Governo
e Marcelo preparados para perder administração da CGD
DAVID DINIS
11/11/2016 – 07:17
Seis
dos administradores não aceitam mostrar declaração, mas ou ficam
todos ou nenhum. Equipa aceita entregar dados à PGR. Recapitalização
privada pode ser adiada para Março.
A posição da
administração da Caixa está tomada e é irredutível – tendo
sido já transmitida ao Governo e ao Presidente da República: se o
Tribunal Constitucional (TC) exigir as declarações de património,
se não aceitar pelo menos mantê-las todas em sigilo até ao fim do
mandato, a equipa de António Domingues demite-se em bloco, apurou o
PÚBLICO junto de fonte política. As mesmas fontes admitem que há
pouca margem de manobra para que tal não aconteca e, como tal,
Governo e Presidente estão preparados para que a administração da
Caixa saia mesmo.
Neste momento,
depois de ouvir as pessoas que convidou em Maio e Junho, o presidente
da CGD tem uma lista de seis administradores que não aceitarão
divulgar os seus rendimentos e património em público. Mas Domingues
considera que, se houver essa obrigação, fica ferido de morte o
acordo que levou à sua indigitação – e a sua palavra perante as
pessoas que levou para o banco.
Há uma semana,
depois de uma prolongada ausência no estrangeiro, o Presidente da
República tomou uma posição pública sobre a polémica que se
arrastava (e já o arrastava também): António Domingues devia
apresentar a sua declaração, assim como os seus colegas de
administração. Caso contrário, acrescentou Marcelo, a lei devia
mudar. O Presidente fê-lo, sabe o PÚBLICO, sem falar antes com
Domingues. Chamou-o esta semana, para um encontro que se realizou na
quarta-feira e que não deixou o chefe de Estado mais descansado.
Ao Presidente, como
ao ministro das Finanças e ao primeiro-ministro, Domingues não
precisou de dizer que sairia. Quis, isso sim, explicar a sua posição
de princípio, relatando a quem não sabia as três condições que
impôs quando foi convidado: garantir uma recapitalização sem
"ajuda de Estado" (ou seja, sem que Bruxelas impusesse
restrições); libertar a CGD de limites salariais, incluindo os
trabalhadores; e dispensar a administração da apresentação de
declarações públicas de património. As condições, segundo a
informação coincidente entre fontes do Governo e da Caixa, foram
aceites por Mário Centeno e Mourinho Félix logo em 20 de Março e
estarão registadas por escrito.
Só esse compromisso
permitiu a Domingues, confirmou o PÚBLICO, fazer os convites para a
sua equipa. Mas só os comunicou ao Banco de Portugal depois de ter
sido chamado para uma reunião em São Bento. Foi a 2 de Junho que
Costa e Centeno pediram que o processo fosse acelerado, face à saída
iminente de José de Matos da CGD. Domingues não o queria fazer
antes de o Governo aprovar a retirada da Caixa debaixo da alçada do
Estatuto de Gestor Público, mas acedeu face às garantias do
primeiro-ministro.
Não foi possível
confirmar, face a versões divergentes, se neste encontro a questão
das declarações de rendimentos e património foi abordada, mas sim
apurar que Domingues remeteu os nomes a 13 de Junho para o banco
central. A aprovação do documento pelo Governo ocorreu a 8 de
Junho, no Conselho de Ministros da Arrábida, em que o executivo
discutiu a questão das declarações de rendimentos — mas em que
Centeno e Mourinho Félix não estavam. Mais tarde nesse mês,
Domingues esteve também com Carlos Costa, o governador do Banco de
Portugal, e deixou claros os mesmos pontos: à CGD não se aplicaria
o Estatuto.
Uma janela para uma
possível solução
Face à
irredutibilidade de Domingues em voltar atrás, Governo e Presidente
olham para as hipóteses de a administração actual ficar como
"mínima", sabendo que o TC está a acelerar o processo - e
que toda a jusrisprudência avisa que nunca os juizes dispensaram um
administrador público desta obrigação. Há quem, nos bastidores,
já desafabe que "as coisas são como são", ou quem, no
Executivo, admita que se encontrará outra administração para a
Caixa, se não houver outra saída para a crise.
No encontro com
Domingues, Marcelo fez até questão de lhe deixar um pedido,
divulgado na quinta-feira pelo Jornal de Negócios, e que o PÚBLICO
confirmou com maior detalhe: que não saísse de funções, pelo
menos, até que a parte pública da recapitalização (conversão de
obrigações públicas em capital; integração da ParCaixa)
estivesse concluída. Quanto à parte privada, que Bruxelas exigiu,
estará já adiada para Março - possivelmente com outra
administração no banco público.
Neste fase, os
serviços jurídicos da Caixa, por sua iniciativa, ainda estão a
ultimar uma avaliação sobre os termos em que os administradores da
Caixa têm de entregar uma declaração de rendimentos e património
ao TC. Ao que o PÚBLICO apurou, o gabinete jurídico do banco está
inclinado a admitir que a legislação em vigor obriga à entrega da
declaração, mas argumenta que há margem para vedar ao cidadão
comum a consulta pública dos documentos que o TC vier a receber,
ficando apenas disponíveis para as entidades com interesse legitimo,
como o Ministério Público ou a Autoridade Tributária e Aduaneira,
por exemplo.
Dos meios políticos,
tem chegado à Caixa um aviso sobre o processo: se a ideia for pedir
segredo, é preciso fazê-lo já (porque o TC precisa de ter essa
indicação quando se reunir para chegar a uma decisão final). E a
única maneira de poder haver alguma resposta positiva é que o façam
separadamente, um a um, na esperança de que o tribunal abra
excepções, por exemplo para os administradores estrangeiros.
O PÚBLICO sabe, no
entanto, que a administração da Caixa, individualmente, argumenta
que não está obrigada a entregar as declarações no TC, podendo,
caso venha a ser obrigada à entrega, usar o pedido de sigilo das
mesmas.
Entre estas trocas
de informação de bastidores, é possível que seja aberta uma
pequena porta para uma possível solução: os administradores
entregarem cada um o seu pedido, argumentando que a interpretação
da norma legal permite ao TC vedar ao cidadão comum a consulta
pública dos documentos que vier a receber, mas deixando a garantia
de que estes ficarão disponíveis para todas as entidades com
interesse legitimo, incluindo o Ministério Público e a Autoridade
Tributária. "É um caminho estreito", admite uma fonte
política. Será esse ou a crise na Caixa.
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