Café Santa Cruz,
Coimbra DIOGO BAPTISTA
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O Majestic, no Porto
MANUEL ROBERTO
|
Nicola, Lisboa JOAO
SILVA
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A
história da vida em Portugal contada pelos seus velhos cafés
CAMILO SOLDADO
14/11/2016 – 08:47
A
Rota dos Cafés portugueses com História passou a livro e serve como
roteiro que ajuda conhecer a evolução destes espaços.
Não é um mero guia
turístico que indica os cafés a visitar em cada paragem. É um
livro que ajuda a ilustrar o desenvolvimento social, cultural e mesmo
tecnológico do país ao longo do século passado, desde o tempo em
que as mulheres não podiam lá entrar ao primeiro café com
frigorífico do Alentejo.
Lançada em 2014, a
Rota dos Cafés com História materializa-se agora num livro que
reúne breves textos sobre cada um dos 23 cafés da lista, espalhados
de norte a sul do país.
Ao falar destes
espaços históricos, torna-se também incontornável mencionar nomes
como Nicola ou Martinho da Arcada, em Lisboa, ou Majestic, Guarany,
Aviz e Piolho, no Porto. Era também essa ideia de escassez que Vítor
Marques, gerente do café Santa Cruz, de Coimbra, e impulsionador do
projecto, queria combater. “Sempre que se falava em cafés
históricos, estávamos sempre a falar dos mesmos, achei aquilo
sempre muito repetitivo”, conta ao PÚBLICO.
Assim, começou a
trabalhar numa rota que reunisse os cafés históricos portugueses.
Em Outubro de 2012 fez o primeiro contacto e em Abril de 2014, depois
de se ter feito à estrada para conhecer e seleccionar quais os cafés
que integrariam a lista, a rota foi apresentada no Café Santa Cruz.
Depois dessa data, identificou mais 16 (desta vez já com integrantes
de Açores e Madeira), mas que acabaram por ficar de fora do livro
por limitação de meios.
O objectivo da rota
passa por realçar o papel dos cafés na vida social e económica de
cada cidade, mas também apontar para a importância das vivências e
mostrar porque devem incluir a lista dos locais a visitar.
Em síntese,
“promover a ida aos cafés quando se vai a uma cidade”, algo que
Vítor Marques considera que já acontece de certa forma, mas que
assim se torna mais fácil. “Se houver um produto que nos informe
que há o Alentejano que merece ser visitado em Portalegre, ou a
Cadeia Quinhentista em Estremoz, ficamos despertos”, refere.
Ao visitar uma
local, não interessa só ir aos monumentos. Vítor Marques procura
também “as vivências e as histórias dos espaços”, que muitas
vezes “são contadas por esses cafés, pelo dia-a-dia das pessoas
nas localidades. Se bebem o café em pé, se jogam raspadinha, como é
que elas falam”. Por outro lado, não esconde que o propósito
também é autopromocional.
Entre cafés e
pastelarias, na lista cabem várias definições e os critérios não
são rígidos nem demasiado objectivos. “São critérios muito
pessoais”, admite Vítor Marques. Dentro de uma certa antiguidade
“não devam estar demasiado descaracterizados face ao que eram” e
isso “é fácil de se ver”. Dá para notar pelas montras, se tem
pouca ou muita publicidade ou pela mobília, enumera.
Há também na lista
estabelecimentos que não são só café e outros que não abriram as
portas há assim tanto tempo. O Tecto de Mercúrio, em Guimarães, e
a Cadeia Quinhentista, em Estremoz, têm menos de dez anos e nunca
aqueles espaços tinham servido como café. Os dois são casos de
reabilitação de edifícios antigos, “muito bem recuperados”,
considera Vítor Marques.
“Por isso
comparo-os com aquilo que foi o Majestic, que foi o Santa Cruz, que
foram todos os cafés no início da década 1920”, que nasceram de
edifícios recuperados e que tinham antes servido para outras
actividades comerciais, diz o impulsionador.
