Como
a Câmara de Lisboa pode perder mais 300 milhões para a Bragaparques
15 Novembro 2016
Luís Rosa
Ninguém sai bem do
caso Feira Popular/Parque Mayer. Santana Lopes, Carmona Rodrigues e
António Costa — todos surgem num processo que pode custar mais de
300 milhões à cidade de Lisboa.
As culpas…
… e a mudança
promovida por Costa
O acordo com a
Bragaparques e o Tribunal Arbitral
PCP e CDS criticam
António Costa
Como tudo começou
A permuta e a carta
de aceitação
A hasta pública e a
recusa de Santana Lopes
A acusação do MP e
a absolvição
Este é um daqueles
processos em que ninguém sai bem na fotografia. Presidentes de
câmara, vereadores, assessores, partidos, diretores municipais ou
meros funcionários públicos — a descoordenação entre todos
aqueles que deviam representar o interesse público na Câmara
Municipal de Lisboa (CML) foi total e absoluta. Com uma consequência:
o pagamento de uma indemnização colossal a uma empresa privada.
Falamos do processo
Parque Mayer/Feira Popular e da indemnização de mais de 239,6
milhões de euros que a CML se arrisca a pagar à empresa
Bragaparques, caso o Supremo Tribunal Administrativo confirme a
sentença do Tribunal Arbitral conhecida há 15 dias. Tudo por causa
do negócio de troca de terrenos da autarquia na Feira Popular com os
imóveis do Parque Mayer detidos pela Bragaparques e das respetivas
operações urbanísticas promovidas pela autarquia.
É igualmente certo
que aquele custo (239,6 milhões de euros) não é o final, já que
temos de somar outros valores que já foram pagos, relacionados com a
passagem dos terrenos da Feira Popular para a esfera da autarquia:
Indemnizações para
os comerciantes da Feira Popular: 20,4 milhões de euros
Indemnizações para
a Fundação O Século entre 2003 e 2010: 18,2 milhões de euros
Valor pago ao Fundo
Especial de Transportes Terrestres pela reversão de uma parcela da
Feira Popular que não era da autarquia: 1,5 milhões de euros
Remunerações pagas
pela EPUL ao arquiteto Frank Ghery para a requalificação do Parque
Mayer: 2,5 milhões de euros
Subtotal: cerca de
42,6 milhões de euros.
O que pode fazer
subir a fatura total da CML como dossiê Parque Mayer/Feira Popular
para um valor eventual de cerca de 280,6 milhões de euros. E, mesmo
assim, este valor é conservador. Quanto mais tempo levar a decidir o
recurso que a autarquia diz querer interpor no Supremo, mais juros de
mora serão contados a partir de 2005 (a data em que o negócio foi
concretizado entre a autarquia e a Bragaparques), o que poderá fazer
com que, no caso de nova derrota, a fatura dispare para valores
superiores a 300 milhões de euros.
As culpas…
Apesar
de as decisões-chave deste dossiê terem sido tomadas entre 2002 e
2007 pelos Executivos PSD/CDS liderados por Santana Lopes e Carmona
Rodrigues, certo é que a vereação de António Costa entre 2007 e
2015 tem tanta responsabilidade pelo resultado final (os mais de
239,6 milhões de euros de indemnização) quanto os
social-democratas.
Quem o diz é o
próprio Tribunal Arbitral, que decidiu a 20 de outubro condenar a
CML ao pagamento de mais de 138 milhões de euros — valor que
acresce aos cerca de 101,6 milhões de euros que a autarquia liderada
por António Costa já tinha acordado pagar em 2014 à Bragaparques.
Esta empresa reclamava cerca de 345 milhões de euros de prejuízos.
Apesar das
decisões-chave deste dossiê terem sido tomadas entre 2002 e 2007
pelos Executivos PPD/PSD, certo é que a vereação de António Costa
entre 2007 e 2015 tem tanta responsabilidade pelo resultado final
quanto os social-democratas. Quem o diz é o Tribunal Arbitral que
condenou a autarquia há 15 dias.
