segunda-feira, 21 de novembro de 2016

DN. Saem os jornalistas, ficam as paredes de História



DN. Saem os jornalistas, ficam as paredes de História

Susana Otão
20/11/2016, OBSERVADOR

Um dos edifícios mais emblemáticos da cidade de Lisboa vai acolher um condomínio de apartamentos e serviços , mas as suas paredes vão continuar a contar a História.

Uma fachada de estética modernista, com uma torre e o seu farol, bem como as letras góticas com o nome Diário de Notícias, são o símbolo de um dos mais emblemáticos edifícios da cidade de Lisboa. Lá dentro, os painéis de Almada Negreiros impressionam, bem como a sala Verde, que recebeu tantas individualidades.

Em breve o edifício vai acolher um condomínio de apartamentos e serviços e transformar-se num empreendimento moderno, mas que guardará, contudo, nas suas paredes, muitas histórias que fizeram História. E não são só as histórias ditadas pelos jornais e revistas que ali viveram nos últimos 76 anos – os jornais Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Jogo e as revistas Notícias Magazine, Evasões, Dinheiro Vivo e Volta ao Mundo -, que irão permanecer enquanto alma do edifício.

O projeto de habitação e comércio terá de conviver com a preservação da marca Diário de Notícias. Por isso mesmo, a fachada revestida a pedra e que pretende simbolizar a forma de uma impressora será mantida. Ao centro, a torre encimada por um farol, e que em tempos se acendia à noite, também permanecerá na paisagem da Avenida da Liberdade.

Este foi o primeiro edifício em Portugal construído de raiz, propositadamente, para alojar um jornal, projetado pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro, em 1936. A inauguração aconteceu a 24 de abril de 1940, numa cerimónia que contou com a presença do então presidente Óscar Carmona, que cortou a fita comemorativa, lado a lado com o arquiteto e Augusto de Castro, à data o diretor do diário. No mesmo ano venceu o prestigiado Prémio Valmor, destacando-se por ser a primeira edificação moderna da principal avenida de Lisboa.

O edifício do Diário de Notícias demorou três anos a ser construído e a sua transferência para a Avenida da Liberdade resultou da necessidade de modernizar as instalações. O Mundo estava em constante mudança e o jornal ganhava cada vez mais protagonismo, necessitando de expandir a sede onde havia sido fundado a 29 de dezembro de 1864, na Rua dos Calafates, depois rebatizada de Diário de Notícias, no Bairro Alto, em Lisboa.

Com oito pisos, sendo que dois deles estão no subsolo, numa planta retangular, o prédio tinha na sua origem uma área útil de oito mil metros quadrados. E de início a oficina gráfica estava, inclusive, instalada no local. Neste momento, o prédio é constituído por dois grandes blocos ligados por corredores internos e conta com duas entradas: o acesso original através da Avenida da Liberdade e a entrada por uma porta nas traseiras, na rua Rodrigues Sampaio.

Classificado como Imóvel de Interesse Público, sobressai “no contexto da arquitetura portuguesa contemporânea pela original solução de compromisso entre a linguagem monumentalista da época e as tendências inovadoras e modernistas, traduzindo a procura de equilíbrio entre os vetores estético, funcional e construtivo”, pode ler-se numa definição sobre o edifício, no site da Câmara Municipal de Lisboa, que destaca os elementos decorativos utilizados e a diversidade de materiais e as suas cores.

Mas os novos proprietários terão também de respeitar outras características do edifício Prémio Valmor, nomeadamente relacionadas com seu interior. Na entrada principal, por debaixo de um globo metálico e transpondo a pesada porta rotativa pode observar-se no hall e vestíbulo uma das salas mais icónicas do edifício, decorada com painéis originais de Almada Negreiros — “Grande Planisfério” e “Quatro alegorias a Portugal e à Imprensa”.

Foram pintados entre 1934 e 1940. Se um representa um Mapa-Mundi com referências ao império colonial português, no outro são ilustrados os vários momentos de produção de um jornal naquela época, desde o processo inicial de criação até chegar ao leitor, com os tipógrafos, os jornalistas e os ardinas.

Subindo ao segundo piso, depois de se cumprimentar o ardina, chega-se à Sala Verde. Desde sempre considerada a sala de honra do Diário de Notícias, permanecem nas paredes os retratos pintados dos primeiros diretores. Neste espaço de teto alto passaram ilustres visitantes, como os diversos Presidentes da República, D. Juan de Borbón, avô do atual rei Felipe VI, Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil ou o escritor José Saramago, antigo subdiretor do Diário de Noticias, que dias depois de receber o Nobel da Literatura, foi convidado a visitar a redação.

Movimento quer espólio preservado

Em algumas das salas ou guardados na cave do edifício, mantêm-se ainda alguns dos móveis originais do Diário de Notícias, para além de uma antiga impressora onde de início era impresso o jornal. O espólio do DN é imenso e valioso e conta com mobiliário de época, com algumas peças assinadas por Daciano da Costa, um conjunto de quadros e esculturas de autores de nomeada, serviços de louça, desenhos inéditos de pintores, uma grande coleção de fotografias (muitas delas ainda em placa) e até manuscritos de Eça de Queiroz.

Com vista a preservar este património, um grupo de cidadãos, do Movimento Fórum Cidadania Lisboa, solicitou à Direção-Geral do Património Cultural que garanta a integridade física do edifício-sede do Diário de Notícias e ao Arquivo Nacional Torre do Tombo que garanta a salvaguarda do espólio, designadamente por via da sua inventariação, arquivamento e posterior musealização em local público.


A venda do edifício do Diário de Notícias trará um encaixe de 20 a 25 milhões de euros para o Grupo que passa a estar alojado nas Torres de Lisboa.

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