segunda-feira, 1 de julho de 2013

Falsa Alternância.

"Mas conseguiu perceber o que aconteceu a António Costa e à sua anunciada alternativa?

Do que percebo, os partidos políticos geraram lógicas de poder interno que se reproduzem. São muito fechados, alimentam--se a si próprios e são muito insensíveis à opinião que o eleitorado do seu espaço político tem. As estratégias de poder foram--se fechando e tornaram-se imunes ao sentimento do próprio eleitorado. Isso gera mecanismos de poder interno que são invioláveis."


Pedro Adão e Silva. "A esquerda não tem uma alternativa eficaz e coerente"
Por Ana Sá Lopes in (Jornal)  i online
publicado em 1 Jul 2013

Pedro Adão e Silva lançou um livro em que se afirma que a mudança de poder não tornava Portugal substancialmente diferente

Pedro Adão e Silva já foi dirigente do PS, no tempo da liderança de Eduardo Ferro Rodrigues. Agora, está recolhido no ISCTE e vem a público escrever nos jornais e falar na SIC. Na semana passada lançou o livro "E Agora?", sobre os bloqueios do sistema político nacional e europeu. Mudar de governo servia para mudar um bocadinho, mas nada substancial. Os tempos são de decadência e de retrocesso - e cita Tony Judt para afirmar que há momentos em que o objectivo central deve ser o de fazer o menos mau possível.

É normal que um militante do PS afirme que as soluções da direita para resolver a crise não servem para nada. Mas já é radicalmente novo que diga que as da esquerda também não. Não se sente angustiado ao concluir que a esquerda não serve para nada?

Há vários falhanços nesta crise. Há o falhanço do euro, o falhanço da resposta da direita, a da austeridade expansionista. Mas há outro falhanço: a social-democracia não tem uma resposta que articule toda a natureza da crise, respostas concretas para a crise, e uma coligação social e política para tornar essas respostas exequíveis. Essas três dimensões não estão presentes e a prova disso é que nos países em que os sociais-democratas estão no poder não há capacidade contra-hegemónica.

Chega a admitir que um governo PS não terá capacidade de nos retirar deste atoleiro e compara Hollande a Seguro. É o primeiro socialista a tirar essa conclusão.

Não sei se sou.

Pelo menos publicamente.

O centro-esquerda está numa encruzilhada. Podemos chegar a um momento de um enorme bloqueio político e de não haver respostas para os problemas que enfrentamos. De alguma forma, já estamos nesse momento. Dependemos de uma transformação profunda a nível europeu e, naturalmente, nenhum partido ou governo nacional tem capacidade de produzir essa transformação. A lição dos últimos 12 meses, e que será provavelmente a dos próximos 24, é que o centro-esquerda quando vai para o poder, para fazer estas mesmas políticas que estão a ser seguidas com intensidades diferentes um pouco por toda a Europa, tem muito menor capacidade de resistir eleitoralmente. Isto foi o que se passou na Grécia, e é o que se pode vir a passar em França. Nos países sob resgate, podemos assistir a uma implosão do sistema partidário em ondas.

O PASOK praticamente desapareceu na Grécia, vale 6% nas sondagens.

Não quero parecer muito pessimista, mas há bons motivos para estarmos pessimistas. No entanto, temo bem que o PS ainda ganhe as eleições - caminhamos no sentido da alternância - mas seja uma passagem pelo poder muito breve e devastadora para o Partido Socialista. Da mesma forma que o PSD sairá devastado nas próximas eleições legislativas. Vamos ter uma desagregação do PSD, se houver eleições daqui a um ano ou daqui a dois, o PS ganhará as eleições mas ficará rapidamente muito desgastado. Não podemos cair na ilusão de que uma pequena diferença nas políticas e um discurso mais humanista fará uma grande diferença no médio prazo. Não fará. Poderá ser um balão de oxigénio, mas não fará uma grande diferença. Por outro lado, os partidos dos países das periferias, que não por acaso são as democracias mais tardias, não têm um grande enraizamento social. Portanto, quando sujeitos a uma grande intempérie, caem e não têm raízes para se reerguerem. Um partido alemão, um partido inglês, um partido sueco resiste muito mais a um cataclismo. Os partidos das democracias tardias vão abaixo e não se reerguem. PS e PSD são filhos da Europa e do bem-estar social. Quando se degrada o Estado social e se degrada a Europa, quando se degradam as fontes de legitimação, como é que os países haveriam de se manter firmes?

Há um problema de défice de enraizamento. O caminho de lenta agonia que temos trilhado na Europa é difícil de sustentar politicamente nos países da periferia.

Portanto, o risco de António José Seguro como primeiro-ministro é tornar-se uma espécie de Hollande do Largo do Rato instalado em São Bento...

Não é uma espécie de François Hollande porque a nossa situação é bem mais complexa do que a da França, que tem um poder que Portugal manifestamente não tem. Mas Seguro corre esse risco e o risco é tanto maior quanto maior for a convicção que uma pequena diferença fará uma grande diferença. É evidente que há coisas que podem ser feitas, mas o essencial é que há aqui um bloqueio geral.

Se fosse António Costa o líder não haveria grande diferença...