Espaços de cultura
No seu livro de
memórias, O Mundo de Ontem, o escritor austríaco Stefan Zweig
chamava-lhes uma “espécie de clube democrático, acessível a
qualquer pelo módico preço de uma chávena de café”. Vítor
Marques citou-o juntamente com George Steiner no texto da pagela dos
CTT, mas em Portugal nem sempre foi assim. Só a partir de meados do
século XX as mulheres, por exemplo, começaram a frequentar estes
espaços, exclusivos em muitas localidades de uma elite masculina
(ver caixa).
Essa é uma das
indicações que os cafés dão para compor o retrato do século
português anterior. Outra é o património cultural. A arte, a
política e a literatura portuguesa passaram por eles. As marcas da
literatura serão talvez as mais visíveis, com Fernando Pessoa na
Brasileira do Chiado a constituir-se como o caso mais célebre.
Mas de norte a sul
do país há mais poetas de metal sentados à mesa dos cafés.
António Aleixo continua à mesa da esplanada do Calcinha, em Loulé,
e Teixeira de Pascoes ocupa o seu lugar entre portas no Café São
Gonçalo, em Amarante. No livro da rota dos cafés históricos há
outros nomes que saltam à vista, como Virgílio Ferreira, Eça de
Queirós, Camilo Castelo Branco ou José Régio.
O livro, editado
pela Caleidoscópio e assinado por Nuno F. Santos, estará também
disponível em língua inglesa, sendo que já foi apresentado em
Coimbra, Loulé e Porto. Os CTT também pegaram na ideia e já
lançaram uma colecção de seis selos, à qual se seguirá um outro
livro com base na lista de 23 agora editada.
Exemplos fora das
grandes cidades
Café São Gonçalo,
Amarante
O Café São Gonçalo
abriu as portas na década de 1930. Rodrigo Silva, que gere o negócio
situado na Praça da República, em Amarante, recebeu-o das mãos do
pai, que o comprou ainda antes da revolução, em 1969. Ponto de
encontro pela sua localização central, antes de o café chegar à
família era frequentado por Teixeira de Pascoaes, que hoje tem uma
estátua que lhe rende homenagem no interior do café.
Estátua essa que,
refere o dono, consegue ser motivo exclusivo de ida ao São Gonçalo.
Por isso, e para oferecer mais informação sobre o poeta, há uma
pequena de colecção trabalhos do autor, traduzidos em 6 línguas,
para que quem por ali passe possa apreciar. Esta é parte da
estratégia para aproveitar a ida de visitantes a Amarante. “Tudo o
que é operador turístico que passa em Amarante e vem visitar o
Mosteiro de São Gonçalo passa também a ir ao café”, explica.
O espaço, cujas
características se mantêm fiéis ao original, já foi mais exíguo.
Desde a aquisição pelo pai de Rodrigo Silva o café ganhou área,
tendo crescido até preencher o rés-do-chão do edifício que ocupa.
Mas Teixeira de
Pascoaes, que frequentava o café com o pintor António Carneiro, não
foi o único poeta português passar por ali. “Mário Cesariny e
Cruzeiro Seixas, quando vinham para Amarante e ficavam na casa de
Pascoes, vinham para o café”, conta Rodrigo Silva, que recordo
também que quando o Cruzeiro Seixas estava na Fundação Cupertino
Miranda, em Famalicão, ia até ali às quartas-feiras para almoçar
com ele.
Café Paraíso,
Tomar
Alexandra
Vasconcelos é a quarta geração da família à frente do já
centenário Café Paraíso. Inaugurado em 1911, sofreu a última
remodelação de fundo no ano que seguiu o fim da Segunda Guerra
Mundial. Foi em 1946, conta a dona do estabelecimento instalado na
rua Serpa Pinto, no centro histórico de Tomar.
