Lisboa . O Triunfo do Híbrido na Baixa.
80 lojas asiáticas
de pseudo artigos turísticos. O “Império” da Patrimus a
expandir-se num festival de kitsch e pastiche infantilizado.
Revisitem em baixo os artigos sobre a Patrimus
OVOODOCORVO
Depois
dos pastéis, agora uma ilegalidade com as enguias
Dona
de várias lojas no centro histórico da cidade, a Patrimus retirou
há pouco elementos ilegais da fachada de uma delas. Para abrir
outra, nesta semana, com nova violação
21 DE MARÇO DE 2016
01:11
Fernanda Câncio
É fácil reconhecer
os estabelecimentos da Patrimus Indústria: brasões a imitar antigo,
decorações a imitar antigo, e datas recuadas em local bem visível,
dando a ilusão aos neófitos de que se trata de uma loja com décadas
de existência. Na casa de pastéis de bacalhau na Rua Augusta, em
Lisboa, os placards com a data foram retirados recentemente, depois
de a empresa saber há um ano que eram ilegais, por ser proibido
colocar propaganda nas fachadas; mas na que abriu nesta terça-feira
na esquina da Rua da Prata com a Rua da Conceição, de conservas de
enguias, novos placards ilegais foram afixados na cantaria de pedra
do edifício.
"Já fui lá
dizer-lhes que aquilo está ilegal e que vou mandar tirar."
Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior,
à qual pertence a Baixa, foi alertado por uma pessoa que mora em
frente, acordada à meia-noite e meia com as máquinas a furar a
cantaria. Em causa está a violação das normas do Plano de
Salvaguarda da Baixa Pombalina, que limitam a colocação de
elementos exteriores de propaganda.
"O problema é
que leva tempo; isto é um processo", explica Miguel Coelho, que
tem a seu cargo esta área em 1978 classificada como "imóvel de
interesse público", denominação alterada em 2012 para
"conjunto de interesse público" e que há mais de dez anos
tem sido frequentemente citada como candidata a património mundial,
sem que a candidatura tenha sido alguma vez formalizada. "Com o
licenciamento zero as empresas podem fazer as coisas sem pedir
autorização e depois temos de ir fiscalizar, instruir o
procedimento, etc."
No final do
processo, a empresa é intimada a retirar as placas e provavelmente
multada (num mínimo de dois mil euros). Mas, se a tramitação for
tão morosa como a que ocorreu com os placards da Casa Portuguesa do
Pastel de Bacalhau, pode demorar um ano até que a legalidade - e a
estética - seja reposta. De facto, apesar de ter sido inaugurada em
maio de 2015 com vários elementos ilegais na fachada, sendo apontada
nas redes sociais como um exemplo de tudo o que não se deve fazer
naquela zona da cidade, a loja de pastéis só no último mês
retirou os anúncios que havia colocado à altura do primeiro andar.
E pelos vistos não teve receio de repetir a experiência na nova
loja.
Questionado sobre os
motivos de reincidência naquilo que não ignora ser uma ilegalidade,
Fernando Fernandes, porta-voz da empresa, recusa responder às
perguntas do DN. Limita-se a confirmar que a loja de conservas
pertence à Patrimus, e adianta que os produtos nela comercializados
são produzidos pela fábrica Comur, na Murtosa, comprada pela
Patrimur em setembro. Como a Comur produz e enlata enguias de
escabeche desde 1942, a Patrimus viu aí um bom pretexto para "datar"
a loja; já no caso da Casa de Pastéis de Bacalhau, a justificação
apresentada era que se tratava "da data da primeira receita
publicada de pastel de bacalhau." As pessoas interpretam como
quiserem, comentava há um ano, em resposta ao DN, Fernando
Fernandes, asseverando que não era "questão de fazer parecer
antigo." Certo é que não é proibido inventar datas de
fundação de lojas, mesmo se tal anda paredes meias com a
publicidade enganosa, nem decorá-las por dentro e por fora de modo a
que turistas pensem que se trata de uma "loja com história".
Num centro histórico
submetido a uma enorme pressão da indústria do turismo, com as
verdadeiras lojas "com história" a fechar paulatinamente
devido à alteração acelerada do uso dos edifícios e ao
descongelamento das rendas, surgem assim falsos comércios antigos,
numa substituição irónica.
