DN.
Saem os jornalistas, ficam as paredes de História
Susana Otão
20/11/2016,
OBSERVADOR
Um
dos edifícios mais emblemáticos da cidade de Lisboa vai acolher um
condomínio de apartamentos e serviços , mas as suas paredes vão
continuar a contar a História.
Uma fachada de
estética modernista, com uma torre e o seu farol, bem como as letras
góticas com o nome Diário de Notícias, são o símbolo de um dos
mais emblemáticos edifícios da cidade de Lisboa. Lá dentro, os
painéis de Almada Negreiros impressionam, bem como a sala Verde, que
recebeu tantas individualidades.
Em breve o edifício
vai acolher um condomínio de apartamentos e serviços e
transformar-se num empreendimento moderno, mas que guardará,
contudo, nas suas paredes, muitas histórias que fizeram História. E
não são só as histórias ditadas pelos jornais e revistas que ali
viveram nos últimos 76 anos – os jornais Diário de Notícias,
Jornal de Notícias, O Jogo e as revistas Notícias Magazine,
Evasões, Dinheiro Vivo e Volta ao Mundo -, que irão permanecer
enquanto alma do edifício.
O projeto de
habitação e comércio terá de conviver com a preservação da
marca Diário de Notícias. Por isso mesmo, a fachada revestida a
pedra e que pretende simbolizar a forma de uma impressora será
mantida. Ao centro, a torre encimada por um farol, e que em tempos se
acendia à noite, também permanecerá na paisagem da Avenida da
Liberdade.
Este foi o primeiro
edifício em Portugal construído de raiz, propositadamente, para
alojar um jornal, projetado pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro,
em 1936. A inauguração aconteceu a 24 de abril de 1940, numa
cerimónia que contou com a presença do então presidente Óscar
Carmona, que cortou a fita comemorativa, lado a lado com o arquiteto
e Augusto de Castro, à data o diretor do diário. No mesmo ano
venceu o prestigiado Prémio Valmor, destacando-se por ser a primeira
edificação moderna da principal avenida de Lisboa.
O edifício do
Diário de Notícias demorou três anos a ser construído e a sua
transferência para a Avenida da Liberdade resultou da necessidade de
modernizar as instalações. O Mundo estava em constante mudança e o
jornal ganhava cada vez mais protagonismo, necessitando de expandir a
sede onde havia sido fundado a 29 de dezembro de 1864, na Rua dos
Calafates, depois rebatizada de Diário de Notícias, no Bairro Alto,
em Lisboa.
Com oito pisos,
sendo que dois deles estão no subsolo, numa planta retangular, o
prédio tinha na sua origem uma área útil de oito mil metros
quadrados. E de início a oficina gráfica estava, inclusive,
instalada no local. Neste momento, o prédio é constituído por dois
grandes blocos ligados por corredores internos e conta com duas
entradas: o acesso original através da Avenida da Liberdade e a
entrada por uma porta nas traseiras, na rua Rodrigues Sampaio.
Classificado como
Imóvel de Interesse Público, sobressai “no contexto da
arquitetura portuguesa contemporânea pela original solução de
compromisso entre a linguagem monumentalista da época e as
tendências inovadoras e modernistas, traduzindo a procura de
equilíbrio entre os vetores estético, funcional e construtivo”,
pode ler-se numa definição sobre o edifício, no site da Câmara
Municipal de Lisboa, que destaca os elementos decorativos utilizados
e a diversidade de materiais e as suas cores.
Mas os novos
proprietários terão também de respeitar outras características do
edifício Prémio Valmor, nomeadamente relacionadas com seu interior.
Na entrada principal, por debaixo de um globo metálico e transpondo
a pesada porta rotativa pode observar-se no hall e vestíbulo uma das
salas mais icónicas do edifício, decorada com painéis originais de
Almada Negreiros — “Grande Planisfério” e “Quatro alegorias
a Portugal e à Imprensa”.
Foram pintados entre
1934 e 1940. Se um representa um Mapa-Mundi com referências ao
império colonial português, no outro são ilustrados os vários
momentos de produção de um jornal naquela época, desde o processo
inicial de criação até chegar ao leitor, com os tipógrafos, os
jornalistas e os ardinas.
Subindo ao segundo
piso, depois de se cumprimentar o ardina, chega-se à Sala Verde.
Desde sempre considerada a sala de honra do Diário de Notícias,
permanecem nas paredes os retratos pintados dos primeiros diretores.
Neste espaço de teto alto passaram ilustres visitantes, como os
diversos Presidentes da República, D. Juan de Borbón, avô do atual
rei Felipe VI, Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil ou o
escritor José Saramago, antigo subdiretor do Diário de Noticias,
que dias depois de receber o Nobel da Literatura, foi convidado a
visitar a redação.
Movimento quer
espólio preservado
Em algumas das salas
ou guardados na cave do edifício, mantêm-se ainda alguns dos móveis
originais do Diário de Notícias, para além de uma antiga
impressora onde de início era impresso o jornal. O espólio do DN é
imenso e valioso e conta com mobiliário de época, com algumas peças
assinadas por Daciano da Costa, um conjunto de quadros e esculturas
de autores de nomeada, serviços de louça, desenhos inéditos de
pintores, uma grande coleção de fotografias (muitas delas ainda em
placa) e até manuscritos de Eça de Queiroz.
Com vista a
preservar este património, um grupo de cidadãos, do Movimento Fórum
Cidadania Lisboa, solicitou à Direção-Geral do Património
Cultural que garanta a integridade física do edifício-sede do
Diário de Notícias e ao Arquivo Nacional Torre do Tombo que garanta
a salvaguarda do espólio, designadamente por via da sua
inventariação, arquivamento e posterior musealização em local
público.
A venda do edifício
do Diário de Notícias trará um encaixe de 20 a 25 milhões de
euros para o Grupo que passa a estar alojado nas Torres de Lisboa.
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