Os problemas de fundo seriam os mesmos. Há uma coisa que pode fazer a diferença: nós precisamos de reforçar a nossa capacidade negocial e reforçar a nossa voz quando falamos para fora. E essa capacidade negocial depende de um governo que fale também para fora das estruturas partidárias. E aí faz diferença quem é o líder. E é por isso que eu acho que o próximo ciclo não pode ser um ciclo de alternância igual a ciclos políticos anteriores. É uma ilusão pensar que é possível substituir o PSD e o CDS pelo PS e CDS. Não vai bastar. Vamos precisar de reestruturar a dívida e renegociar as condições em que participamos no euro. Isso só é possível com uma robustez política interna que manifestamente não resultará apenas de uma eleição com maioria relativa do PS.

Então isso só seria possível com uma espécie de bloco central?

O tipo de exigências que temos hoje é comparável com as que tivemos em 1983, mas muito superiores. Precisamos de um governo com capacidade para promover, no curto prazo, um acordo político sólido. Mas tudo isso não é fácil de fazer nesta altura. Não é uma questão de António Costa ou de Seguro, é uma questão de características e de percursos e de capacidade para falar para fora das estruturas partidárias. Precisamos que quem quer que seja que vá liderar o próximo governo fale para fora do seu espaço político. E esse capital de esperança tem de radicar na experiência governativa. Precisamos de alguém que comece a governar no dia seguinte. Já tivemos o ministro Álvaro, o primeiro-ministro Passos Coelho e vários outros ministros e um dos principais problemas foi a total impreparação para lidar com a administração e com a coordenação de equipas. Não podemos repetir o falhanço da impreparação.

Diz isso, mas ninguém se apresentou no congresso e António José Seguro foi eleito com esmagadora maioria. É o partido que está bloqueado?

O país está politicamente bloqueado e o Partido Socialista é mais uma manifestação dos bloqueios políticos que o país tem.

Mas conseguiu perceber o que aconteceu a António Costa e à sua anunciada alternativa?

Do que percebo, os partidos políticos geraram lógicas de poder interno que se reproduzem. São muito fechados, alimentam--se a si próprios e são muito insensíveis à opinião que o eleitorado do seu espaço político tem. As estratégias de poder foram--se fechando e tornaram-se imunes ao sentimento do próprio eleitorado. Isso gera mecanismos de poder interno que são invioláveis.

Mas não também uma enorme incapacidade de se correr riscos? Ninguém correu o risco de se opor a Sócrates, ninguém corre o risco de se opor a Seguro.

É evidente que a política tem constrangimentos, mas falta esse lado de voluntarismo e de capacidade de transformar e de alterar aquilo que são as percepções das pessoas, também dentro dos partidos. Quando há uma disputa interna, se alguém acha que vai perder porque os sindicatos de voto apontam noutro sentido, por si só isso não deve ser desmobilizador.

Quando é que se perdeu a capacidade de correr riscos dentro dos partidos?

Aquilo que é uma característica das democracias consolidadas, a profissionalização dos políticos, em Portugal ocorre num contexto diferente. Ficámos com a pior parte da profissionalização da política sem ter o lado do enraizamento e da participação social dos países do Norte. E isso faz com que a disponibilidade para correr riscos seja diminuta, porque as pessoas dependem profissionalmente das decisões das estruturas partidárias. Isso também cristaliza o poder nos partidos. A partir do momento em que há a percepção de que existe um vencedor, ninguém vai querer deixar de estar com esse vencedor interno, porque as pessoas querem continuar a ser deputados, eurodeputados, vereadores. Tudo isso estabiliza a estrutura de poder dentro dos partidos.

Escreve no livro que o Tratado de Estabilidade deixa de pés e mãos atadas os sociais-democratas. Diz que foi péssimo os socialistas terem-no assinado, mas que não poderiam deixar de o fazer. Porque é que era impossível não o assinar? Os sociais-democratas não deveriam ter corrido esse risco?

Mas quais sociais-democratas? Não há uma coligação social-democrata transnacional na Europa. As primeiras reacções à crise de 2008 rapidamente assentaram numa fragmentação das respostas. O principal absurdo no início desta crise foi a incapacidade da Espanha e de Portugal fazerem uma coligação política a nível europeu. Os países rapidamente começaram a individualizar estratégias e a sublinhar as diferenças em vez de sublinhar aquilo que era o problema estrutural. A partir daí estava aberto o caminho para a fragmentação que existe hoje. Um partido isolado num determinado país pode rejeitar e refutar o tratado orçamental? Não. O tratado é politicamente viável para um partido de centro-esquerda? Não. Isto só demonstra a dimensão dos bloqueios. E serve para contrariar a ideia, que é uma ideia da social-democracia, de algum optimismo histórico, a ideia de que o progresso é quase uma marcha imparável da História. Não é assim. As nossas sociedades estão cheias de períodos longos de declínio e de retrocesso e a dimensão dos bloqueios que hoje enfrentamos pode bem mostrar que estamos perante um desses períodos de declínio e de retrocesso. Como é que se resiste em termos de comunidade, em termos políticos, em termos institucionais a esse período de retrocesso? Muito mal.

Mas não há nenhuma esperança, mesmo reconhecendo que os socialistas europeus estão em coma?

A direita tem uma narrativa coerente, está a viver o seu momentum. É totalmente absurda e falha do ponto de vista político, mas a combinação de austeridade económica com punição moral - uma combinação paradoxal entre liberalismo e puritanismo - corresponde a um sentimento generalizado em alguns países. O problema é que a esquerda não tem uma narrativa alternativa suficientemente eficaz e coerente. Mas é um facto que em Portugal chegámos a uma loucura tal que só devolver o país à razoabilidade já fará alguma diferença - por exemplo, não fazer coisas estúpidas como este governo faz sistematicamente.

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