Repitam
comigo: Fidel era um di-ta-dor
Porque
não começar também a elogiar Salazar ou Pinochet, que mataram
menos gente e deixaram os seus países mais desenvolvidos?
29 de Novembro de
2016, 7:00
A falta de amor que
este país tem à liberdade nunca cessará de me espantar. Foram
demasiados os obituários e os comentários a propósito da morte de
Fidel Castro que me fizeram ter vergonha do país em que vivo. Do
PCP, a este respeito, ninguém espera nada. Mas receber uma
newsletter da revista Visão com o título “Hasta Siempre
Comandante Fidel”, certamente escrita – vamos ser optimistas –
com a inconsciência própria de quem olha para Cuba como uma photo
opportunity, com os seus carros anos 50, as cores garridas e os
charutos, não cabe na cabeça de ninguém. Cuba não é uma conta de
Instagram. Cuba é uma ditadura. Defender Fidel, romantizar Fidel,
mitificar Fidel, é defender, romantizar e mitificar um ditador, que
condenou milhares de pessoas à morte directa por fuzilamento e à
morte indirecta por afogamento no Estreito da Flórida.
Não há meio-termo
nisto. Essa conversa de que “a História o há-de julgar”, ou de
que “para uns morreu um ditador, para outros um herói”, só pode
dar a volta a qualquer estômago democrático. Desde quando é que
Fidel Castro ser um ditador passou a questão de opinião? Fidel
Castro só deixará de ser um ditador quando a definição de
ditadura for alterada nos dicionários. Cuba é um regime onde todos
os poderes do Estado estão concentrados num partido; esse partido
não admite a oposição livre às suas ideias – “pela Revolução,
tudo; contra a Revolução, nada!” –; o partido e o seu
presidente possuem poder e autoridade absolutos; não existe
democracia; a liberdade de circulação é limitada; existem presos
políticos e houve pelotões de fuzilamento que trataram de eliminar
qualquer resquício de resistência nos anos quentes da revolução.
Che Guevara admitiu-o na ONU, em 1964 (há imagens): “Sim,
fuzilámos, e continuaremos a fuzilar enquanto for necessário.” Se
isto não é uma ditadura, é o quê?
A gente já sabe que
um ditador de direita é um fascista, enquanto um ditador de esquerda
é um revolucionário bem-intencionado a quem as coisas correram mal.
Mas, pelo menos, digam a palavra: di-ta-dor. Com certeza que Fidel
Castro pode ser considerado um ditador heróico pelos seus
admiradores, e encaixar na categoria do déspota iluminado. Mas digam
o raio da palavra: di-ta-dor. E admitam que estão a defender um
di-ta-dor. Aquilo que não se suporta são os textos sonsos, como
aquele que Francisco Louçã escreveu neste jornal, afirmando que
“Fidel sai da vida como um vencedor”. Sim, Louçã admite que o
senhor “manteve um regime de partido único”. Mas depois lá vem
o velho “mas”, que tudo suaviza, tudo compreende, tudo desculpa:
“mas”, diz Louçã, “ao contrário da história trágica da
URSS, permitiu e até estimulou formas de diversidade cultural”,
como os “livros de Leonardo Padura”. Bravo! Eis uma frase que
poderia ser aplicada, sem tirar nem pôr, a Oliveira Salazar, ou não
fosse o neorrealismo o movimento literário mais marcante do Estado
Novo. Porque não começar também a elogiar Salazar ou Pinochet, que
mataram menos gente e deixaram os seus países mais desenvolvidos?
Um ditador é um
ditador é um ditador é um ditador. Só que Louçã nunca usa a
palavra no seu texto. Tal como nunca usa uma outra: liberdade.
Lamento: qualquer pessoa que defenda Fidel e o seu legado é uma
pessoa capaz, em certas circunstâncias, de desprezar a democracia.
Serem tantos a fazê-lo, no Portugal de 2016, é uma tristeza enorme.
Mas não desesperemos. Fidel morreu a 25 de Novembro, o que só pode
ser visto como um sinal dos céus.
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