advogado que não faz parte da
máquina do Estado e que recusou integrar o Governo para o assessorar
em dossiers tão importantes como a TAP, o BPI ou os lesados do BES.
E o caso assumiu contornos ainda mais estranhos quando se percebeu
não existir nenhuma relação contratual entre Diogo Lacerda Machado
e o gabinete do primeiro-ministro.
O advogado, o melhor
amigo de António Costa, não esteve a exercer um cargo político ou
público, mas enquanto representante do Estado nessas negociações
desempenhava funções públicas ou políticas que não são de
maneira nenhuma compatíveis com a informalidade de não ter sequer
uma avença ou um contrato de prestação de serviços com o Estado.
E isso, naturalmente, colocou o Governo na posição desconfortável
e desnecessária de ter de ouvir críticas e pedidos de
esclarecimento vindos até dos partidos mais à esquerda que o apoiam
no Parlamento, que rejeitam a ideia de existirem "ministros ou
consultores sombra". O Governo, entretanto, anunciou que o
advogado já tem um contrato com o Estado, mas ainda não o mostrou
na íntegra. Mas vai ter de o fazer, pois, como dizia Costa nessa
entrevista, “por mais sérios que sejam, é uma questão de
princípio”.
Negociador
de Costa vai ganhar dois mil euros brutos por mês
LILIANA VALENTE
12/04/2016 - PÚBLICO
Diogo
Lacerda Machado vai fazer consultadoria estratégica e jurídica para
o Governo. Costa agradece o empenho do amigo.
Depois de dias
debaixo de fogo por causa da contratação de Diogo Lacerda Machado
como consultor especial para o seu gabiente, António Costa esclarece
os termos do contrato com o amigo. Lacerda Machado vai ganhar 2000
euros brutos mensais, acrescido de IVA, de acordo com nota enviada à
comunicação social.
De acordo com a
mesma nota, o consultor terá um contrato de "prestação de
serviços de consultadoria estratégica e jurídica, na modalidade de
avença, em assuntos de elevada complexidade e especialização",
que incluem: "A emissão de pareceres jurídicos relativos a
assuntos indicados pelo GPM [Gabinete do primrio-ministro]", a
"assessoria no âmbito de processos negociais, incluindo
mediação e conciliação" e ainda a "elaboração de
relatórios, acordos, memorando e demais documentos que lhe sejam
solicitados no âmbito das prestações objecto do contrato a
celebrar".
A decisão de
explicar o que se estava a passar foi do próprio primeiro-ministro,
numa nota escrita na primeira pessoa. "Apesar de não existirem
quaisquer razões para pôr em causa a colaboração tal como tem
vindo a ser prestada, julguei atendível a critica de que a forma
dessa colaboração podia significar a desconsideração do valor do
trabalho", lê-se.
Ora a crítica a que
se refere saiu não apenas da oposição, mas também dos parceiros
de Governo. Neste início de semana, o melhor amigo de António Costa
tornou-se um problema para os amigos no Governo. PCP e BE pediram
explicações sobre a relação entre o Estado e o advogado Diogo
Lacerda Machado.
O líder parlamentar
do BE, Pedro Filipe Soares, pediu justificações ao Governo esta
terça-feira de manhã, porque, defendeu, não podem existir
“ministros ou consultores sombra”. E acrescentou que “não pode
existir numa República, numa democracia, a ideia de que há
espaços-sombra onde as relações contratuais não são
esclarecidas”, pedindo para que sejam conhecidos “todos os
contornos do mandato” de Diogo Lacerda Machado nos mais variados
negócios em que esteve envolvido – desde a reversão da
privatização da TAP, à solução para os lesados do BES ou às
conversações entre Isabel dos Santos e o Caixabank por causa do
BPI.
Em plenas jornadas
parlamentares, o líder parlamentar do PCP juntou-se ao coro. O PCP
defendeu que o Governo "deve dar todos os esclarecimentos sobre
essa contratação". Disse João Oliveira que o Governo deve
garantir que "os argumentos para essa contratação sejam
coincidentes com o interesse público" nas "intervenções
do Governo nos negócios do Estado".
A pressão dos dois
partidos juntou-se ao PSD, que entregou esta terça-feira um
requerimento a pedir acesso ao contrato do consultor. No documento,
os sociais-democratas falam em "irresponsabilidade inaceitável"
e consideram ser "no mínimo pouco transparente ter alguém a
representar o Estado ao mais alto nível, em reuniões e em decisões
substantivas, sem que se conheçam as condições em que o faz, as
responsabilidades e limites com que o faz". Além disso acusam
Costa de "confundir uma relação pessoal com uma relação
institucional e contratual". Pela mesma linha seguiu o CDS, que
quer conhecer o contrato para saber quais os encargos para o Estado e
se há incompatibilidades. "Está em causa perceber, e perceber
muito bem, de forma muito clarinha e transparente estes três
factores para perceber quem actua em nome do Estado português",
disse a deputada Cecília Meireles.
Perante a pressão
da oposição, mas agora também dos parceiros do Governo, o PS
tentou pôr água na fervura. “Está marcada a ida de Diogo Lacerda
Machado ao Parlamento” para o dia 27 de Abril, diz ao PÚBLICO o
porta-voz do partido, João Galamba, que acrescenta que “o Governo
já informou em que pé está o contrato" e que este será "de
imediato divulgado”.
No esclarecimento
prestado na segunda-feira ao final do dia por fonte do gabinete do
primeiro-ministro sobre o parecer favorável do INA –
Direcção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções
Públicas à contratação de Lacerda Machado, era feita referência
a uma portaria que regulamenta as contratações no Estado e que foi
criada para dar prioridade aos trabalhadores em situação de
requalificação. Mas estas regras tanto se impõem na celebração
de contratos em funções públicas, como nas prestações de
serviços.
No fundo, os
organismos públicos são obrigados a pedir ao INA que verifique se
não existem trabalhadores na requalificação que possam preencher
os requisitos do cargo e serem, assim, reaproveitados. Caso não
existam, é dado um parecer favorável à contratação. Esta
avaliação tem de ser feita num prazo máximo de dez dias. Neste
caso, foi mais célere. O primeiro-ministro fez o pedido a 7 de
Abril, quinta-feira, e o parecer favorável chegou na segunda, com um
fim-de-semana pelo meio. com Raquel Almeida Correia
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