"Ao dar a chave a Cosgrave, Fernando Medina deu-lhe a entender de que o seu projecto de anexar e colonizar a cidade com os seus logotipos é bem vindo" |
Bloco
quer saber quanto gastou, afinal, a Câmara de Lisboa com a Web
Summit
POR O CORVO • 16
NOVEMBRO, 2016
Terminada a euforia
quase consensual com a Web Summit, ocorrida na semana passada, há
quem comece a colocar questões sobre os alegados efeitos salvíficos
da tão badalada conferência internacional e se interrogue se,
afinal, é assim tanto o que tem a ganhar a cidade e a sua economia
ao acolherem a mesma. Mais que isso: quanto gastou ao certo o
município para receber esta iniciativa privada?
As questões foram
colocadas pela oposição de esquerda na Assembleia Municipal de
Lisboa, nesta terça-feira (15 de novembro), com especial destaque
para o Bloco (BE), que sugeriu a necessidade de se fazer um
apuramento dos custos indiretos tidos pela autarquia com o evento.
Para além disso, o partido questionou ainda o recurso, por parte da
organização, ao uso de mão-de-obra gratuita.
“Era bom que o
Partido Socialista pedisse um relatório ao executivo sobre os custos
acessórios indirectos para promover esta conferência. Não achamos
ilegítimo que a Câmara de Lisboa tenha uma política de incentivo a
grandes conferências na cidade e gaste dinheiro com isso. Mas era
bom que tal fosse público, senão, cria-se esta narrativa, pouco
sadia para o debate púbico, de que estas coisas acontecem por magia
e obra e graça de Deus, sem o dinheiro dos nossos impostos ser gasto
também”, afirmou o deputado municipal Tiago Ivo Cruz.
O membro da
Assembleia Municipal de Lisboa havia antes criticado as semanas de
“verdadeiro aparato mediático, quase propagandístico, sem
escrutínio” em redor da conferência. O eleito bloquista lembrou
os “1,3 milhões de euros investidos diretamente pelo Turismo de
Lisboa”, mas diz ser necessário apurar também os custos indiretos
tidos pelo erário municipal.
Tiago Ivo Cruz não
deixou passar o facto de se terem contabilizado cerca de dois mil
trabalhadores sem remuneração, quase todos jovens, nesta Web
Summit. “O empreendedorismo está a servir também para esconder
estas realidades”, criticou, pouco depois. Já o deputado Carlos
Santos Silva (PCP), não esquecendo a fragilidade dos vínculos
laborais associados às novas empresas deste sector, confessou-se
preocupado que se venha a pensar que a economia da cidade se pode
sustentar “apenas com estes empresas de novas tecnologias e com o
turismo”.
As críticas do
Bloco e do PCP surgiram em oposição ao elogio à Web Summit feito
pelo PS, PSD e pelo grupo dos deputados independentes, cuja eleita
Ana Gaspar viu aprovado um voto de saudação ao papel desempenhado
pela CML e pela cidade no apoio e acolhimento ao evento – embora
com a reprovação do Bloco e abstenção do PSD, do PCP e do PEV.
“Nesta formidável feira vi milhares de jovens entusiasmados com o
potencial de criação ali trazido”, disse a eleita, relatando a
sua ida à conferência, antes de admitir que tinha visto “meninos
e meninas que eram voluntários das universidades”. “Eu, muito
francamente, não tenho nada contra o voluntariado deste tipo. Penso
que não foram obrigados, pelo menos aqueles com que falei”, disse,
antes de mencionar o incentivo da entrada gratuita como contrapartida
para os que ofereceram o seu trabalho.
Já antes, o
deputado socialista Nuno Pintão, ao elogiar a conferência –
“Lisboa tornou-se numa referência internacional, os media europeus
reconheceram que a conferencia não podia ter corrido melhor -,
afirmou que “os voluntários foram mesmo voluntários e estavam
muito satisfeitos com isso”. “Pelo menos, é o que consulto nas
redes sociais”, disse.
Uma outra moção
elogiando a Web Summit, apresentada pelo PSD, teve uma sorte
diferente. O seu primeiro ponto, no qual, além da conferência, se
saudava “o Governo que a negociou e o Governo que a continuou”,
foi rejeitado com votos contra do PS, PCP, BE, PEV e Parque das
Nações por Nós, tendo os independentes abstido-se.
Texto: Samuel
Alemão
Web
Summit não vai fazer acontecer nada em Lisboa
Lucy Pepper
Os sonhos do governo
sobre os enormes benefícios que vamos tirar da Web Summit nunca
passarão de sonhos. Para Lisboa, a Web Summit nunca significará
nada a não ser mais turismo em Novembro.
Bem, é facto
consumado. Agora, resta-nos continuar com as nossas vidas. Falo de
Web Summit: acabou, e a cidade está finalmente livre dos logótipos
gigantes. Lisboa safou-se sem muitos danos, e não terá mudado quase
nada.
Vi vários minutos
de Web Summit online, e o que vi foi mais uma de tantas conferências
de TI. Sim, é maior do que as outras conferências, e os geeks
(gUeeks) são elevados temporariamente ao nível de estrelas de rock
(o que não é uma coisa má. Acredito que são os geeks que nos vão
salvar… espero). Aprecio e entendo tecnologia, mas não aprecio nem
entendo conferências. Fazem-me lembrar a história da roupa nova do
Imperador, onde a “roupa nova” é substituída por “Incríveis
Novos Percepções e Conhecimentos”, mas vá lá. As conferências
são uma boa maneira de sair do escritório durante uns dias, esticar
as pernas, ver umas quantas caras diferentes, e, ao fim do dia, ter
uma desculpa para beber bastante, depois do sofrimento de ouvir tanta
gente a falar de tanta coisa entediante.
Depois do “hype”
e da antecipação, quase toda a gente em Lisboa parece ter
confrontado Web Summit com uma boa dose de cinismo. Quase toda a
gente, menos o primeiro-ministro, com a sua tentativa de fazer um
discurso motivacional, em que pôs aqueles olhos expectantes de
“espero que agora o Google se mude para cá”. Outra excepção,
foi o Presidente da Câmara Municipal, muito agitado a oferecer a
chave da cidade ao Paddy Cosgrave. Que grande benefício terá feito
Cosgrave a Lisboa? Pagou alguma fee por usar a cidade como paisagem
de fundo das suas conferências? Eu gostava de perceber quanto custou
a Lisboa (e não a Cosgrave) receber Web Summit. Gostaria também de
saber as razões porque Dublin está tão feliz por se ter livrado da
Web Summit. Não se esqueçam que ainda temos pelo menos duas
conferências Web Summit para receber em Lisboa.
Ao dar a chave a
Cosgrave, Fernando Medina deu-lhe a entender de que o seu projecto de
anexar e colonizar a cidade com os seus logotipos é bem vindo. O
presidente da câmara deu ainda um passeio com o grande irlandês,
enquanto o grande irlandês se filmava para o Facebook a explicar que
estavam a caminho do “Barrio Alto” (já que, como todos sabemos,
Portugal é indistinguível da Espanha e/ou do México). Medina
andava ao lado do irlandês, a saltitar para entrar de vez em quando
no plano da câmara, como o antigo boneco de Marques Mendes no
Contra-Informação.
Tenho vários
amigos, jornalistas de tecnologia, que vieram assistir a conferência
esta semana, e perguntei-lhes se a Web Summit ou qualquer outra das
conferências a que assistem ao longo do ano fazem diferença a
qualquer coisa. “Sim”, disseram me, “fazem. Pessoas conhecem
outras pessoas, ao vivo, o que é bom. Fazem negócios. Gente de
start-ups que não consegue passar a recepcionista de uma grande
empresa em San Francisco pode, na conferência, chegar à fala, por
acidente, com o CEO dessa mesma empresa, e vender-lhe a start-up.
Bem, provavelmente também existem muitos bebés Web Summit a
nascerem no mês de julho seguinte — e um bebé é sempre uma coisa
boa.
Óptimo, mas
perguntei ainda se estas conferências de tecnologia (há muitas,
pelo mundo todo) beneficiam de algum modo as cidades que as recebem?
Depois de uma semana divertida, com cerveja barata e boa comida, há
empresas grandes e poderosas a instalar-se na cidade? Ou a comprar
outras empresas ou a desenvolver parcerias locais? A resposta foi:
“Hum…. não, nem por isso”.
Eu gostaria muito se
Lisboa se tornasse uma espécie de Meca da tecnologia (embora isso
significasse também que a cidade se iria tornar cara demais para os
Lisboetas viverem: veja-se o caso de San Francisco). Temos por cá
talento e habilitações, “coders” e “designers” brilhantes,
e a vontade de procurar soluções. Mas — e espero que seja eu a
estar enganada — não fiquem à espera de ver desembarcar grandes
investimentos. É pouquíssimo provável que as grandes empresas, de
tecnologia ou de outra área, optem por vir cá. Porque viriam,
quando Portugal é um país onde é tão caro e tão complicado
empregar pessoas, e é tão caro fazer dinheiro? Que teriam a ganhar?
E, em Lisboa, para onde é que iriam? O centro da cidade obviamente
não os poderia conter, e os arredores, que não têm lá muito bom
aspecto, já são um labirinto de congestões de tráfego todos os
dias.
No máximo, o que
pode sair da Web Summit é uma mão cheia de “nómadas digitais”,
que decidam instalar-se por cá durante uns tempos, a gerar
rendimentos para outrem, e a pagar impostos nas suas terras de
origem. Além disso, haverá talvez mais uns quantos artigos de
jornal, daqueles que os portugueses gostam muito de partilhar, a
elogiar a “incrível Lisboa”, escritos por jornalistas que, antes
da semana que agora passou, nunca tinham ouvido falar de Portugal. Os
sonhos do governo e do município sobre os enormes benefícios e
vantagens que vamos tirar da Web Summit, nunca passarão de sonhos.
Não vão acontecer. Para Lisboa, a Web Summit nunca significará
mais do que um pouco mais de turismo em Novembro. Mas, enfim, pelo
menos desta vez não tivemos de aturar o Bono.
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