A
nau de bacalhau com velas de queijo e corvos de massapão
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO 09/01/2016 – 01:25
A
autenticidade e a sobrevivência da nossa identidade está ameaçada
pelo triunfo efémero do Híbrido.
Em Lisboa, os
últimos dias de 2015 foram dominados na opinião pública, pelo
polémico e imposto desaparecimento do Palmeira.
O Palmeira era um
restaurante “atascado” de consideráveis dimensões em notável
espaço térreo Pombalino, conjugando respectivas abóbodas e pilares
com antiga e genuína decoração “Portugal/Português”.
Aqui, azulejos e
ferragens junto a autênticos pastéis de bacalhau (sem queijo)
permitiam associações mentais em “viagens por serras e vales”
no tempo das estradas nacionais, com árvores ancestrais apresentando
bandas brancas reveladas por redondos faróis pejados de mosquitos,
feixes luminosos invasores de silhuetas campestres sobre um glorioso
e estrelado céu nocturno, dominado pelas abóbodas do Firmamento.
Tudo isto terminou
abruptamente. A C.M.L. decidiu vender o edifício, na parte superior
uma ruína, sem acautelar a garantia de sobrevivência deste notável
e autêntico estabelecimento. Isto, depois de apregoar aos quatro
ventos a criação do Projecto “Lojas com História”., que
garantiu a formulação de extensas e completas listas de
estabelecimentos a preservar, definidas por notáveis seguidores de
Ulisses.
Estas heróicas
listas e intenções só apresentavam uma sombra. A C.M.L. não
garantia a protecção perante a implacável e arbitrária Lei do
Arrendamento. Assim, declarava-se impotente e também vítima, numa
mítica, heróica e eterna luta entre as intenções, a defesa do
valor único cultural de tais estabelecimentos, e a realidade dos
valores e interesses dos investidores que se sobrepunham aos valores
culturais.
Havia portanto uma
essência pura de “Dr. Jeckill” no organismo da C.M.L., que
sucumbia assim por impotência, ás maléficas intenções vindas do
“exterior”.
Mas a perversidade
reside precisamente no facto de que tal como na conhecida novela,
“Dr. Jeckill” e “Mr. Hyde” são duas facetas da mesma pessoa.
E não se trata aqui, apenas. de um conflicto entre duas essências
no mesmo organismo, em luta interna e permanente.
Não, mais
perversamente, aqui, a existência de “Dr. Jeckill” é um falso
mito criado por “Mr. Hyde”.
Por outras palavras,
a principal causa do desaparecimento dos Estabelecimentos é a
política urbanística desenvolvida pela C.M.L. e respectivos
licenciamentos concedidos.
Na avalanche de
projectos de hóteis e residências turísticas permitida e
licenciada pela C.M.L. está presente uma ausência total de
estratégia ou visão futura. Cada projecto, no actual estado de
coisas, implica inevitávelemente o desaparecimento de qualquer
estabelecimento existente, independentemente da sua antiguidade ou do
seu reconhecido e apregoado insubstituível valor cultural.
Embora todos
reconheçam que a autenticidade e a diferença local e cultural,
constituem a principal e determinante razão da visita turística,
Lisboa está a ser destruída sistemáticamente na sua identidade e a
ser transformada numa artificial plataforma onde a banalidade, o
pastiche e o híbrido triunfam.
Numa grave crise
económica, repentinamente o Turismo surgiu como balão de oxigénio
salvador.
Como em Portugal
nada se medita, reflecte ou se planeia, tudo simplesmente parece nos
acontecer, aceitamoss estes processos como inevitáveis. No entanto
estes processos conhecem responsáveis e são estimulados ou
contrariados por alguém.
Numa Lisboa onde o
“pastel de bacalhau com queijo” triunfa, a autenticidade e a
sobrevivência da nossa identidade está ameaçada pelo triunfo
efémero e irreversivelemente destruidor do Híbrido.
A nau heráldica e
respectivos atributos iconográficos originalmente símbolo das
características, virtudes e valores da nobre Urbe, está a ser
lentamente mas irreversívelmente transformada numa “nau de
bacalhau, com velas de queijo e corvos de massapão.”
Historiador de
Arquitectura
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