No acórdão
assinado por Luís Menezes Cordeiro, Miguel Catela e Luís Cortes
Martins, e sem acolher nenhuma das teses levadas a tribunal pela
autarquia e pela Bragaparques, os executivos de Santana Lopes e de
Carmona Rodrigues são censurados por terem promovido “uma situação
de confiança que levou a demandante Parque Mayer [do Grupo
Bragaparques] a acreditar e a investir num cenário de viabilidade
jurídica do empreendimento”. Isto é, o tribunal considerou que,
tendo em conta as irregularidades que foram detetadas mais tarde, tal
relação de confiança “não devia ter sido criada”, lê-se no
acórdão a que o Observador teve acesso.
Mas António Costa,
de acordo com o tribunal, também não sai bem na fotografia, já que
deveria “levar até ao fim a execução do contratado. Apurando-se
irregularidades no processo municipal, totalmente sob controlo do
município, cabia a este tomar todas as medidas para as corrigir:
aprovar um loteamento correto, organizar uma hasta pública válida e
assim por diante”. Isto é, em vez de se ter aliado a José Sá
Fernandes na ação popular que ditou a condenação da CML por
diversas irregularidades e a anulação do negócio de permuta
estabelecido com a Bragaparques, Costa deveria ter retificado as
ilegalidades que tinham sido detetadas.
Isto porque “a
ilicitude em que incorre o município” deve-se ao facto “de não
ter observado perante a Parque Mayer os deveres de cuidado e de
lealdade necessários para que o empreendimento da Feira Popular
seguisse o seu rumo, à luz do mercado”, lê-se no acórdão.
Por isso mesmo, o
tribunal considera que “as delongas no processo, as eventuais
ilegalidades perpetradas pelos serviços do município” nos
mandatos de Santana Lopes e de Carmona Rodrigues “e a postura
final” do Executivo de António Costa “de vir, em juízo” em
nome da autarquia, “atacar os atos que ele próprio [o município]
celebrara, traduziram-se em violações dos bens contratualmente
protegidos”.
O raciocínio do
Tribunal Arbitral pode ser simplificado da seguinte forma:
A autarquia acordou
de livre vontade dois contratos com a Bragaparques: permutou o Lote 1
e vendeu o Lote 2, ambos da Feira Popular, para a construção de um
empreendimento imobiliário de habitação e de serviços;
Promoveu uma
operação de loteamento para a construção desse empreendimento;
Não cumpriu os dois
contratos devido a irregularidades detetadas;
Mas também não
retificou essas irregularidades — quando podia e devia tê-lo
feito;
Logo, está em causa
dois contratos que não foram executados, mercê do incumprimento por
parte da autarquia;
“Os danos a
revelar são os do incumprimento” da CML, lê-se na decisão do
Tribunal.
O Observador instou
o gabinete de Fernando Medina, o sucessor de António Costa como edil
lisboeta, a contestar esta leitura dos factos. “A decisão do
Tribunal Arbitral não é definitiva. Dela cabe recurso para o
Tribunal Central Administrativo. A Câmara Municipal discorda da
decisão e da sua fundamentação e por isso vai obviamente
recorrer”, afirma fonte oficial da CML.
A mesma fonte
assegura que, ao contrário do que diz o Tribunal Arbitral, “não
era possível ‘rectificar’ nulidades – aliás o que é nulo é
insuscetível de retificação. O Tribunal Central Administrativo
considerou que o loteamento de 2005 era nulo e que, portanto, nem
existia lote que pudesse ser permutado com a Bragaparques”. A
autarquia considera mesmo que “não há ‘estragos’ da CML. O
município é proprietário da Feira Popular e do Parque Mayer e é
necessário avaliar quanto tem de pagar à Bragaparques por esses
bens. Consideramos que a conclusão do Tribunal Arbitral é
excessiva”, daí o recurso que será apresentado, na “defesa dos
interesses patrimoniais da cidade”.
