segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Oposição diz não ter sido informada sobre o acordo da Carris, que quer ver discutido / Governo lança repto ao Porto para seguir Lisboa com descontos nos passes


Oposição diz não ter sido informada sobre o acordo da Carris, que quer ver discutido

POR O CORVO • 22 NOVEMBRO, 2016 •
http://ocorvo.pt/2016/11/22/oposicao-diz-nao-ter-sido-informada-sobre-o-acordo-da-carris-que-quer-ver-discutido/

Nem os vereadores da oposição nem os deputados da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) terão sido informados antecipadamente sobre o memorando de entendimento para a municipalização da gestão da Carris, a partir de 1 de janeiro de 2007, assinado nesta segunda-feira (21 de novembro), entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo. Por isso, não puderam sequer apreciá-lo, discuti-lo e votá-lo, como seria expectável sobre uma decisão política com previsíveis fortes implicações administrativas e financeiras.

Ambos os órgãos – vereação e assembleia – apenas poderão pronunciar-se sobre o acordo, entre o executivo liderado pelo PS e a administração central, depois do mesmo ter sido já firmado. Tal está a irritar bastante os representantes dos partidos da oposição, que vêem na efectivação do documento que estabelece um novo modelo de exploração para a transportadora rodoviária da capital como uma atitude de “facto consumado” e “pouco respeitadora dos mecanismos democráticos”. E preparam-se, por isso, para exigir à liderança da CML toda a informação sobre o assunto.

“Sabíamos que a câmara estava a negociar com o governo a gestão da Carris e que, por isso, este seria o desfecho provável. Não podemos dizer que fomos surpreendidos, mas os termos do acordo agora assinado não foram alvo de discussão, como deveria ter acontecido”, diz ao Corvo António Prôa, vereador do PSD, que promete “exigir ao executivo informação detalhada” sobre o assunto, na próxima reunião camarária, na quinta-feira (24 de novembro).

O eleito social-democrata diz que, tal como os outros vereadores da oposição, terá sido informado na quinta-feira da última semana (17 de novembro) sobre a cerimónia de assinatura do memorando. Sem que mais pormenores tivessem sido avançados. “O que, com o actual presidente da câmara não constitui propriamente uma singularidade. Com o seu antecessor, apesar das divergências, sempre havia uma maior partilha de informação”, critica Prôa, salientando, porém, o facto de “aquilo que foi assinado ser apenas um memorado”. Logo, diz, “formalmente, não constitui garantia de nada”. Mesmo apesar das diversas informações ontem tornadas públicas, como a de novos investimentos na frota ou o alargamento das vantagens em alguns passes.

Ainda assim, o vereador do PSD considera que o entendimento firmado por Fernando Medina incorre em dois “erros”. “Antes de mais, ao avançar com esta assinatura, a câmara renegou a poder ponderar outros cenários de gestão que implicassem uma melhoria da qualidade do serviço prestado aos utilizadores dos transportes públicos. Não quer dizer que recusamos por completo a municipalização, mas gostaríamos que pudessem ter sido estudadas outras soluções, como a concessão a privados”, explica.

Além disso, António Prôa considera “um erro gravíssimo” o avançar para uma gestão da Carris autonomizada da do Metropolitano de Lisboa. “Ao permitir esta desarticulação, a autarquia prepara-se para receber um investimento coxo, amputado dos seus membros”, afirma, antes de considerar “uma ligeireza” o anúncio também ontem feito sobre a criação de uma rede de proximidade. “Essa rede já havia sido criada pela câmara, em 2004, através do Lisboa Porta-a-Porta, e depois passou a ser assegurada pelas freguesias”, diz. Razões mais que suficientes para Prôa pedir mais esclarecimentos.

Algo que se preparam para fazer também os deputados do partido na assembleia municipal. “Não houve consulta dos deputados sobre esta questão. E não temos a certeza que a Câmara de Lisboa tenha a capacidade necessária para gerir uma empresa como a Carris”, diz ao Corvo João Magalhães Pereira, eleito pelo PSD na Assembleia Municipal de Lisboa, lamentando o facto de os deputados municipais não terem podido pronunciar-se mais sobre a matéria, desde a realização do debate temático sobre transportes, ocorrido naquele fórum, no início do ano.

