terça-feira, 22 de novembro de 2016

Medina, o Metro e a Carris (I)
Sofia Vala Rocha

Esta é uma história que tem tudo para acabar mal, pior ainda do que a história dos terrenos da Feira Popular e do Parque Mayer que já vai em 239 milhões de euros, com a CML condenada pelo tribunal a pagar à Bragaparques. É a história - que os lisboetas vão ter de pagar com língua de palmo - de como a ambição tolda a razão dos homens. Fica a crónica, para memória futura.

A ‘primeira vez’ de Fernando Medina na Assembleia Municipal de Lisboa, em abril de 2015, foi para anunciar que a CML ia recorrer aos tribunais para travar a concessão da Carris e do Metro, reiterando a ideia que já havia apresentado uma semana antes, na sua tomada de posse, após António Costa ter abandonado o posto.

O então secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, já anunciara (no final de fevereiro de 2015) que a subconcessão das operações do Metro de Lisboa e da Carris deveria estar concluída até ao final de julho. Desde o início desse ano, a Carris e o Metro já tinham uma administração comum que juntava ainda a Transtejo/Soflusa - sendo que a última ficou fora da proposta de concessão.

E em março de 2015 o PSD tinha apresentado na Assembleia Municipal uma recomendação para solicitar à autarquia que apresentasse «os estudos de viabilidade económico-financeira que realizou e que justificam a sua intenção de gestão dos transportes públicos». Entretanto, António Costa, que ainda era o presidente da Câmara, considerava que o Governo não tinha legitimidade para lançar os concursos para as subconcessões.

O PS lisboeta, por seu lado, defendia que a Câmara, «mais do que qualquer outra instituição, conhece e defende as necessidades de transporte dos seus munícipes e das empresas aqui instaladas, bem como de todos os que nos visitam», alegando que «o Governo não tem legitimidade para dispor sobre estes contratos de concessão pois só o município tem legitimidade para autorizar a subconcessão dos contratos em vigor».

Esta conversa vinha do grande argumento do PS: as concessões tinham sido originariamente atribuídas pelo município de Lisboa à Carris e ao Metro de Lisboa, em 1973 e em 1949, respetivamente, embora depois as duas empresas tivessem sido nacionalizadas.

Colocada a questão, a PGR vem a decidir: o Estado é o titular das concessões da Carris e do Metropolitano de Lisboa. Ato contínuo, Sérgio Monteiro - à semelhança do que tinha feito a António Costa - lança o repto a Medina que pusesse os serviços da Câmara a estudar o caderno de encargos e preparasse uma candidatura ao concurso. Se a proposta fosse a melhor, certamente seria a CML a gerir os destinos do Metro e da Carris nos próximos anos.

Ora, nem António Costa nem Fernando Medina apresentaram alguma vez qualquer estudo que justificasse a municipalização dos transportes e, muito menos, pediram os cadernos de encargos para concorrerem.

A guerra no setor estava instalada. Era junho de 2015, e os sindicatos convocavam nova greve - a oitava do ano.

(continua na próxima semana)

Medina sobre a Carris: concelhos vizinhos não devem “ter receio”
A municipalização da empresa esteve em debate na Assembleia Municipal de Lisboa, a propósito do Orçamento para 2017. O documento foi aprovado por maioria.

INÊS BOAVENTURA 22 de Novembro de 2016, 21:55 actualizado a 22 de Novembro às 23:41


O presidente da Câmara de Lisboa sublinha que a municipalização da Carris não deve ser motivo de preocupação para os concelhos vizinhos. “Não há que ter receio”, afirma Fernando Medina, defendendo que “não há resposta para os problemas da mobilidade na cidade se não houver uma gestão integrada do problema e das soluções na Área Metropolitana”.

“Não há nenhuma solução que se possa confinar do ponto de vista conceptual e prático às fronteiras do município. Isso não existe. Não há um muro à saída de Lisboa”, vincou o autarca. Fernando Medina acrescentou ainda que o acordo firmado com o Governo, que prevê que a Carris transite para a câmara a 1 de Janeiro de 2017, “não é nenhum obstáculo à resolução da questão da mobilidade a nível metropolitano”, mas sim “um primeiro passo da solução”.

O autarca socialista respondia assim a dúvidas manifestadas esta terça-feira por vários deputados da Assembleia Municipal de Lisboa. O debate em torno da Carris fez-se a reboque da apreciação do Orçamento de 2017 para a cidade de Lisboa, documento que foi aprovado com os votos contra do PSD, CDS, MPT, PCP, PEV e BE e com os votos favoráveis do PS, Cidadãos Por Lisboa, PNPN (Parque das Nações Por Nós) e PAN.

Cláudia Madeira, do PEV, disse ter “grandes reservas” quanto à municipalização da empresa de transportes, dado que ela “opera em vários concelhos”. A deputada, a cujas preocupações se associou a comunista Ana Páscoa, frisou ainda que “todos os meios de transporte da cidade devem ter uma gestão integrada”, “através de uma autoridade metropolitana de transportes”.

Já o bloquista Ricardo Robles considerou que a transição da Carris para a câmara “é uma boa notícia” e que “a concessão a privados seria o maior dos erros”. Ainda assim, o deputado sublinhou que isso “por si só não é garantia de um transporte público universal e de qualidade” e sustentou que foi “um erro” a autarquia ter ficado de fora da equação no que diz respeito ao Metropolitano de Lisboa.

Também o social-democrata Luís Newton defendeu (afastando-se daquelas que têm sido as posições de alguns elementos do seu partido) ter sido dado “um passo importante para a efectiva gestão da mobilidade em Lisboa”, acrescentando no entanto que essa gestão “peca por incompleta” por não incluir o metro. Por sua vez, Vasco Santos, do MPT, manifestou o receio de que a “situação financeira equilibrada e sustentável” que a autarquia apresenta hoje fique “comprometida” com a assunção da gestão da Carris.

Quanto ao orçamento, que em 2017 será de cerca de 775 milhões de euros (valor que representa um acréscimo de mais de 50 milhões face a este ano), foram vários os deputados que o qualificaram como próprio de um ano de eleições autárquicas. Entre eles Victor Gonçalves, do PSD, que criticou a política tarifária da câmara ao nível do Saneamento e dos Resíduos Urbanos.

“O CDS não alinhará com desperdício financeiro e gestão ineficaz dos dinheiros públicos”, afirmou por seu turno a centrista Maria Luísa Aldim, que criticou que a câmara só tenha divulgado a lista dos imóveis que pretende alienar em 2017 “após muitos pedidos”. O PÚBLICO também pediu essa lista à autarquia, no final de Outubro, mas até à data não a recebeu.

Neste debate, o vereador das Finanças insistiu na ideia de que Lisboa tem “a política fiscal e tributária mais favorável da Área Metropolitana de Lisboa”. Segundo resumiu João Paulo Saraiva, os membros do executivo estão “todos muito tranquilos” com as contas do município e também com as das empresas municipais, que “estão num estado lindíssimo”.


Esta terça-feira foram também aprovadas, por maioria, as propostas relativas ao IRS, IMI, IMT, Derrama e Taxa Municipal de Direitos de Passagem. O PSD absteve-se em quase todas e o BE viu serem rejeitadas todas as propostas de alteração que apresentou.

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