O vereador Carlos
Moura (PCP) diz, por seu lado, que “seria muito difícil sanar as
desconformidades” da responsabilidade dos executivos PSD/CDS e
continuar o negócio com a Bragaparques.
João Gonçalves
Pereira (CDS) concorda: “Só faria sentido um acordo com a
Bragaparques se fosse um acordo global, o que não foi o caso”,
afirma.
… e a mudança
promovida por Costa
Recuemos a 2007 para
percebermos como foi criada a “ilicitude” referida pelo Tribunal
Arbitral. O Executivo liderado por Carmona Rodrigues (eleito dois
anos antes) tinha ficado sem quórum depois da renúncia dos
deputados do PSD devido a uma série de casos judiciais que
culminaram com a constituição de arguido do próprio Carmona, do
seu vice-presidente Fontão de Carvalho e da sua vereadora Gabriela
Seara. Em causa estava precisamente o negócio de permuta de terrenos
camarários da Feira Popular com o Parque Mayer (da Bragaparques).
António Costa sai
de ministro de Estado e da Administração Interna de José Sócrates
para ganhar as intercalares e tomar posse como novo presidente da
Câmara de Lisboa em agosto de 2007. Para conseguir uma maioria de 9
vereadores, Costa aliou-se à lista independente de Helena Roseta
(que tinha conseguido 2 vereadores) e ao Bloco de Esquerda, cuja
lista era liderada pelo advogado José Sá Fernandes.
Sá Fernandes tinha
interposto em 2005 uma ação popular contra a CML para anular todo o
negócio realizado com a Bragaparques. É com a aliança política
entre Costa e Sá Fernandes que tudo vai mudar. A CML, que se opunha
aos argumentos do agora seu vereador, alterou a sua posição.
Em janeiro de 2008,
o Executivo aprova por maioria uma deliberação proposta por António
Costa na qual fica claro que a nova visão da CML naquela ação
passa a ser a seguinte:
A operação de
loteamento dos terrenos da Bragaparques da Feira Popular aprovado em
2005 é nulo porque viola o PDM de Lisboa. O que significa que a
empresa não pode construir naqueles terrenos;
Consequentemente, os
contratos de permuta e de compra e venda realizados entre a autarquia
e a empresa de Domingos Névoa são igualmente inválidos;
A hasta pública que
fez com que a Bragaparques ficasse proprietária do Lote 2 da Feira
Popular é igualmente considerada nula, porque o direito de
preferência da Bragaparques não existia.
Na prática, a
autarquia passou a concordar com o queixoso Sá Fernandes. O que,
como é óbvio, aumentou substancialmente as probabilidades de a CML
ser condenada naquela ação. Uma estratégia de risco.
O
jogo político do edil António Costa concordar com os argumentos do
agora vereador José Sá Fernandes na ação popular interposta
contra a autarquia é criticado pelo Tribunal Arbitral. "O
município de Lisboa é só um, independentemente das maiorias
circunstanciais que ocupem os cargos municipais”, lê-se no
acórdão.
Porquê? Porque ao
reconhecer no âmbito de um processo judicial que a autarquia tinha
cometido ilegalidades, mesmo que num ato de boa-fé, corria o risco
de que essa posição fosse vista como uma admissão de que tinha
causado um dano à Bragaparques em matérias que dependiam única e
exclusivamente da autarquia.
Foi sem surpresa que
o Tribunal Administrativo de Lisboa decretou em 2010 no âmbito da
ação de Sá Fernandes a nulidade dos seguintes atos:
Deliberações do
Executivo e da Assembleia Municipal que permitiram a realização da
permuta entre a CML e a Bragaparques;
Da própria permuta;
E da hasta pública
realizada.
Decisão esta que
veio a ser confirmada pelo Tribunal Central Administrativo em 2012.
