quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Bloco quer saber quanto gastou, afinal, a Câmara de Lisboa com a Web Summit / Web Summit não vai fazer acontecer nada em Lisboa

"Ao dar a chave a Cosgrave, Fernando Medina deu-lhe a entender de que o seu projecto de anexar e colonizar a cidade com os seus logotipos é bem vindo"
Bloco quer saber quanto gastou, afinal, a Câmara de Lisboa com a Web Summit
POR O CORVO • 16 NOVEMBRO, 2016

Terminada a euforia quase consensual com a Web Summit, ocorrida na semana passada, há quem comece a colocar questões sobre os alegados efeitos salvíficos da tão badalada conferência internacional e se interrogue se, afinal, é assim tanto o que tem a ganhar a cidade e a sua economia ao acolherem a mesma. Mais que isso: quanto gastou ao certo o município para receber esta iniciativa privada?

As questões foram colocadas pela oposição de esquerda na Assembleia Municipal de Lisboa, nesta terça-feira (15 de novembro), com especial destaque para o Bloco (BE), que sugeriu a necessidade de se fazer um apuramento dos custos indiretos tidos pela autarquia com o evento. Para além disso, o partido questionou ainda o recurso, por parte da organização, ao uso de mão-de-obra gratuita.

“Era bom que o Partido Socialista pedisse um relatório ao executivo sobre os custos acessórios indirectos para promover esta conferência. Não achamos ilegítimo que a Câmara de Lisboa tenha uma política de incentivo a grandes conferências na cidade e gaste dinheiro com isso. Mas era bom que tal fosse público, senão, cria-se esta narrativa, pouco sadia para o debate púbico, de que estas coisas acontecem por magia e obra e graça de Deus, sem o dinheiro dos nossos impostos ser gasto também”, afirmou o deputado municipal Tiago Ivo Cruz.

O membro da Assembleia Municipal de Lisboa havia antes criticado as semanas de “verdadeiro aparato mediático, quase propagandístico, sem escrutínio” em redor da conferência. O eleito bloquista lembrou os “1,3 milhões de euros investidos diretamente pelo Turismo de Lisboa”, mas diz ser necessário apurar também os custos indiretos tidos pelo erário municipal.

Tiago Ivo Cruz não deixou passar o facto de se terem contabilizado cerca de dois mil trabalhadores sem remuneração, quase todos jovens, nesta Web Summit. “O empreendedorismo está a servir também para esconder estas realidades”, criticou, pouco depois. Já o deputado Carlos Santos Silva (PCP), não esquecendo a fragilidade dos vínculos laborais associados às novas empresas deste sector, confessou-se preocupado que se venha a pensar que a economia da cidade se pode sustentar “apenas com estes empresas de novas tecnologias e com o turismo”.

As críticas do Bloco e do PCP surgiram em oposição ao elogio à Web Summit feito pelo PS, PSD e pelo grupo dos deputados independentes, cuja eleita Ana Gaspar viu aprovado um voto de saudação ao papel desempenhado pela CML e pela cidade no apoio e acolhimento ao evento – embora com a reprovação do Bloco e abstenção do PSD, do PCP e do PEV. “Nesta formidável feira vi milhares de jovens entusiasmados com o potencial de criação ali trazido”, disse a eleita, relatando a sua ida à conferência, antes de admitir que tinha visto “meninos e meninas que eram voluntários das universidades”. “Eu, muito francamente, não tenho nada contra o voluntariado deste tipo. Penso que não foram obrigados, pelo menos aqueles com que falei”, disse, antes de mencionar o incentivo da entrada gratuita como contrapartida para os que ofereceram o seu trabalho.

Já antes, o deputado socialista Nuno Pintão, ao elogiar a conferência – “Lisboa tornou-se numa referência internacional, os media europeus reconheceram que a conferencia não podia ter corrido melhor -, afirmou que “os voluntários foram mesmo voluntários e estavam muito satisfeitos com isso”. “Pelo menos, é o que consulto nas redes sociais”, disse.

Uma outra moção elogiando a Web Summit, apresentada pelo PSD, teve uma sorte diferente. O seu primeiro ponto, no qual, além da conferência, se saudava “o Governo que a negociou e o Governo que a continuou”, foi rejeitado com votos contra do PS, PCP, BE, PEV e Parque das Nações por Nós, tendo os independentes abstido-se.


Texto: Samuel Alemão

Web Summit não vai fazer acontecer nada em Lisboa
Lucy Pepper

Os sonhos do governo sobre os enormes benefícios que vamos tirar da Web Summit nunca passarão de sonhos. Para Lisboa, a Web Summit nunca significará nada a não ser mais turismo em Novembro.

Bem, é facto consumado. Agora, resta-nos continuar com as nossas vidas. Falo de Web Summit: acabou, e a cidade está finalmente livre dos logótipos gigantes. Lisboa safou-se sem muitos danos, e não terá mudado quase nada.