“Só o PS é que defende a municipalização da empresa, os outros partidos advogam soluções diferentes”, recorda Magalhães Pereira, dizendo que “não faz sentido ter o metro a concorrer contra a Carris, deveriam ambas estar sobre a mesma liderança”. Como são mais as dúvidas que as certezas, o deputado municipal diz ser “muito provável” que a representação do seu partido na assembleia venha a tomar, em breve, uma posição formal sobre a maneira como a CML tem lidado com o dossiê.

Também o PCP contesta a forma como o processo tem sido conduzido – além de ser abertamente contra a municipalização da Carris, preferindo vê-la manter-se na esfera da administração central. “Um memorando assinado pela câmara que não é sujeito à apreciação dos órgãos autárquicos não tem qualquer valor. Não se percebe como se procede desta forma, tentando fazer uma retificação à posteriori”, critica o vereador Carlos Moura.

O eleito considera que a atuação do executivo chefiado por Fernando Medina nesta matéria constitui “uma inversão total do que deve ser o normal funcionamento das instituições democráticas, algo absolutamente incompreensível”. O vereador comunista garante, por isso, que vai exigir explicações, na próxima reunião de vereação. E acha que “a própria Assembleia Municipal de Lisboa, como um todo, deveria tomar uma posição formal sobre esta questão”.

Já o vereador do CDS-PP, João Gonçalves Pereira, sobre a mesma questão, disse ontem à tarde à rádio TSF que tinha sérias dívidas sobre a legalidade do acordo assinado. “Tudo isto está a ser feito ao contrário. Deveria ter ido a reunião de câmara, sido discutido e votado e só depois ser assinado o compromisso”. Por isso, considera Gonçalves Pereira, aquilo a que se assistiu ontem pode não ter sido mais que uma simples “conferência de imprensa, ou seja uma mera manobra de propaganda”.“Sob o ponto de vista formal, o presidente da Câmara de Lisboa não tem mandato para assumir esse tipo de compromissos”, afirma.

Questionada pelo Corvo sobre as críticas feitas pela oposição à forma como o processo tem vindo a ser conduzido, a Câmara Municipal de Lisboa respondeu, ao final da tarde desta segunda-feira (21 de novembro), que “o memorando de entendimento foi enviado hoje mesmo para todos os vereadores”. A mesma nota escrita acrescenta que o referido documento “será discutido e votado na próxima reunião pública da CML”.

Texto: Samuel Alemão

Governo lança repto ao Porto para seguir Lisboa com descontos nos passes
Em ano de autárquicas, Carris e Metro de Lisboa vão passar a ser gratuitos para as crianças e mais baratos para os seniores. O objectivo é compensar a perda de receitas com mais passageiros.

RAQUEL ALMEIDA CORREIA e ABEL COENTRÃO 22 de Novembro de 2016, 0:01

No dia em que Fernando Medina decorou a passagem da Carris para a Câmara de Lisboa com anúncios de isenções e descontos nos passes, uma pergunta impôs-se: e o resto do país? O ministro do Ambiente respondeu ao PÚBLICO que faz tudo parte da “política comercial das empresas”, já que também a Metro de Lisboa e a CP (nos percursos urbanos) passarão, em Fevereiro, a dar viagens grátis a crianças até 12 anos e a fazer descontos de 40% para passageiros com mais de 65 anos. Para o Porto, Matos Fernandes lançou um repto: medidas como estas, que atraiam mais passageiros, são “bem-vindas”.

“Não se trata de política social, mas sim de política comercial das empresas. Se a STCP quiser, pode avançar com medidas parecidas. Essas hão-de ser propostas dos seus gestores, que serão bem-vindas”, afirmou o governante. O caso da STCP, que gere a rede de autocarros no Porto, é muito diferente do da Carris, a começar pelo número de municípios envolvidos. Se, em Lisboa, está em causa a transferência para uma única autarquia em Janeiro, no Porto serão seis as câmaras a dividir os comandos da transportadora pública. Além disso, o processo está atrasado. Será em 2017, mas não há ainda uma data fechada para que assumam a gestão.