É precisamente este
jogo político de António Costa/José Sá Fernandes que é agora
criticado pelo Tribunal Arbitral. “Verifica-se, no plano
jurisdicional, que o município, tendo começado por defender a
legalidade dos seus próprios atos, inverteu a posição, passando a
propugnar pela sua ilegalidade. De resto, as irregularidades
perpetradas poderiam ter sido sanadas, através da prática dos atos
em causa (…). A impossibilidade política de o fazer não tem
relevância jurídica: é imputável ao próprio município, não o
podendo isentar de quaisquer deveres”, lê-se no acórdão do
Tribunal Arbitral.
Mais: “O decurso
factual que conduziu à presente arbitragem esteve, todo ele, sob o
controlo do município. As flutuações políticas subjacentes não
permitem outra conclusão: (…) o município de Lisboa é só um,
independentemente das maiorias circunstanciais que ocupem os cargos
municipais”, conclui o tribunal. Isto é, a ação de Sá Fernandes
foi interposta contra a autarquia enquanto entidade pública — e
não contra o partido A ou o político B.
A autarquia refuta
que a mudança de posição da CML tenha sido decisiva para as
decisões do Tribunal Administrativo e Fiscal e pelo Tribunal Central
Administrativo. Ambos os tribunais “consideraram os contratos
inválidos” porque o “loteamento que a Câmara aprovou em 2005
para a Feira Popular era nulo e a avaliação do Parque Mayer se
baseava em pressupostos ilegais”, explica fonte oficial.
O vereador João
Gonçalves Pereira (CDS) afirma que a decisão de mudar a posição
da CML na ação popular de Sá Fernandes, que foi aprovada pela
maioria do Executivo da autarquia, “fragilizou a posição do
Municipio face a esse processo”.
O acordo com a
Bragaparques e o Tribunal Arbitral
Em 2014, e quando
ainda estava a decorrer a análise dos recursos que a autarquia tinha
interposto no Supremo Tribunal Administrativo das decisões
condenatórias da primeira instância e do Tribunal Central
Administrativo, António Costa surpreende ao anunciar um acordo com a
Bragaparques que promove a paz judicial entre a autarquia e a empresa
de Domingos Névoa e estipula os seguintes pagamentos por parte da
autarquia à empresa de Braga:
77.390.997 €:
preço pago em 2005 pela Bragaparques pelo Lote 2 da Feira Popular;
3.259.345 €: IMI e
Imposto de Selo pagos aquando da escritura do Lote 2 da Feira Popular
2.810.273 €: obras
de demolição e escavação realizadas nos terrenos da Feira Popular
18.223.821 €: CML
declara-se devedora deste valor, já que assume a obrigação de
restituir o valor dos prédios da Bragaparques no Parque Mayer,
ficando os mesmos na posse da autarquia.
Total da fatura que
António Costa aceita pagar semestralmente entre junho de 2016 e
junho de 2023: 101.673.436 euros.
A
prova de como a autarquia tinha tudo a perder com a criação de um
Tribunal Arbitral para dirimir a indemnização remanescente que a
Bragaparques continuava a reclamar era que apenas pedia 1,5 milhões
de euros pelos custos que teve com a desocupação do Parque Mayer,
enquanto que os prejuízos alegados pela empresa de Domingos Névoa
eram de 345 milhões de euros.
António Costa
aceitou ainda a criação de um tribunal arbitral para dirimir o
valor da indemnização remanescente que a Bragaparques continuava a
reclamar, relacionado essencialmente com lucros cessantes, custos de
imobilização de capital (tradução: custos financeiros de um
empréstimo bancário) do empreendimento imobiliário previsto para
os terrenos da Feira Popular e, por fim, os juros de mora a contar
desde 2005. Todos os pedidos da Bragaparques somavam mais de de 300
milhões de euros de indemnização.
A prova de como a
autarquia tinha tudo a perder com a arbitragem era que apenas pedia
1,5 milhões de euros pelos custos que teve com a desocupação do
Parque Mayer. Certo é que António Costa estava otimista: não
acreditava que o tribunal, onde a autarquia foi defendida pelo seu
amigo e advogado Pedro Siza Vieira (muito próximo de Costa e de
Diogo Lacerda Machado), condenasse a autarquia.