Vi vários minutos de Web Summit online, e o que vi foi mais uma de tantas conferências de TI. Sim, é maior do que as outras conferências, e os geeks (gUeeks) são elevados temporariamente ao nível de estrelas de rock (o que não é uma coisa má. Acredito que são os geeks que nos vão salvar… espero). Aprecio e entendo tecnologia, mas não aprecio nem entendo conferências. Fazem-me lembrar a história da roupa nova do Imperador, onde a “roupa nova” é substituída por “Incríveis Novos Percepções e Conhecimentos”, mas vá lá. As conferências são uma boa maneira de sair do escritório durante uns dias, esticar as pernas, ver umas quantas caras diferentes, e, ao fim do dia, ter uma desculpa para beber bastante, depois do sofrimento de ouvir tanta gente a falar de tanta coisa entediante.

Depois do “hype” e da antecipação, quase toda a gente em Lisboa parece ter confrontado Web Summit com uma boa dose de cinismo. Quase toda a gente, menos o primeiro-ministro, com a sua tentativa de fazer um discurso motivacional, em que pôs aqueles olhos expectantes de “espero que agora o Google se mude para cá”. Outra excepção, foi o Presidente da Câmara Municipal, muito agitado a oferecer a chave da cidade ao Paddy Cosgrave. Que grande benefício terá feito Cosgrave a Lisboa? Pagou alguma fee por usar a cidade como paisagem de fundo das suas conferências? Eu gostava de perceber quanto custou a Lisboa (e não a Cosgrave) receber Web Summit. Gostaria também de saber as razões porque Dublin está tão feliz por se ter livrado da Web Summit. Não se esqueçam que ainda temos pelo menos duas conferências Web Summit para receber em Lisboa.

Ao dar a chave a Cosgrave, Fernando Medina deu-lhe a entender de que o seu projecto de anexar e colonizar a cidade com os seus logotipos é bem vindo. O presidente da câmara deu ainda um passeio com o grande irlandês, enquanto o grande irlandês se filmava para o Facebook a explicar que estavam a caminho do “Barrio Alto” (já que, como todos sabemos, Portugal é indistinguível da Espanha e/ou do México). Medina andava ao lado do irlandês, a saltitar para entrar de vez em quando no plano da câmara, como o antigo boneco de Marques Mendes no Contra-Informação.

Tenho vários amigos, jornalistas de tecnologia, que vieram assistir a conferência esta semana, e perguntei-lhes se a Web Summit ou qualquer outra das conferências a que assistem ao longo do ano fazem diferença a qualquer coisa. “Sim”, disseram me, “fazem. Pessoas conhecem outras pessoas, ao vivo, o que é bom. Fazem negócios. Gente de start-ups que não consegue passar a recepcionista de uma grande empresa em San Francisco pode, na conferência, chegar à fala, por acidente, com o CEO dessa mesma empresa, e vender-lhe a start-up. Bem, provavelmente também existem muitos bebés Web Summit a nascerem no mês de julho seguinte — e um bebé é sempre uma coisa boa.

Óptimo, mas perguntei ainda se estas conferências de tecnologia (há muitas, pelo mundo todo) beneficiam de algum modo as cidades que as recebem? Depois de uma semana divertida, com cerveja barata e boa comida, há empresas grandes e poderosas a instalar-se na cidade? Ou a comprar outras empresas ou a desenvolver parcerias locais? A resposta foi: “Hum…. não, nem por isso”.

Eu gostaria muito se Lisboa se tornasse uma espécie de Meca da tecnologia (embora isso significasse também que a cidade se iria tornar cara demais para os Lisboetas viverem: veja-se o caso de San Francisco). Temos por cá talento e habilitações, “coders” e “designers” brilhantes, e a vontade de procurar soluções. Mas — e espero que seja eu a estar enganada — não fiquem à espera de ver desembarcar grandes investimentos. É pouquíssimo provável que as grandes empresas, de tecnologia ou de outra área, optem por vir cá. Porque viriam, quando Portugal é um país onde é tão caro e tão complicado empregar pessoas, e é tão caro fazer dinheiro? Que teriam a ganhar? E, em Lisboa, para onde é que iriam? O centro da cidade obviamente não os poderia conter, e os arredores, que não têm lá muito bom aspecto, já são um labirinto de congestões de tráfego todos os dias.

No máximo, o que pode sair da Web Summit é uma mão cheia de “nómadas digitais”, que decidam instalar-se por cá durante uns tempos, a gerar rendimentos para outrem, e a pagar impostos nas suas terras de origem. Além disso, haverá talvez mais uns quantos artigos de jornal, daqueles que os portugueses gostam muito de partilhar, a elogiar a “incrível Lisboa”, escritos por jornalistas que, antes da semana que agora passou, nunca tinham ouvido falar de Portugal. Os sonhos do governo e do município sobre os enormes benefícios e vantagens que vamos tirar da Web Summit, nunca passarão de sonhos. Não vão acontecer. Para Lisboa, a Web Summit nunca significará mais do que um pouco mais de turismo em Novembro. Mas, enfim, pelo menos desta vez não tivemos de aturar o Bono.


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