segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Lisboa . O Triunfo do Híbrido na Baixa.


 Lisboa . O Triunfo do Híbrido na Baixa.
80 lojas asiáticas de pseudo artigos turísticos. O “Império” da Patrimus a expandir-se num festival de kitsch e pastiche infantilizado.
Revisitem em baixo os artigos sobre a Patrimus
OVOODOCORVO



“É fácil reconhecer os estabelecimentos da Patrimus Indústria: brasões a imitar antigo, decorações a imitar antigo, e datas recuadas em local bem visível, dando a ilusão aos neófitos de que se trata de uma loja com décadas de existência”



Depois dos pastéis, agora uma ilegalidade com as enguias
Dona de várias lojas no centro histórico da cidade, a Patrimus retirou há pouco elementos ilegais da fachada de uma delas. Para abrir outra, nesta semana, com nova violação

21 DE MARÇO DE 2016
01:11
Fernanda Câncio

É fácil reconhecer os estabelecimentos da Patrimus Indústria: brasões a imitar antigo, decorações a imitar antigo, e datas recuadas em local bem visível, dando a ilusão aos neófitos de que se trata de uma loja com décadas de existência. Na casa de pastéis de bacalhau na Rua Augusta, em Lisboa, os placards com a data foram retirados recentemente, depois de a empresa saber há um ano que eram ilegais, por ser proibido colocar propaganda nas fachadas; mas na que abriu nesta terça-feira na esquina da Rua da Prata com a Rua da Conceição, de conservas de enguias, novos placards ilegais foram afixados na cantaria de pedra do edifício.

"Já fui lá dizer-lhes que aquilo está ilegal e que vou mandar tirar." Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, à qual pertence a Baixa, foi alertado por uma pessoa que mora em frente, acordada à meia-noite e meia com as máquinas a furar a cantaria. Em causa está a violação das normas do Plano de Salvaguarda da Baixa Pombalina, que limitam a colocação de elementos exteriores de propaganda.

"O problema é que leva tempo; isto é um processo", explica Miguel Coelho, que tem a seu cargo esta área em 1978 classificada como "imóvel de interesse público", denominação alterada em 2012 para "conjunto de interesse público" e que há mais de dez anos tem sido frequentemente citada como candidata a património mundial, sem que a candidatura tenha sido alguma vez formalizada. "Com o licenciamento zero as empresas podem fazer as coisas sem pedir autorização e depois temos de ir fiscalizar, instruir o procedimento, etc."

No final do processo, a empresa é intimada a retirar as placas e provavelmente multada (num mínimo de dois mil euros). Mas, se a tramitação for tão morosa como a que ocorreu com os placards da Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau, pode demorar um ano até que a legalidade - e a estética - seja reposta. De facto, apesar de ter sido inaugurada em maio de 2015 com vários elementos ilegais na fachada, sendo apontada nas redes sociais como um exemplo de tudo o que não se deve fazer naquela zona da cidade, a loja de pastéis só no último mês retirou os anúncios que havia colocado à altura do primeiro andar. E pelos vistos não teve receio de repetir a experiência na nova loja.

Questionado sobre os motivos de reincidência naquilo que não ignora ser uma ilegalidade, Fernando Fernandes, porta-voz da empresa, recusa responder às perguntas do DN. Limita-se a confirmar que a loja de conservas pertence à Patrimus, e adianta que os produtos nela comercializados são produzidos pela fábrica Comur, na Murtosa, comprada pela Patrimur em setembro. Como a Comur produz e enlata enguias de escabeche desde 1942, a Patrimus viu aí um bom pretexto para "datar" a loja; já no caso da Casa de Pastéis de Bacalhau, a justificação apresentada era que se tratava "da data da primeira receita publicada de pastel de bacalhau." As pessoas interpretam como quiserem, comentava há um ano, em resposta ao DN, Fernando Fernandes, asseverando que não era "questão de fazer parecer antigo." Certo é que não é proibido inventar datas de fundação de lojas, mesmo se tal anda paredes meias com a publicidade enganosa, nem decorá-las por dentro e por fora de modo a que turistas pensem que se trata de uma "loja com história".