O Tribunal Arbitral,
como já vimos, acabou por condenar a CML a pagar mais de 138 milhões
de euros à Bragaparques relativos a:
41, 1 milhões de
euros correspondentes ao valor do Lote 1 da Feira Popular;
47,2 milhões de
euros correspondentes ao juros de mora entre julho de 2005 e junho de
2014 do Lote 1;
7,8 milhões de
euros que dizem respeito a juros de mora entre junho de 2014 e
outubro de 2016 do Lote 1;
42,2 milhões de
euros correspondentes a juros de mora relativos ao Lote 2 da Feira
Popular entre julho de 2005 e junho de 2014.
O que perfaz um
total de cerca de de 239,6 milhões de euros.
PCP e CDS criticam
António Costa
Carlos Moura,
vereador do PCP, faz questão de recordar que “avisou em devido
tempo o então presidente António Costa dos riscos” do tribunal
arbitral, quer devido à avaliação dos terrenos (com “índices de
urbanização irrealistas”), quer aos “possíveis lucros
cessantes” a que a Bragaparques poderia ter direito. “Daí que,
do ponto de vista do PCP este era um tribunal, que dadas as suas
limitações de análise, se tornava um campo fortemente desfavorável
às pretensões da CML”, afirma Moura.
De acordo com o
vereador comunista, “o então presidente da Câmara assumiu, com
algum excesso de otimismo, que tal não aconteceria e entendeu por
bem avançar”. Eis uma característica de António Costa que já
foi criticada por Marcelo Rebelo de Sousa.
O
vereador Carlos Moura diz que o PCP "avisou em devido tempo o
então presidente António Costa dos riscos" do tribunal
arbitral. "Era um tribunal fortemente desfavorável às
pretensões da CML. O então presidente da Câmara assumiu, com algum
excesso de otimismo, que tal não aconteceria e entendeu por bem
avançar", afirma. Eis uma característica de António Costa que
já foi criticada por Marcelo Rebelo de Sousa.
O vereador João
Gonçalves Pereira (CDS), por seu lado, diz que o “executivo
socialista optou pelo caminho mais perigoso que custará seguramente
muitos milhões de euros ao erário municipal”. Gonçalves Pereira
diz que “alertou para os perigos do acordo incompleto tendo votado
contra a decisão e deixado escrita a sua posição. Nunca entendi a
decisão da CML de pagar 100 milhões de euros (não é pouco),
deixando depois para um Tribunal Arbitral todo um conjunto de
matérias que, como infelizmente se verifica agora, irão custar ao
Município muitas dezenas de milhões de euros”.
Carlos Moura
conclui: “O PCP sempre foi crítico em relação a todo o processo.
Todas as forças políticas, com exceção do PCP, têm
responsabilidades. Se à data tivessem dado ouvidos ao PCP não
teriam sido cometidas as ilegalidades e o município não enfrentava
hoje a possibilidade de ter de indemnizar ninguém”.
Como tudo começou
Esta história,
contudo, não se inicia com António Costa. Começa com Pedro Santana
Lopes e com Carmona Rodrigues. Como já se escreveu no início, as
decisões que marcaram este dossiê foram tomadas pelos executivos
por si liderados.
Um breve resumo de
como a história começou:
Em 1999, a
Bragaparques compra os terrenos do Parque Mayer por cerca de 2,2
milhões de contos (cerca de 11 milhões de euros);
Pedro Santana Lopes,
eleito presidente da Câmara de Lisboa em dezembro de 2001, apresenta
um plano de recuperação do Parque Mayer que consiste num casino, 15
salas de cinema, 3 salas de teatro, 2 teatro-estúdio, um museu
dedicado ao cinema, áreas comerciais, escritórios e um parque de
estacionamento para 1500 lugares.
Santana Lopes
idealizou um edifício icónico que, tal como o Museu Guggenheim (em
Bilbau), fizesse de Lisboa uma referência arquitetónica à escala
europeia. Daí ter contratado sem qualquer concurso público o
norte-americano Frank Gehry (o autor do Guggenheim), a quem a EPUL
pagou 2,5 milhões de euros por um projeto que não saiu do papel.