Nessa altura vieram
cadeiras estilo Bauhaus da Alemanha, as portas deixaram de ter
formato ogival e passou a ter uma montra para deixar entrar luz.
Vieram também espelhos de Veneza e as colunas, que até então eram
trabalhadas em ferro, foram feitas por um italiano, a imitar mármore.
Dessa intervenção resultou o aspecto que ainda hoje tem.
Em 1992 pegou no
café, mas antes cresceu com ele. Já ajudava nas épocas de maior
bulício, como a Festa dos Tabuleiros. “Quando era miúda adorava
isto”, recorda. Aliás, a história mais marcante que conta remonta
à década de 1980. “Havia um senhor que se sentava sempre na mesma
mesa, escrevia, escrevia, escrevia, sempre a fumar cachimbo e a
escrever”, lembra. “Há um dia em que chega aqui um amigo meu e
diz: 'Tens aqui uma celebridade. Aquele senhor ali é o Umberto
Eco.'” O escritor italiano passou por Tomar quando estava a
trabalhar na obra o Pêndulo de Foucault. “Eu fiquei para morrer,
porque sou uma despistada, nem o tinha identificado”, graceja.
Tendo atravessado o
século XX, o Café Paraíso é igualmente um reflexo da evolução
dos costumes. Alexandra Vasconcelos lembra uma época em que "o
café era mais elitista” e não entrava ali “qualquer pessoa”.
Até perto da década de 1950 não entravam mesmo mulheres. Só
quando começou a construção da Barragem de Castelo de Bode é que
os costumes começaram progredir.
O início desse
processo deu-se quando as mulheres dos engenheiros que trabalhavam na
obra da barragem, cuja construção arrancou em 1945, começaram a
frequentar o café.
Café Arcada, Évora
Aquele espaço já
deu para quase tudo. Se a primeira vida do Café Arcada teve início
em 1942, por ali já passou uma sucursal de um banco, uma sede de
campanha de Mário Soares e até lojas dos 300, conta Jorge Santos,
que actualmente gere o negócio, juntamente com o irmão.
Quando pegaram no
café, na viragem do milénio, estava “decadente a todos os
níveis”, tinha tido altos e baixos e tinha tido alturas em que
chegou a estar encerrado. Foram então tentar perceber as origens e o
que se tinha ali passado para manter a “não só a filosofia mas
também a estética”. Hoje Jorge Santos fala de “um café antigo
com toques modernos”.
Sobre as origens do
café pode falar António Carmona Oliveira, filho de um dos sócios
fundadores do café. Hoje com 80 anos, tinha 6 quando o pai se lançou
no empreendimento na Praça do Giraldo, “que naquela altura era o
centro da cidade”. “Hoje tem mais turistas”, atira. Morava
mesmo em frente ao edifício onde abriu o Café Arcada e lembra-se de
andar por cima dos andaimes quando ia com o pai ver as obras.
Recorda que, na
altura, a mãe era “das únicas senhoras que ia ao café”, algo
que só depois se começou a generalizar. A música ajudou. O Arcada
tinha banda aos domingos, mas os dias mais movimentados eram a
terças-feiras, quando se realizava a feiral semanal de Évora. Diz
que vinha então gente do Alto e do Baixo Alentejo para negociar. “Às
14h não conseguia entrar nem sair do café a não ser a muito
custo”, lembra, apontando também para o carácter ”um bocadinho
elitista” do estabelecimento.
Um café que, ao ser
o primeiro do Alentejo a ter frigorífico, “foi de certeza o
primeiro que se pode chamar café moderno” da região.
Virgílio Ferreira
reserva-lhe um espaço na sua obra mais célebre, Aparição, mas
António Carmona Oliveira não tem memória de que o escritor tenha
sido um cliente assíduo. “Era professor de liceu no meu tempo.
Poucos professores frequentavam o café, não era habitual”,
explica.
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