Estrutura
encontrada na Graça tem "carácter único" e "inequívoco
valor"
INÊS BOAVENTURA
11/11/2016 – 07:55
Arqueóloga
diz que projecto inicial do funicular até à Mouraria implicava "a
destruição total" do património. A hipótese de um projecto
alternativo surgiu depois de uma visita da directora da DGPC à obra,
em Lisboa.
O alambor da Muralha
Fernandina que foi identificado na Graça, e que aparentemente se
encontra “muito bem preservado”, reveste-se de um “inequívoco
valor patrimonial” e de um “carácter único”. “Não se
conhece, até à data, um elemento semelhante na cidade de Lisboa”,
sublinha a arqueóloga da Direcção-Geral do Património Cultural
(DGPC) que acompanha o processo, acrescentando que mesmo ao nível do
país “ainda não foi possível identificar um paralelo”.
Isso mesmo consta de
um parecer no qual a técnica aponta o alambor (uma rampa inclinada
na base da muralha) como “a estrutura mais espectacular” entre as
que foram encontradas durante os trabalhos de escavação
arqueológica desenvolvidos no Miradouro Sophia de Mello Breyner
Andresen. Estes trabalhos têm em vista a instalação de um
funicular para ligar a Graça à Mouraria.
Nele a arqueóloga
Maria José Sequeira sublinha que a execução do funicular nos
moldes em que estava inicialmente previsto “impõe a destruição
total do troço da Muralha Fernandina (plano de muralha e
‘alambor’)”. Lembrando que essa estrutura está classificada
como Monumento Nacional, a técnica entende que a solução que era
preconizada pela câmara “não reúne as condições para poder ser
aprovada”.
Para o justificar, a
arqueóloga invoca a Lei de Bases do Património Cultural, em
concreto o artigo que estabelece as situações em que pode ser
autorizada a demolição de imóveis classificados ou em vias de
classificação. “Não nos parecem aplicáveis as disposições”
constata Maria José Sequeira, notando que “o monumento não se
encontra em ruína”, “o projecto de construção do funicular não
se enquadra na categoria de superior interesse público” e “as
características construtivas do bem inviabilizam a sua deslocação”.
No mesmo parecer,
que está datado de 3 de Outubro e que mereceu a concordância da
directora do Departamento dos Bens Culturais e da directora-geral da
DGPC, a arqueóloga propõe ainda que seja elaborado “um parecer
externo sobre o real valor científico, histórico e patrimonial”
do alambor, dado o seu carácter “incomum”. Mário Barroca,
director da licenciatura em Arqueologia da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, foi o especialista sugerido para o efeito.
A esse parecer
seguem-se, no processo da DGPC relativo a estas escavações
arqueológicas, vários documentos nos quais se dá conta de que
houve entretanto um alargamento da área objecto de prospecções
arqueológicas.
Segundo uma nota
técnica da empresa Arqueologia e Património, na nova sondagem
“detectou-se, tal como era esperado, a continuação da Cerca
Fernandina em taipa militar”, tendo ainda sido identificada “uma
estrutura que parece apresentar uma planta quadrangular”. Segundo
os técnicos “trata-se de uma estrutura em taipa que poderá ser um
torreão ou um cubelo, adossado à face interna da muralha”.
Já o parecer de
Outubro (que defendia que o projecto do funicular não reunia as
condições para ser aprovado por implicar a destruição dos
achados) não volta a ser referido no processo, que o PÚBLICO
consultou. Dele não consta qualquer resposta ao parecer ou qualquer
nota de que tenha havido desenvolvimentos formais do caso.
A única coisa que
se fica a saber, através de uma acta de uma reunião realizada no
local da obra a 24 de Outubro, é que a directora-geral da DGPC,
Paula Silva, visitou o local em data anterior. E que “na sequência”
dessa visita as entidades envolvidas no processo “ponderam
encontrar uma solução alternativa que não afecte a muralha”.
Dias depois, a 3 de
Novembro, essa informação é reiterada numa comunicação interna
da DGPC em que se dá conta de que “a equipa de arqueologia deu por
terminados os trabalhos de escavação”. No mesmo documento
transmite-se que “a equipa projectista de arquitectos se encontra a
trabalhar num reajustamento do projecto de arquitectura” na área
do Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen, “com vista à
compatibilização do Monumento Nacional com a construção do
funicular”.
Numa intervenção
recente sobre o tema na Assembleia Municipal de Lisboa, o vereador
das Obras Municipais da Câmara de Lisboa sustentou que esta é uma
situação em que é necessário “conjugar valores diferentes: um
que é o valor da acessibilidade, outro que é o valor da conservação
do património”.
“O projecto está
a ser corrigido para evitar ao máximo tocar ou afectar a estrutura
do alambor”, afirmou na ocasião Manuel Salgado, acrescentando que
lhe parece “que está tudo bem encaminhado nesse sentido”. “Tenho
acompanhado pessoalmente este processo com a direcção da DGPC”,
explicou, para justificar essa percepção.
O autarca falou
ainda na hipótese de ser criado “um centro de interpretação da
Muralha Fernandina”, equipamento que em seu entender teria no
Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen “uma localização
privilegiada, porque a partir dali há uma visão bastante alargada
do conjunto dos elementos que ainda estão aparentes da muralha”.
Sem comentários:
Enviar um comentário