Em 2003, a CML toma
posse do quarteirão da Feira Popular depois de indemnizar a Fundação
O Século, feirantes e reverter uma parcela de terreno que tinha
cedido nos anos 60 a um fundo governamental;
É assim que a
Câmara de Lisboa faz a primeira proposta à empresa gerida por
Domingos Névoa e Manuel Serino: uma permuta entre 46.500 m2 de área
de construção na Feira Popular pelos terrenos do Parque Mayer. Os
líderes da Bragaparques recusam.
Entramos em 2004 e
dá-se uma troca de cadeiras importante: Carmona Rodrigues, eleito
para o Executivo da CML em 2001 e ministro das Obras Públicas de
Durão Barroso desde 2002, assume a presidência da autarquia no
mesmo dia em que Pedro Santana Lopes toma posse como
primeiro-ministro, sucedendo a Barroso, que estava de partida para
Bruxelas para liderar a Comissão Europeia.
A permuta e a carta
de aceitação
Quando entra na
autarquia, Carmona Rodrigues assume pessoalmente a gestão das
negociações com a Bragaparques e faz uma segunda proposta de
permuta: em vez dos anteriores 46.500 m2, propõe agora trocar
120.000 m2 de área de construção na Feira Popular (para uso
habitacional e de serviços) por 50.000 m2 no Parque Mayer (para uso
de equipamentos culturais e de serviços), sendo que, obviamente, o
valor total de cada um dos terrenos seria igual. E dá valores para a
avaliação:
Os terrenos
camarários são avaliados em 895, 52 euros o m2;
Os terrenos do
Parque Mayer são avaliados em 1.200 euros o m2.
Contextualização
relevante: no mercado imobiliário das zonas centrais de Lisboa, o m2
de habitação vale significativamente mais, por norma, do que o m2
de serviços e muito mais do que o m2 de equipamentos culturais.
A contestação da
oposição camarária a esta primeira avaliação fez com que Carmona
Rodrigues baixasse em fevereiro de 2005 a sua proposta em termos de
área de construção e de avaliação:
De 120.000 m2
passou-se para 61.000 m2 na Feira Popular que se propunha trocar com
os mesmos 50.000 m2 do Parque Mayer. Como? Dividindo o terreno da
Feira Popular em dois lotes: um seria permutado com a Bragaparques (e
teria os 61.000 m2 de área de construção), enquanto o segundo lote
(com uma área de construção de 59.000 m2) seria alvo de hasta
pública — o que seria um novo foco de polémica, como veremos mais
à frente.
Em vez de 1.200
euros, passou-se a avaliar em termos médios o m2 do Parque Mayer em
1.050 euros. O m2 dos equipamentos culturais foi avaliado em 901, 48
euros, enquanto os 32.000 m2 de serviços manteve o valor de 1 200
euros o m2.
Os terrenos alvo de
permuta continuaram a ser avaliados no mesmo valor: 54,6 milhões de
euros.
A forte redução da
área de construção e o corte na avaliação dos terrenos do Parque
Mayer podem fazer crer que a Bragaparques viu a sua margem muito
reduzida. Contudo, se analisarmos os números, percebemos que, a um
preço médio de 1.050 euros por m2, a Bragaparques viu os seus
terrenos passarem de um valor de mercado de 11 milhões de euros
(preço pago em 1999) para 54,6 milhões de euros. Uma subida de
valor de mais de 43,6 milhões de euros.
Por outro lado, as
áreas de construção alvo de permuta eram fictícias. Isto é, no
momento em que é feita esta proposta, tais áreas não eram
permitidas pelo PDM de Lisboa — o que só foi discutido e alterado
posteriormente. Esta será uma das bases da ação popular de José
Sá Fernandes.
A partir do momento
em que o Executivo aprova esta proposta, o que aconteceu em fevereiro
de 2005, era necessário que a Bragaparques emitisse uma carta de
aceitação das condições do negócio — e aqui começa uma nova
polémica.
