O
caso da CGD, voluntarismos e ilegalidades
Helena Garrido
24/11/2016,
A CGD está
desestabilizada, a capitalização adiada, brinca-se com o Estado de
Direito e desprotege-se o banco da concorrência. Só pode ser
voluntarismo, pois é inimaginável ter sido “o Estado sou eu”.
No processo da Caixa
chegámos a uma tal situação que a saída que melhor defende os
interesses do banco é António Domingues ficar. Apesar de todos os
atropelos que se fizeram a regras e a pessoas.
Desde Julho que
vamos sabendo aos poucos que, no processo de escolha e nomeação da
nova administração da CGD, foram desrespeitadas regras e pessoas,
dos ex-administradores aos colaboradores do próprio banco.
Mudaram-se as regras do jogo a meio do jogo, alterando o modelo de
governação, deixou-se a ex-administração numa situação
insuportável e fez-se todo um plano de reestruturação fora do
banco.
Paralelamente o
Governo muda um decreto-lei e assume que, por essa via, liberta os
novos administradores das regras salariais impostas aos gestores
públicos e da obrigação de apresentar a declaração de património
ao Tribunal Constitucional. Assim respeitava duas de várias
condições que foram colocadas por António Domingues para assumir a
liderança do banco. Esperava com certeza o Governo que ninguém
desse por isso. E ninguém deu, não fosse Marques Mendes ter
denunciado o caso na SIC.
(Um pequeno
parêntesis. Sim, nós jornalistas poderíamos ter investigado todas
as consequências daquela mudança da lei. Era o que se teria feito
num tempo em que os cidadãos em geral estavam dispostos a pagar pela
informação. Este é um exemplo de como a falta de dinheiro e, por
causa dele, a falta de tempo no jornalismo deixa que algumas notícias
só cheguem à luz do dia pela voz de quem não é jornalista o que
está longe de garantir a defesa dos cidadãos).
Foi preciso o
Presidente da República dizer que as declarações de património
tinham de ser entregues para que a situação se clarificasse. Isto
depois de o ministro das Finanças Mário Centeno e o seu secretário
de Estado Ricardo Mourino Felix terem confirmado que a intenção da
mudança da lei era exactamente essa: isentar os gestores da CGD de
apresentar a declaração de rendimentos.
O primeiro-ministro
António Costa não caiu nessa ratoeira. Percebeu bem a controvérsia
que isso ia gerar e terminou uma declaração sua sobre o tema com
inequívoca frase: “Eu entreguei a minha…”. Quem quisesse
entender entendia imediatamente que o primeiro-ministro já estava a
desresponsabilizar-se de eventuais compromissos que tivessem sido
assumidos. Tinha acabado de tirar o tapete ao seu ministro e
secretário de Estado e de rasgar o compromisso com a nova
administração da CGD.
Claro que a lei
sobre a declaração de patrimónios, revisitada publicamente com
este caso da CGD, está longe de cumprir os objectivos para que foi
criada: o de proteger os contribuintes, garantindo que quem mexe no
dinheiro deles o faz com responsabilidade e sem se apropriar dele. A
aplicação da lei tem servido mais para exercícios de voyerismo do
que para proteger o dinheiro dos contribuintes. Mas é a lei que
existe e tem de ser cumprida. Mesmo que consideremos que valia a pena
mudá-la e torná-la mais eficaz, este não é o tempo para o fazer.
Paralelamente íamos
sabendo que a nova administração da CGD antes de o ser já o era.
Tinha estado a trabalhar no plano de reestruturação do banco e o
ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho chegou a acusá-los de terem
tido acesso a informação que deveria estar protegida. Foi
desmentido pelo já presidente da Caixa, António Domingues. Que
disse, genericamente, que com a informação pública se conseguia
chegar aos números a que chegou para as necessidades de
capitalização da CGD
Pela ausência de
criticas que fizessem eco, é de concluir que a maioria estava
disponível para fechar os olhos a essa irregularidade e fingir que
se acreditava que todo um plano para Bruxelas e Frankfurt se fazia
com os relatórios e contas da CGD. Eis se não quando sabemos agora
que António Domingues ainda era administrador do BPI quando
representou o Estado português em nome da CGD em encontros em
Bruxelas, com a comissária para a Concorrência Margrethe Vestager,
e em Lisboa com a presidente do Mecanismo Único de Supervisão
Danièle Nouy que esteve em Portugal em Maio. Respostas a questões
colocadas pelo eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes.
Pode sempre
argumentar-se que não há problema nenhum porque as pessoas
envolvidas sabem guardar segredos, conseguem separar as suas funções.
E, desse ponto de vista, o BPI nada ganhou com o facto de António
Domingues, ainda administrador do banco nessa altura, ter
protagonizado a defesa dos interesses da CGD junto de Bruxelas e
Frankfurt. Sem dúvida que será assim e a carreira de António
Domingues dá essas garantias.
Mantidas por isso as
devidas distâncias, vale no entanto a pena recordar que uma das
razões que é apontada para a crise bancária reside no modelo de
supervisão então em prática – em Portugal e no mundo ocidental
–, que se baseava na confiança nas pessoas, nas suas carreiras e
nas garantias que davam. As regras existem para nos proteger a todos
e aos próprios. Se criamos excepções, haverá sempre alguma
excepção que se revelará um erro. E os erros na banca pagam-se
caros, como estamos a sentir.
O Governo cometeu
erros graves em todo este processo. Por voluntarismo, por
incompetência ou por considerar que tudo lhe é permitido numa
versão de “o Estado sou eu”, António Costa e Mário Centeno
desrespeitaram as instituições, as pessoas e a lei. O que fazer
agora?
Na situação em que
nos colocaram é preciso escolher entre respeitar o Estado de
Direito, e começar tudo de novo, ou manter a administração, para
evitar males maiores para a CGD, que pode custar uma ainda maior
desestabilização da instituição e, obviamente, mais dinheiro –
já vai custar mais, uma vez que a capitalização foi a adiada e com
elevada probabilidade os recursos que tem de obter por via do mercado
terão juros mais elevados. A escolha racional é manter António
Domingues como presidente da CGD para evitar males ainda maiores. Um
mau princípio para bons resultados, esperemos.
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