A
vitória de Trump inspira os populistas europeus
CLARA BARATA
10/11/2016 – 06:44
No
ano que vem, a extrema-direita europeia espera beneficiar do facto de
na Casa Branca estar um Presidente ideologicamente próximo.
A vitória de Donald
Trump nos Estados Unidos foi saudada pelos líderes dos partidos
populistas de extrema-direita europeus como a vanguarda de um
movimento de libertação dos povos. “O que aconteceu ontem à
noite não foi o fim do mundo, foi o fim de um mundo. Parabéns ao
povo livre americano”, declarou, entusiástica, Marine Le Pen, que
ameaça ser a vencedora da primeira volta das eleições
presidenciais francesas de Abril de 2017.
Trump conquistou a
Casa Branca com um discurso anti-imigração, prometendo construir
“um grande e belo muro” na fronteira com o México. A sua maior
promessa é encerrar os Estados Unidos na sua concha, voltar a um
passado idílico: tornar “a América grande outra vez”, num
momento não especificado. Nada disto é particularmente original, se
comparado com o discurso dos novos partidos de extrema-direita
europeus, nacionalistas e eurocépticos, que nos últimos anos se têm
articulado entre si, e mantido contactos com movimentos congéneres
nos EUA.
Na convenção
republicana, em Cleveland (Ohio), em Julho, destacaram-se dois
convidados europeus. Um deles foi o holandês Geert Wilders, que as
sondagens dizem estar empatado com o partido do primeiro-ministro
Mark Rutte, nas eleições de Março de 2017, e que esta quarta-feira
saudou a eleição de Trump como “uma Primavera patriótica” no
Ocidente. Wilders adaptou a frase de campanha de Trump: "Make
Netherlands great again". Outro foi o britânico Nigel Farage,
líder do Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP), um dos
artesãos do referendo do “Brexit”, retribuindo a visita que
Trump fez ao Reino Unido na altura da consulta britânica sobre a
permanência na União Europeia.
Trump não costuma
falar sobre as suas relações com a extrema-direita europeia, mas
tanto o seu programa como o tipo de eleitores que cortejou são
semelhantes aos que Marine Le Pen e a Frente Nacional (FN) perseguem
há anos em França.
Os sindicatos
franceses sabem bem que a Frente Nacional, um partido de
extrema-direita, rouba eleitores entre os operários, com um discurso
proteccionista em que mistura o nacionalismo económico com políticas
de defesa dos trabalhadores. Marine Le Pen explorou ao máximo este
filão para conquistar novos territórios eleitorais no Norte de
França, zona deprimida devido à desactivação das minas de carvão
e da deslocalização das fábricas para outros países – efeitos
da globalização, tão demonizada em França.
Os eleitores de
Marine Le Pen, em França, que se deixam encantar pelas promessas de
saída do euro e de encerramento das portas aos imigrantes, não são
muito diferentes dos que elegeram Donald Trump, que teve melhores
resultados entre eleitores brancos (em especial homens), sem formação
superior, que vivem em zonas rurais ou semi-rurais.
A vitória de Trump
com este eleitorado é, para Le Pen, um bom augúrio para as
presidenciais que terão a primeira volta a 23 de Abril de 2017, e
para as quais é dada como vencedora na primeira volta. À esquerda,
o Partido Socialista está dividido e sem um bom candidato - François
Hollande transforma-se cada vez mais num Presidente recordista de
impopularidade. Para a segunda volta, no entanto, a aposta é que o
candidato de centro-direita conseguirá batê-la.
Um ano infernal
As eleições
americanas dão o tiro de partida para um ano eleitoral na Europa que
se pode transformar numa bola de neve imparável de populismos a
chegar ao poder.
A 4 de Dezembro, a
Áustria repete as eleições presidenciais, com a possibilidade de
Norbert Hofer, do Partido da Liberdade, conseguir desta vez a vitória
que lhe escapou por pouco da primeira. E, no mesmo dia, realiza-se em
Itália o referendo sobre as alterações à Constituição visando
mudar o sistema político. Tanto o partido de extrema-direita Liga
Norte como o Movimento 5 Estrelas apelaram aos eleitores para
chumbarem essas alterações, o que a acontecer põe em causa a
continuação do Governo de centro-esquerda de Matteo Renzi.
A 15 de Março é a
vez de a Holanda votar. Geert Wilders, que tem um discurso xenófobo
e anti-imigração, dificilmente fará parte de uma coligação
governamental, mas pode influenciar a formação do executivo, ou
deixar passar um governo no Parlamento a troco de políticas que
sejam do seu interesse.
Um mês depois, é a
vez de França votar – e é lá que todas as atenções vão
convergir.
No fim do Verão, a
27 de Agosto, a Alemanha vai escolher um novo Parlamento e ainda não
é certo que Angela Merkel se recandidate ao posto de chanceler. O
que se teme é que o partido anti-imigração e de extrema-direita
Alternativa para a Alemanha eleja deputados e, a julgar pela
prestação que tem tido nas eleições regionais, pode ter
resultados bastante bons, à boleia da reacção às dificuldades de
integração dos mais de um milhão de refugiados que a Alemanha
recebeu só em 2015.
Estes são os
cenários de instabilidade que se antevêem para a Europa. Na Casa
Branca, estará um Presidente que não mostra ter os braços abertos
aos aliados do Velho Continente — embora cá tenha amigos pouco
convencionais. Ainda assim, em Bruxelas o presidente do Conselho
Europeu, outro Donald (Tusk) já convidou Trump para participar num
conselho especial sobre as relações transatlânticas, “logo que
for conveniente.”
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