A empresa de
Domingos Névoa envia uma carta para Carmona Rodrigues onde refere
que tem “direito de preferência na aquisição” do segundo lote
de terrenos da Feira Popular que seria alvo de hasta pública. Isto
é, bastava-lhe igualar a proposta mais alta que fosse apresentada no
leilão e ficava com o terreno. Era a primeira vez que tal questão
era levantada, já que a proposta de Carmona Rodrigues que foi
aprovada pelo Executivo da CML era omissa nesse aspeto.
A Assembleia
Municipal de Lisboa (AML) ratifica a proposta do Executivo (e a carta
de aceitação) com os votos a favor do PSD, PS, CDS, PPM e Bloco de
Esquerda, enquanto o PCP é o único partido que vota contra — como
já tinha feito na reunião do Executivo. Mas ninguém dá pela carta
de aceitação.
Uma
carta de aceitação da Bragaparques do negócio da permuta terá
imposto um direito de preferência sobre um segunto lote da Feira
Popular e a poupança para a empresa de cerca de 13,3 milhões de
euros em taxas e compensações urbanísticas. A Assembleia Municipal
terá ratificado o negócio da permuta sem que aparentemente os
deputados municipais tivessem consciência dessas condições.
Segundo Modesto
Navarro (presidente da AML indicado pelo PCP), este órgão “nunca
aprovou o direito de preferência da Bragaparques, que não constava
da proposta levada a votação pelo Executivo. O direito de
preferência teria de constar da parte deliberativa das propostas —
e tal não sucede”, afirmou então Navarro. Carmona Rodrigues
acusou o líder da AML de ter escondido a carta dos deputados
municipais.
Mais: ao aprovar a
carta da Bragaparques, a AML terá ainda concordado com o direito da
Bragaparques de não pagar taxas e compensações urbanísticas no
valor total de mais de 13,3 milhões de euros.
A hasta pública e a
recusa de Santana Lopes
Aqui entra um novo
personagem chamado Remédio Pires, diretor municipal dos Serviços
Centrais da CML e presidente da Comissão da Hasta Pública da Feira
Popular. A 4 de julho de 2005, o jurista reúne a Comissão de Hasta
Pública, diz que houve um lapso no edital que omite o direito de
preferência da Bragaparques e o órgão por si liderado decreta tal
direito da empresa de Domingos Névoa como uma das condições do
leilão pelo Lote 2 da Feira Popular.
Regressado
à liderança da Câmara de Lisboa em março de 2015, depois de
perder clamorosamente as eleições legislativas antecipadas para
José Sócrates, Santana Lopes recusou homologar a hasta pública do
Lote 2 da Feira Popular. Foi Carmona quem homologou a venda à
Bragaparques.
No
dia seguinte é assinada a escritura de permuta entre a CML e a
Bragaparques e 10 dias depois realiza-se a hasta pública do Lote 2
da Feira Popular. Mais um pormenor rocambolesco: foram apresentadas
duas propostas de 69 milhões de euros na primeira ronda do leilão
mas o concorrente acabou por retirá-las.
Reiniciado o leilão,
a sociedade Bernardino Gomes apresenta uma proposta cerca de 7
milhões de euros mais baixa do que a anterior e a Bragaparques
exerce o direito de preferência sobre este valor: 61.950.000 euros.
Total do
investimento da Bragaparques para ficar com 120.000 m2 de área de
construção na Feira Popular: 11.000.000 euros (valor pago em 1999
pelos terrenos do Parque Mayer que forma permutados pelo Lote 1 da
Feira Popular) + 61.950.000 euros (preço de aquisição do Lote 2) =
72.950.000 euros
Pormenor relevante:
regressado à liderança da Câmara de Lisboa em março de 2015,
depois de perder as eleições legislativas antecipadas para José
Sócrates, Santana Lopes recusou homologar a hasta pública. Foi
Carmona quem homologou a hasta pública.
A acusação do MP e
a absolvição
Entretanto, o
advogado José Sá Fernandes, que se tinha notabilizado na luta
judicial contra o Túnel do Marquês, interpõe em 2005 a ação
popular que será decisiva para o presente deste dossiê.
Em outubro de 2005,
Carmona Rodrigues ganha as eleições autárquicas nas listas do PSD
contra Manuel Maria Carrilho, do PS. A sua lista consegue eleger 8 em
17 vereadores.
O DIAP de Lisboa e a
Polícia Judiciária iniciam as investigações ao caso Feira
Popular/Parque Mayer em 2006 por suspeita da prática dos crimes de
corrupção, abuso de poder, prevaricação e tráfico de influência
que culminam com com a constituição de arguido de Fontão de
Carvalho, vice-presidente de Carmona Rodrigues com o pelouro das
Finanças, Gabriela Seara, vereadora do Urbanismo e braço-direito de
Carmona desde 2002, e do próprio Carmona Rodrigues em 2007. Em maio,
pouco depois do então edil ser considerado oficialmente suspeito,
Marques Mendes, líder do PSD, retira a confiança política a
Carmona e os vereadores social-democratas renunciam aos cargos,
precipitando a convocação de eleições intercalares.
O
vice-presidente Fontão de Carvalho e a vereadora Gabriela Seara
foram constituídos arguidos pelo DIAP de Lisboa no caso
Bragaparques, sendo que Carmona Rodrigues teve o mesmo destino em
maio de 2007. Marques Mendes, líder do PSD, retira a confiança
política a Carmona e os vereadores social-democratas na CML
renunciam aos cargos. São convocadas eleições intercalares.
Em janeiro de 2008,
Carmona Rodrigues, Fontão de Carvalho, Eduarda Napoleão (vereadora
do Urbanismo) e Remédio Pires são formalmente acusados do crime de
prevaricação por alegadamente terem favorecido a Bragaparques e
prejudicado o erário público em mais de 13,3 milhões de euros em
taxas e compensações urbanísticas não concretizadas. Dois
arquitetos da autarquia são igualmente acusados. As suspeitas contra
Gabriela Seara são arquivadas.
As suspeitas de
corrupção são consideradas infundadas pelo DIAP de Lisboa e pela
PJ. As contas bancárias de Carmona, Fontão, Napoleão e Seara foram
vistas de cima a baixo mas nada foi encontrado.
O mesmo não se pode
dizer de Remédio Pires. A PJ detetou movimentos de 466 mil euros
entre 2004 e 2007 incompatíveis com os seus rendimentos de trabalho
no mesmo período: 131 mil euros. Mais: nas entradas de dinheiro
detetadas, 53 mil euros diziam respeito a depósitos em dinheiro
vivo. Remédio Pires alegou que o dinheiro provinha de uma herança.
A Judiciária não acreditou mas também não conseguiu provar a
origem das notas depositadas na conta de Pires. Logo, as suspeitas de
corrupção também foram arquivadas.
Os arguidos foram
pronunciados pelo Tribunal de Instrução Criminal mas o julgamento
do caso Bragaparques teve várias vicissitudes. O julgamento foi
repetido duas vezes e só à terceira é que Carmona Rodrigues,
Fontão de Carvalho, Remédio Pires e Eduarda Napoleão foram
absolvidos do crime de prevaricação, livrando-se do pagamento de
uma indemnização total de cerca de 4,2 milhões de euros que era
exigida pelo DIAP de Lisboa.
O tribunal entendeu
que as regras urbanísticas não tinham sido violadas e que os
arguidos não tinham beneficiado a Bragaparques. Mais: a autarquia
também não tinha sido prejudicada nem com a permuta entre o Lote 1
da Feira Popular e os terrenos do Parque Mayer nem com a hasta
pública realizada para o Lote 2 da Feira Popular. A existirem
irregularidades, concluiu o tribunal, essas seriam de ordem
administrativa. A Relação de Lisboa concordou com esta absolvição
em janeiro de 2016, após recurso do MP.
Sem comentários:
Enviar um comentário