Sim, Carlos Costa tem um problema
Carlos Costa deve ir ao Parlamento explicar ao pormenor como
é que a cultura da Caixa convidava à cegueira. É o mínimo que ele nos deve.
João Miguel Tavares
14 de Fevereiro de 2019, 6:30
Carlos Costa tem um problema entre mãos, e não é pequeno. A
partir do momento que o país soube, através da investigação da revista Sábado,
que ele participou em reuniões alargadas para a concessão de créditos ruinosos
na Caixa Geral de Depósitos (onde foi administrador entre 2004 e 2006), a sua
autoridade enquanto governador do Banco de Portugal ficou obviamente diminuída,
e não há grande volta a dar a isso.
É claro que António Costa não vai mexer uma palha para o
remover do lugar, e em termos políticos faz bem: afastar um governador de um
banco central é extremamente difícil, porque o BCE blindou o lugar face à
necessidade de proteger a sua independência da pressão dos governos. Além
disso, o mandato de Carlos Costa termina em pouco mais de um ano, e optar agora
por um intrincado processo de exoneração seria absurdo. O melhor é deixá-lo
cessar funções com a dignidade possível. Isso não significa, contudo, que Carlos
Costa não deva explicações sérias ao país, nem que devamos embarcar na cantiga
de Paulo Macedo, que ainda na semana passada teve a lata de dizer no Parlamento
que “perder tempo com o passado” da Caixa não era, “minimamente”, do seu
“interesse”.
Eu percebo perfeitamente que não seja do seu interesse, mas
é do maior interesse para Portugal. A posição de Macedo é muito significativa e
vale a pena olhá-la de perto, porque ela ajuda a identificar os problemas de
Carlos Costa. Tenho, como boa parte dos portugueses, uma excelente impressão de
Paulo Macedo e da sua competência. Há três lugares de grande relevância pública
que ele ocupou com brilhantismo: foi director-geral de impostos no tempo em que
Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças, sendo o grande responsável
pela transformação do fisco numa eficientíssima máquina de cobrar dívidas; foi
ministro da Saúde durante o período da troika, conseguindo o prodígio de aguentar
as pontas do SNS no meio de um tremendo aperto financeiro; e é agora presidente
da CGD, conseguindo trazer o banco público de volta aos resultados positivos.
No entanto, Macedo não deixa de ser um homem do sistema
político-financeiro português, o que demonstra o quão complexo esse sistema é.
A sua vida não foram só actividades admiráveis. Ele esteve no conselho de
administração do BCP entre 2008 e 2011, quando o banco era liderado por Carlos
Santos Ferreira, tendo ao seu lado Armando Vara – a dupla responsável pelo
período mais catastrófico da CGD. Portanto, tanto Macedo como Costa foram
companheiros de administração das pessoas que mais contribuíram para afundar a
Caixa, e ambos têm agora de comentar e/ou avaliar os créditos obscenos
atribuídos pelos velhos compinchas (Carlos Costa, imagine-se, até um monte
alentejano comprou a Armando Vara).
Colocado este cenário, não chega a espantar que Macedo
afirme com tanta veemência que passar pela CGD não pode ser cadastro. Pudera.
Se fosse, ter-se-iam de juntar à lista os cadastrados do BPN, do BPP, do Banif,
do BES, do BCP, e a banca portuguesa ficava vazia de quadros superiores –
incluindo Paulo Macedo e Carlos Costa. Sou um rapaz pragmático, e percebo os
problemas que isso levanta. Mas faço notar o seguinte: ainda que tenhamos de
levar com o que há, não temos de fingir que é espectacular. Carlos Costa deve ir
ao Parlamento explicar ao pormenor qual o seu papel na atribuição dos créditos
nos anos loucos de José Sócrates. Ou, pelo menos, como é que a cultura da Caixa
convidava à cegueira. É o mínimo que ele nos deve.
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