Num centro histórico submetido a uma enorme pressão da indústria do turismo, com as verdadeiras lojas "com história" a fechar paulatinamente devido à alteração acelerada do uso dos edifícios e ao descongelamento das rendas, surgem assim falsos comércios antigos, numa substituição irónica.

A nau de bacalhau com velas de queijo e corvos de massapão
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO 09/01/2016 – 01:25

A autenticidade e a sobrevivência da nossa identidade está ameaçada pelo triunfo efémero do Híbrido.

Em Lisboa, os últimos dias de 2015 foram dominados na opinião pública, pelo polémico e imposto desaparecimento do Palmeira.

O Palmeira era um restaurante “atascado” de consideráveis dimensões em notável espaço térreo Pombalino, conjugando respectivas abóbodas e pilares com antiga e genuína decoração “Portugal/Português”.

Aqui, azulejos e ferragens junto a autênticos pastéis de bacalhau (sem queijo) permitiam associações mentais em “viagens por serras e vales” no tempo das estradas nacionais, com árvores ancestrais apresentando bandas brancas reveladas por redondos faróis pejados de mosquitos, feixes luminosos invasores de silhuetas campestres sobre um glorioso e estrelado céu nocturno, dominado pelas abóbodas do Firmamento.

Tudo isto terminou abruptamente. A C.M.L. decidiu vender o edifício, na parte superior uma ruína, sem acautelar a garantia de sobrevivência deste notável e autêntico estabelecimento. Isto, depois de apregoar aos quatro ventos a criação do Projecto “Lojas com História”., que garantiu a formulação de extensas e completas listas de estabelecimentos a preservar, definidas por notáveis seguidores de Ulisses.

Estas heróicas listas e intenções só apresentavam uma sombra. A C.M.L. não garantia a protecção perante a implacável e arbitrária Lei do Arrendamento. Assim, declarava-se impotente e também vítima, numa mítica, heróica e eterna luta entre as intenções, a defesa do valor único cultural de tais estabelecimentos, e a realidade dos valores e interesses dos investidores que se sobrepunham aos valores culturais.

Havia portanto uma essência pura de “Dr. Jeckill” no organismo da C.M.L., que sucumbia assim por impotência, ás maléficas intenções vindas do “exterior”.

Mas a perversidade reside precisamente no facto de que tal como na conhecida novela, “Dr. Jeckill” e “Mr. Hyde” são duas facetas da mesma pessoa. E não se trata aqui, apenas. de um conflicto entre duas essências no mesmo organismo, em luta interna e permanente.

Não, mais perversamente, aqui, a existência de “Dr. Jeckill” é um falso mito criado por “Mr. Hyde”.

Por outras palavras, a principal causa do desaparecimento dos Estabelecimentos é a política urbanística desenvolvida pela C.M.L. e respectivos licenciamentos concedidos.

Na avalanche de projectos de hóteis e residências turísticas permitida e licenciada pela C.M.L. está presente uma ausência total de estratégia ou visão futura. Cada projecto, no actual estado de coisas, implica inevitávelemente o desaparecimento de qualquer estabelecimento existente, independentemente da sua antiguidade ou do seu reconhecido e apregoado insubstituível valor cultural.

Embora todos reconheçam que a autenticidade e a diferença local e cultural, constituem a principal e determinante razão da visita turística, Lisboa está a ser destruída sistemáticamente na sua identidade e a ser transformada numa artificial plataforma onde a banalidade, o pastiche e o híbrido triunfam.

Numa grave crise económica, repentinamente o Turismo surgiu como balão de oxigénio salvador.

Como em Portugal nada se medita, reflecte ou se planeia, tudo simplesmente parece nos acontecer, aceitamoss estes processos como inevitáveis. No entanto estes processos conhecem responsáveis e são estimulados ou contrariados por alguém.

Numa Lisboa onde o “pastel de bacalhau com queijo” triunfa, a autenticidade e a sobrevivência da nossa identidade está ameaçada pelo triunfo efémero e irreversivelemente destruidor do Híbrido.

A nau heráldica e respectivos atributos iconográficos originalmente símbolo das características, virtudes e valores da nobre Urbe, está a ser lentamente mas irreversívelmente transformada numa “nau de bacalhau, com velas de queijo e corvos de massapão.”

Historiador de Arquitectura

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