Além disso, os municípios do Grande Porto não vão ter autonomia para decidir descontos ou isenções no custo dos passes como os que Lisboa anunciou na segunda-feira. Como lembra o autarca de Gaia, na sociedade que vai passar a gerir a STCP, as câmaras estão em maioria mas caberá ao Estado nomear o administrador financeiro – e este terá um “poder de veto” sobre decisões que aumentem os prejuízos da transportadora.

O socialista Eduardo Vítor Rodrigues e o seu o homólogo da Maia, o social-democrata Bragança Fernandes, concordam que, sendo possível, seria positivo alargar o acesso de mais franjas da população ao transporte público, mas lembram que essa questão terá de ser consensualizada pois na transportadora do Grande Porto há seis municípios envolvidos.

E Eduardo Vítor Rodrigues nota ainda que, tirando o caso do Porto, onde a STCP tem monopólio de operação, qualquer medida de desconto no preçário Andante teria de envolver as empresas privadas que operam nos restantes cinco concelhos e o próprio Metro do Porto, onde o Estado é maioritário. E, neste quadro, qualquer solução teria de ser trabalhada com o Governo, insistiu o autarca de Gaia. Na Câmara do Porto, o assessor de Rui Moreira, Nuno Santos, considera que nesta fase “é prematuro” estar a discutir as políticas comerciais da futura STCP de gestão municipal, invocando precisamente os condicionalismos expressos pelos restantes autarcas contactados pelo PÚBLICO.

Quem paga a factura?
Com a transferência da Carris, depois da anulação das concessões a privados que afectou também a Metro de Lisboa, STCP e Metro do Porto, passa a ser da autarquia a responsabilidade de gerir a operação. Ou seja será o município a responder pelos prejuízos operacionais (a diferença entre as receitas e os custos).

As isenções e os descontos anunciados na segunda-feira para o passe Navegante Urbano vão gerar perda de receitas, mas o ministro do Ambiente está convicto de que o saldo será positivo. “A ausência de receitas será compensada por um aumento da procura”, sobretudo de passageiros que deixaram de usar transportes colectivos por causa dos sucessivos aumentos tarifários. Matos Fernandes admite, ainda assim, que essa compensação poderá não ser total, mas defende que “o transporte público existe para movimentar pessoas e não para gerar ebitda” – isto é, resultados positivos.

No caso da Metro de Lisboa ou da CP, se houver perda de receita que fique por compensar, será o Estado a assumir a diferença, mas o governante esclarece que o impacto nesta empresa será muito residual. “É na Carris que o impacto é mais significativo, sobretudo nos descontos para as pessoas com mais de 65 anos”, explicou, acrescentando que, só nesta franja, espera-se que os descontos possam trazer um acréscimo do tráfego na ordem dos 40%. As isenções para crianças têm “pouca expressão”, garantiu, lembrando que, neste ponto, o objectivo de aumento da procura é mais a longo prazo. A intenção é criar desde cedo uma ligação com os transportes públicos que evite que a utilização de automóvel se torne um hábito difícil de mudar.

Questionada pelo PÚBLICO sobre o impacto financeiro da medida, a assessoria de imprensa da Câmara Municipal de Lisboa respondeu com a criação do fundo de mobilidade, com uma dotação de 15 milhões de euros, que será alimentado com receitas da EMEL, parte do Imposto Único de Circulação e parte das multas de estacionamento para “suportar a melhoria do serviço a prestar pela Carris”.


A “política comercial” é diferente da “política social”, a que Matos Fernandes fez referência, já que, a este nível, existe o Passe Social +. Trata-se de um passe com descontos para grupos mais carenciados, que foi alargado a todo o país em 2016 pelo actual Governo, mas que ainda não chegou ao terreno, aguardando por luz verde das Finanças. A medida vai manter-se no próximo ano. Mas com o anúncio da Câmara de Lisboa, a esquerda ganha agora outra margem para medir um esforço adicional ao executivo de António Costa. com Inês Boaventura

Sem comentários: