A
História o absolverá?
A
História não trata necessariamente mal os ditadores, sobretudo
quando são “grandes” e nacionalistas.
Jorge Almeida
Fernandes
26 de Novembro de
2016, 20:52
A História não é
um tribunal. Tenta reconstituir e explicar, o que pode dar lugar a
juízos mais severos do que as catilinárias ideológicas. De resto,
a História não trata necessariamente mal os ditadores, sobretudo
quando são “grandes” e nacionalistas. Outra coisa é a opinião,
que depende das épocas e das geografias.
Houve a lenda do
revolucionário romântico, com fantástico talento para vender a sua
imagem a jornalistas, a intelectuais — de Sartre a García Márquez
— e, obviamente, aos jovens revolucionários que nos anos 1960
emergiam por todo o Ocidente. Muitos deles foram mais fascinados pelo
Che. Com razão. O Che morre ainda jovem, martirizado na Bolívia, o
que faz dele o ícone por excelência. Fidel morre na cama aos 90
anos. Mas sempre foi “El Comandante”, figura omnipresente na
segunda metade do século XX e referência da esquerda um pouco por
todo o mundo. Até à sua “primeira morte” com o fim da URSS.
Ao princípio dizia
Fidel: “A revolução cubana é uma democracia humanista.”
Prometeu dar dignidade aos cubanos. Garantiu a saúde e o ensino —
mas em troca das liberdades e do persistente hábito de fuzilar e
encher cadeias.
O estúpido bloqueio
americano não é responsável por tudo. Também os desastres da
estatização económica colocaram Cuba sob tutela soviética. E, em
termos de dignidade, Cuba tornou-se numa “Disneylândia da miséria”
e, mais tarde, com o turismo, num paraíso de prostituição, como
nos melhores tempos da ditadura de Batista. À História bastará
narrar.
A independência da
revolução perante a URSS sempre foi relativa. Em 1962, quando Cuba
esteve no centro da crise dos mísseis russos, Fidel viu com desgosto
Krustchov humilhá-lo, resolvendo a crise entre “os dois grandes”
e mandando retirar os mísseis sem dar satisfações à pequena Cuba.
Fidel prendeu o antigo líder comunista, Anibal Escalante, para
mostrar a sua independência dos russos. “El Comandante” era ele.
Os russos concordaram. Mais tarde, ao intervir em África, de Angola
à Etiópia, fez Fidel uma obra de “internacionalismo
revolucionário” ou serviu de força de apoio à expansão do
império soviético, com alguns dividendos económicos? A resposta da
História não será difícil.
Por que durou, e
dura, tanto tempo o regime? O historiador cubano Joaquín Roy,
director do Centro da União Europeia na Universidade de Miami,
lembra no El País a explicação do diplomata britânico David
Thomas. “A revolução cubana era, de origem, made in Cuba, não
imposta pelos tanques soviéticos, um produto crioulo.” A
hostilidade americana fez o resto.
Prossegue Roy: “O
legado do castrismo no contexto latino-americano está centrado num
aspecto nacional e noutro pessoal. O regime vendeu magistral a
sublimação da construção de uma nacionalidade a partir de uma
consciência antes débil e confusa. (…) Castro explorou até ao
paroxismo o anti-ianquismo, convertendo-o numa parte consubstancial
da identidade nacional.”
Foi também um
ideólogo dos males da América Latina e, por isso, teve uma larga
projecção no subcontinente, apesar da falência de todas as
aventuras guerrilheiras. Nenhum seguidor, a começar por Hugo Chávez,
teve a sua envergadura.
Conclui Roy: “É
possível que a História não chegue a absolve-lo. Mas na América
Latina será difícil esquecê-lo, ainda que se note um certo grau de
alívio.” E não só na América Latina.
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